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BRASIL

A crise da burguesia, e a crise da esquerda 

Gabriel Casoni, do Conselho Editorial do Esquerda OnLine

Na medida em que a crise se estende no tempo e se aprofunda, o impasse em torno de sua solução adquire relevância cada vez maior. Tal estado de irresolução explica-se, antes de mais nada, pelo fato de que nenhuma das duas classes fundamentais – a burguesia e os trabalhadores –  tenha conseguido, até aqui, estabelecer uma saída consistente frente ao desequilíbrio crescente.  

O “andar de cima” encontra-se às voltas com os apuros políticos e econômicos. A presente crise de direção burguesa, isto é, a crise de sua forma de dominação, parida na transição democrática e afiançada no pacto social expresso na Constituição de 1988, manifesta-se em cores vivas nos sucessivos e graves conflitos institucionais e políticos; os quais, por sua vez, resultam numa inesperada dificuldade, por parte da classe dominante, em estabilizar o governo e o sistema político-partidário. 

O elemento particularmente significativo da conjuntura consiste no fato de que a crise “dos de cima” não é acompanhada por um correspondente avanço “dos debaixo”. Quer dizer: embora exista um quadro de confusão e divisão na classe dominante, a classe trabalhadora mantém-se em posição defensiva, ainda que tenha ganhado corpo o movimento de resistência contra as reformas de Temer, como ficou demonstrado na greve geral de 28 de abril.  

Numa formulação mais concisa: existe uma crise entre “os de cima”, que decorre sobretudo das dificuldades em seguir dominando como antes; porém, não há, por enquanto, uma ação ofensiva “dos de baixo”, a qual poderia, alterando a correlação política e social de forças, abrir uma nova situação política no país. 

Neste contexto de impasse, a atual crise política, que se desenrola sob o terreno movediço da crise econômica e social, seguirá se desenvolvendo, em movimentos e desdobramentos imprevisíveis, até que uma das classes centrais conquiste um sólido desenlace favorável.

No que diz respeito à burguesia, quando olhamos seu problema imediato,  observa-se a grande dificuldade na formação de um consenso em torno de um nome para substituir, via eleições indiretas, Michel Temer no comando do governo; o qual segue agonizando, dia após dia. No que refere-se à crise mais de fundo, torna-se crucial para burguesia a reformulação do sistema político de dominação, tendo em vista um novo arranjo institucional, político e partidário como expressão, em primeiro lugar, da relação de forças (e de hegemonia) entre as frações burguesas dominantes em confronto. 

Do ponto de vista da classe trabalhadora, destacam-se, de modo negativo, os fatores subjetivos. Os quase quatorze anos de conciliação de classes do PT no governo federal não passaram em vão: produziram um inegável retrocesso no nível de consciência classista e de organização independente das massas trabalhadoras e populares; para não falar da abertura de novos caminhos para a (nova) direita, como vimos no processo que conduziu ao golpe parlamentar. 

Por outro lado, as alternativas ao petismo no campo da esquerda, em particular os socialistas revolucionários, não conseguiram, ao longo da última década, construir uma alternativa com influência de massas e capacidade de mobilização social que pudesse deslocar as direções burocráticas e reformistas majoritárias. Para além do atraso político, o peso da burocracia sindical, que nesse momento inicia o desmonte da greve geral marcada para o dia 30 de junho, joga contra os trabalhadores. 

No curto prazo, a disposição “das bases” empurrarem suas direções políticas e sindicais para o enfrentamento social e político contra o governo e as reformas terá enorme importância, assim como a possibilidade de ações de impacto por fora controle dos aparatos. Em termos mais estratégicos, a construção de uma nova esquerda, que supere os limites políticos e programáticos do lulismo, quer dizer, que avance no sentido de um programa anticapitalista de transformação social, será decisivo para a recomposição subjetiva do conjunto dos explorados e oprimidos.