Por: Carlos Zacarias de Sena Júnior, colunista do Esquerda Online
Primeira lição: Lula continua sendo uma grande liderança popular
Começou no último dia 17, em Salvador, a caravana de Lula pelo Nordeste do Brasil. Prevista para ser encerrada no início de setembro, a caravana, que percorrerá os nove estados da região e mais de duas dezenas de municípios, pretende ser um teste de popularidade da principal liderança petista do país numa região que, proporcionalmente, mais ofereceu votos ao PT em todas as eleições.
O início da caravana foi marcado por tumultos em função de uma liminar expedida pelo juiz Evandro dos Reis, que acatou recurso do vereador soteropolitano Alexandre Aleluia (DEM) solicitando que fosse suspensa a concessão do título de doutor Honoris Causa a Lula pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). O resultado dessa contenda que revelou, mais uma vez, a miséria da nossa Justiça e a incompetência do vereador que apresentou projetos de lei em torno do projeto Escola sem Partido, foi que a liminar repercutiu em diversos setores, especialmente nas universidades, que condenaram veementemente a decisão da Justiça, que feria o artigo 207 da Constituição, que versa sobre a autonomia universitária.
Diante de toda a repercussão negativa, e também pelo fato de que o petista e seus aliados souberam tirar proveito da situação, uma cerimônia que devia ser algo relativamente simples, na medida em que alguma coisa que envolva Lula pode ser considerado simples, se transformou num enorme ato político de desagravo ao líder petista, de defesa da autonomia universitária e de repúdio à decisão da Justiça e à atitude mesquinha e burra do vereador do DEM. Por conta disso, milhares de pessoas partiram para a pequena cidade de Cruz das Almas, no Recôncavo baiano, onde fica a reitoria da UFRB, uma universidade criada por Lula, para assistir o dirigente petista discursar e para lhe prestar apoio.
O fato de que milhares de pessoas se reuniram para ver e ouvir Lula é demonstração inconteste de que o ex-presidente continua sendo uma grande liderança popular e qualquer um que não reconheça isso em seus cálculos políticos está condenado a fracassar em suas análises. Da mesma forma, deve-se reconhecer que parte considerável dos apoiadores de Lula acreditam que todos os problemas serão resolvidos com o retorno deste à presidência, o que significa que as tarefas da esquerda socialista serão bastante difíceis e deve ser enfrentada com toda paciência.
Segunda lição: Lula e o PT não aprenderam quase nada com a derrota de 2016
Saindo de Salvador, Lula passou por Feira de Santana, a segunda cidade mais importante da Bahia, seguindo depois para Aracaju. Na capital sergipana, no dia 21, Lula recebeu seu 29º título de doutor Honoris Causa concedido pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Em sua agenda no Nordeste, pelo menos outros três títulos da mesma natureza estão previstos.
Quando do recebimento do título na UFS, Lula fez o que mais sabe: acusou as “elites” do país de serem contra a expansão do ensino público. Obviamente que todos que acompanham a política educacional do governo Temer devem reconhecer que o projeto de destruição da universidade pública foi retomado com todo vigor com o golpista, que conta com o apoio maciço do Congresso, composto por dezenas de deputados envolvidos com o ensino privado. O problema, contudo, é que o discurso de Lula, embora consiga registrar o papel cumprido por setores da burguesia que conspiram há décadas contra a educação pública, esconde que nos governos petistas, se a educação pública se expandiu, isto se deu com insuficiente aporte de verbas para fazer frente a expansão, o que resultou em precarização e dificuldades para docentes, discentes e servidores técnico-administrativos. Da mesma forma, o ensino privado também cresceu e alcançou fatias cada vez maiores do público habilitado ao ensino superior, não sem ajuda e incentivos dos governos petistas.
