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OPRESSÕES

Manifesto por um movimento lésbico feminista e anticapitalista e, por isso, transinclusivo, não bifóbico e não genitalizante

Por: Adriana Fukunari, Adrieli Schons, Akei Uehara, Ana Carolini Gomes Corrêa, Ana Lúcia Alberto, Ana Paula Andreotti Amorim, Audrei Teixeira, Beatriz Assumpção, Camila Bruna, Camilla Gomes, Erica Martins Rodrigues, Fabíola Jana, Fernanda Corrêa Paixão, Fernanda KNE, Janaína Leslão, Jéssica Cibelly dos Santos, Joamila Brito, Leonarda Lisboa, Lésbicas do Pão e Rosas, Lícia Guimarães, Lohana Morelli, Luiza Coppieters, Maíra Mee, Malu Pellachin, Maria Carolina Alves Ribeiro, Maria Fernanda Terra, Mariana Freitas, Naísa Zaiiah, Nathalia Melo Olivia, Paula Hong, Regina Tavares e  Viq Viç Vic

O movimento lésbico tem sido dominado por ideias que nos parecem nocivas para a nossa luta e para outras pessoas. Colocamos no texto abaixo alguns contrapontos que acreditamos que podem nos auxiliar em nossa organização.

Somos lésbicas

Somos mulheres que se relacionam com mulheres. Para trás de nós, há muita luta para podermos dizer isso publicamente, para podermos beijar nossas companheiras na rua, para podermos nos casar, adotar, estar inclusas em planos de saúde familiares, termos direito a ser acompanhantes familiares das nossas companheiras hospitalizadas etc. Reconhecemos e honramos nossa história e temos consciência de que temos ainda muitas batalhas pela frente para conquistar todos os direitos que merecemos e nos livrar das opressões que sofremos.

Somos feministas

A maior parte das atrocidades que atingem as mulheres lésbicas vêm do machismo. A renda mais baixa, a saúde pública e privada que ignoram nossas especificidades, os estupros ditos corretivos e o assédio moral entre tantos outros exemplos demonstram que a luta contra a lesbofobia é necessariamente uma luta feminista.

Somos anticapitalistas

Só é possível superar a lesbofobia, o machismo e todas as opressões superando a exploração de classe. Mulheres não são só oprimidas pela cultura machista. São também exploradas nos seus trabalhos remunerados. Mas não só aí. Somos exploradas também no trabalho gratuito de limpar, cozinhar e cuidar de todas as pessoas, majoritariamente dentro das nossas casas, mas também dos familiares próximos e de realizar essas tarefas nos ambientes de trabalho e informais. O trabalho de manter as pessoas da classe trabalhadora em bom estado para serem exploradas no trabalho é indispensável para o capitalismo. Nós, mulheres lésbicas, ainda que, às vezes, não formemos famílias, também realizamos esse trabalho, porque ele nos é ensinado e cobrado, desde a primeira infância, dentro das nossas famílias e nos nossos outros ambientes de convívio. A exploração desse trabalho gratuito é a maior fonte da nossa opressão como mulheres. Quando as mulheres em geral são rebaixadas, as mulheres lésbicas são mais rebaixadas ainda. Por isso, na luta lésbica consequente, temos que ser anticapitalistas.

Auto-organização e espaços mistos

As opressões que sofremos alimentam a exploração da classe trabalhadora na sua totalidade, incluindo mulheres e homens, as diversas raças/etnias, nacionalidades, origens, idades, orientações sexuais, pessoas com e sem deficiência etc. Por isso, nosso movimento como mulheres lésbicas tem que estar a par e ao lado das lutas de todos os segmentos da classe. Toda a classe tem que saber do que passamos para não reproduzir violências contra nós e para nos ajudar nas nossas lutas. É perfeitamente compreensível que uma mulher queira evitar o contato com homens na sua vida e é necessário fazer a reparação histórica de valorizar o trabalho das mulheres, porém na luta por um mundo sem lesbofobia, se acreditamos que ela só acaba com o fim do capitalismo, também acreditamos que a derrubada do capitalismo só se faz com toda a classe explorada unida. Precisamos dos nossos espaços de auto-organização para identificarmos nossas demandas específicas e precisamos igualmente estar nos espaços de luta conjunta com os outros setores oprimidos e explorados.

Mulheres trans são mulheres e podem ser lésbicas

Mulheres trans são expulsas de todas as instituições da sociedade a começar pela família, passando pela escola, saúde, trabalho e moradia. Têm acesso dificultado ao lazer e são, muitas vezes, privadas de viver vidas afetivas plenas. Muitas mulheres trans são lésbicas e têm o direito de estar no movimento de mulheres lésbicas, se assim desejarem, e são protagonistas legítimas deste movimento.

Sabemos que a bissexualidade é uma orientação legítima

Aprendemos com a militância das nossas companheiras bissexuais que elas podem passar por muitas opressões que são exclusivas das mulheres bissexuais. Acreditamos que a bissexualidade é uma orientação legítima, não acreditamos que ela decorre da heterossexualidade compulsória e nem que a bissexualidade de uma mulher seja um motivo para não nos relacionarmos com ela.

Genitália não define gênero nem orientação

A vaginofobia é uma forte característica da cultura machista. Temos que lutar contra as ideias negativas associadas à vagina e, para isso devemos falar sobre elas por motivos de saúde, de prazer e de combate à ideologia dominante. No entanto, nem nosso gênero – mulheres – nem nossa orientação – lésbicas – são definidos pela genitália. Nossa orientação não é vaginofilia – gostar de vaginas – e, sim, ginofilia – gostar de mulheres. Nós gostamos, sim, de vaginas, mas isso não é o que nos define como lésbicas. Uma mulher não é a sua genitália. É um ser humano completo e pleno. Como feministas, lutamos para que não nos objetifiquem, para que não nos reduzam a alguma parte do nosso corpo, para que o que somos não seja definido pela nossa genitália.

Publicamos esse manifesto para que nossas companheiras lésbicas que estiverem de acordo assinem e que se juntem a nós na construção de um movimento de lésbicas que possa realmente dar conta das nossas demandas e para que as demais pessoas que queiram apoiar compartilhem.

Assinam:

Adriana Fukunari, Adrieli Schons, Akei Uehara, Ana Carolini Gomes Corrêa, Ana Lúcia Alberto, Ana Paula Andreotti Amorim, Audrei Teixeira, Beatriz Assumpção, Camila Bruna, Camilla Gomes, Erica Martins Rodrigues, Fabíola Jana, Fernanda Corrêa Paixão, Fernanda KNE, Janaína Leslão, Jéssica Cibelly dos Santos, Joamila Brito, Leonarda Lisboa, Lésbicas do Pão e Rosas, Lícia Guimarães, Lohana Morelli, Luiza Coppieters, Maíra Mee, Malu Pellachin, Maria Carolina Alves Ribeiro, Maria Fernanda Terra, Mariana Freitas, Naísa Zaiiah, Nathalia Melo Olivia, Paula Hong, Regina Tavares, Viq Viç Vic.