Por: Joana Benário, de São Paulo, SP
O mês de julho se inicia com protestos na Bolívia contra um aumento nas tarifas do serviço eléctrico e bloqueios dos produtores de coca contra a polêmica nova lei da coca. Estão previstas também manifestações dos 200 petroleiros demitidos da YPFB, a agência Nacional de Hidrocarbonetos. Além disso, A Central Obrera Boliviana (COB) anuncia uma paralisação de 24 horas para o dia 12 de julho e bloqueios em nível nacional.
As mobilizações em marcha indicam um crescente descontentamento com o governo alimentado pelas denúncias permanentes de escândalos e de corrupção, em um ambiente de estagnação econômica nacional.
Cocaleiros mobilizados
Os produtores de coca na região subtropical de Yungas de La Paz, organizados em ADEPCOCA, apresentaram uma petição de inconstitucionalidade contra a Lei Geral da Coca (Lei nº. 906). Isto porque os artigos 16 e 18 dessa lei reconhecem a folha de coca do Chapare, região de Cochabamba, como cultura originária, quando, de fato, apenas a produção na região de Yungas é cultura ancestral.
Isso aumenta significativamente a quantidade de cultura de coca permitida. Só a região do Chapare tem 7.000 ha antes considerados produção “excedente”, devendo por isso ser controlada e gradualmente eliminada. Ocorre que essa é a principal base social do governo de Evo Morales.
Os produtores estão em estado de emergência e o ministro do Desenvolvimento Rural, César Cocaricon e nenhuma outra autoridade podem entrar na região dos Yungas. A semana passada, quando tentava socializar a aplicação da lei com comunidades da região, teve que ser removido da área por helicóptero.
Como aceitar que um governo que se diz popular e socialista, aumente significativamente a produção de coca supostamente legal, quando é evidente para todos que a grande maioria da coca vai para o tráfico de drogas, um setor informal e 100% de economia privada, que além de tudo não dá mesmo um centavo de imposto para o país? Onde estão as alternativas para iniciativas estatais de industrialização e comercialização da coca e de outras culturas no Chapare e Yungas?
Os produtores organizaram um protesto na cidade de Sucre, a sede do Tribunal Constitucional, em 9 de julho, transportando mais de 100 ônibus com produtores de coca para aquela cidade, exigindo dos juízes a retificação de que a única folha de coca nativa é a cultivada na região de Yungas de La Paz. A sua demanda foi aceita pelo Tribunal Constitucional, que vai analisar o caso. Os produtores então retornaram a sua região, anunciando ficar em emergência.
Protestos contra o aumento das tarifas de energia elétrica
Na Bolívia, a geração e distribuição de energia são, na maior parte, privatizada e descentralizada. A “Autoridad de Electricidad” (AE)[1] autorizou mediante a resolução 280/2017, o incremento de 3% das tarifas ao usuário final. Mas em outros Departamentos (estados) o aumento será ainda maior. A “Cooperativa Rural de Electrificación” (CRE) de Santa Cruz, por exemplo, indicou um aumento que chega a 3,5%. Nas palavras de um pesquisador da ONG de pesquisas CEDLA “as variações de acréscimo ocorrem porque a legislação boliviana garante as vantagens das empresas geradoras, distribuidoras e comercializadoras de eletricidade”.
O aumento de tarifas do serviço de eletricidade terá um efeito multiplicador negativo na economia, apesar de ser menor que o aumento dos salários que é, em média, de 8% por ano. Recai sobre o conjunto de preços dos bens (em constante aumento) afetando o padrão de vida da população. Não por acaso, os próprios empresários privados exigiram uma reunião com o governo para saber a explicação para os aumentos e apresentar suas propostas.
Embora a Bolívia seja um país onde há uma abundância de alternativas para geração de energia com baixos investimentos, durante seus 11 anos de governo, Evo Morales não foi capaz de desenvolver alternativas produtivas e serviços confiáveis nas mãos do Estado. O governo prometeu transformar o país em um grande exportador de eletricidade que seria gerada por megaprojetos. Mas, ao final, estes não vieram à luz por várias razões: mau desempenho da economia, inviabilidade técnica de projetos e/ou rejeição das regiões onde eles tiveram que ser implementados, a exemplo da resistência dos povos indígenas ao megaprojeto El Bala em Rurrenabaque, na entrada da região amazônica. O resultado é que o governo mantém altas tarifas elétricas se comparado com outros países da América Latina, especialmente na área rural.
Por isso, no fim de junho, já houve marchas e protestos nas cidades de El Alto, Cochabamba, Santa Cruz, y Tarija, organizadas principalmente pelas associações de vizinhos. A Confederação de Associações de Vizinhos da Bolívia (Confederación de Juntas Vecinales de Bolivia – Conajuve), próxima ao partido do governo, se viu obrigada por sua base a chamar mobilizações para esta semana.
Contaminada por esse clima, nesta terça 11 de julho, a organização dos vizinhos de El Alto anunciou mobilizações e bloqueios contra o prefeito da cidade de La Paz (opositor ao governo), agora por outros motivos: contra as novas normas municipais relativas aos impostos sobre transações de imóveis.
COB convoca paralisação de 24 horas
A Central Obrera Boliviana (COB) decidiu na sua última assembleia de 29 de junho uma paralisação de 24 horas e bloqueios em nível nacional para 12 de julho. As duas principais reivindicações são o rechaço ao aumento da tarefa da eletricidade e a anulação do regulamento sobre penalização da greve no setor operacional da saúde. Neste mesmo dia os professores vão parar em defesa do direito de greve. O secretário-geral da federação dos mineiros da Bolívia (FSTMB) anunciou que o setor também vai participar da paralisação porque o aumento de tarifa da luz afetará a empresa nacional minera Huanuni.
É necessário que os dirigentes sindicais, na maioria pertencentes ao partido do governo, o MAS, não recuem e realizem um forte trabalho na base para garantir que as mobilizações sejam massivas. Só assim será possível fazer com as lutas em curso sejam vitoriosas.
[1] Autoridad de Electricidad (AE): Instituição Nacional da Energia que regula procedimentos e fixa preços.
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