Foi, contudo, no dia seguinte, enquanto discursava para militantes e simpatizantes ao lado do governador Jackson Barreto, do PMDB, que Lula colheu os primeiros dissabores, quando um setor da CUT se afastou do ato e lançou nota criticando a presença do governador peemedebista nos palanques do PT. Para a CUT, “não cabem os traidores ou os que lavaram as mãos ante ao processo mais desastroso da recente história brasileira, que foi o impeachment da presidente Dilma [Rousseff]”. Ainda segundo a central sindical, “A presença de Jackson Barreto no palanque de Lula tem o único objetivo do governo estadual de acumular força para continuar massacrando os trabalhadores”.
O que parecia ser apenas um mal entendido registrado em Sergipe, que ocasionou, inclusive, mal-estar com correntes petistas no estado, em Alagoas ganhou ares de farsa, já que os anfitriões de Lula foram Renan Calheiros, então presidente do senado quando do golpe do impeachment em 2016, e seu filho, atual governador do estado. Em seus discursos na cidade de Penedo, onde Lula foi recebido por Renan pai e filho, houve troca de elogios e uma clara sinalização de que um setor do PMDB pretende se reaproximar do PT. Este partido, por sua vez, parece estar disposto a esquecer o passado e receber de braços abertos figuras que há pouco mais de um ano conspiraram para a deposição da presidente Dilma e até algumas semanas atrás estavam no governo de Michel Temer.
Em que pesem as manifestações de descontentamento de muitos petistas, especialmente daqueles que vivem sob governos do PMDB e que não esquecem que Michel Temer é deste partido, seria impossível dizer hoje que o destino desses setores seja romper com o partido e com o lulismo.
Terceira lição: não há vazio na política
Para qualquer bom entendedor, parece óbvio que o recuo nas manifestações contra as reformas e, de conjunto, na resistência ao golpe, atendeu muito bem às expectativas dos setores petistas mais alinhados ao ex-presidente que optaram por seguir em caravana pelo país, repetindo o movimento de inícios da década de 1990, com a Caravana da Cidadania. Para refrescar a memória, naquela altura, após ser derrotado nas eleições presidenciais de 1989, o PT e Lula apostaram todas as fichas no projeto eleitoral de 1994. Nem mesmo o impeachment de Collor impediu de seguirem essa miragem, pois foi o setor hegemônico do PT que garantiu a posse de Itamar e, depois, a governabilidade até as eleições, que terminaram com a derrota do petistas para FHC ainda no primeiro turno.
Para os setores dos movimentos sociais e qualquer trabalhador ou trabalhadora que tenha saído às ruas para lutar contra as reformas e pelo Fora Temer nos últimos meses, seria difícil imaginar a realização da caravana de Lula caso houvesse o empenho das centrais em construir as lutas, especialmente as greves. Em vista disso, parece ser ainda mais necessário se cobrar da CUT as responsabilidades na retomada da agenda de lutas, que não pode ser inviabilizada em função dos interesses eleitorais remetidos para 2018.
Na semana em que a plataforma “Vamos” será lançada, por iniciativa da Frente do Povo sem Medo, que envolve o PSOL, o MTST e várias organizações de esquerda e movimentos sociais do país, além de intento anunciado de ser um polo alternativo à política de conciliação de classes do lulismo, a plataforma deve ser, também, um espaço de construção de lutas contra o ilegítimo governo Temer e suas reformas.
Parece ser necessário para a esquerda socialista começar a ocupar os espaços junto aos setores combativos dos movimentos populares, da cidade e do campo. Combatendo os mitos, porque estes nunca ajudaram a construir alterativas, os trabalhadores e as trabalhadoras não podem esquecer que a obra de construção da emancipação deverá ser feita pelos próprios subalternos. Do contrário estaremos condenados a ainda mais retrocessos, de onde não se descarta que uma eventual candidatura de Lula, caso se concretize, terá muitas dificuldades de emplacar num cenário de campanha eleitoral, onde as acusações vão descer aos níveis mais baixos da política.
Por tudo isso, e muito mais pela necessidade de enfrentarmos as ilusões de que o único caminho para tirar o país do atoleiro é reeditar os governos Lula nas mesmas condições em que eles existiram, a esquerda socialista deve tomar a si o desafio de debater a sério, e com toda paciência, a necessidade de uma saída radicalmente anticapitalista para o país.
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