Por Victor Wolfgang Kemel Amal, Florianópolis/SC
Entre os dias 20 e 28 de maio, Donald Trump fez seu primeiro giro internacional: visitou Riad (Arábia Saudita), Tel-Aviv, Jerusalém, Belém (Israel-Palestina), Roma, Vaticano, Taormina (Itália), e Bruxelas (Bélgica). A viagem ocorreu em meio a um aumento da tensão interna nos EUA. Dias antes de embarcar para a Arábia Saudita, Trump demitiu o ex-diretor do FBI, James Comey, responsável pela investigação envolvendo o comitê de campanha do presidente com a inteligência e a diplomacia russas nas eleições do ano passado.
Os Democratas denunciaram o fato como um caso de obstrução de justiça, potencializando os rumores que circulam em Washington quanto a um possível impeachment de Trump. Os jornais logo compararam o episódio com o ocorrido com Nixon, em 1974, quando então viajou à Arábia Saudita em meio ao escândalo do Watergate, renunciando pouco tempo depois.
Na quinta-feira passada, dia 8, quando então Trump já havia retornado da viagem, Comey testemunhou no Senado contra o presidente afirmando que ele havia mentido sobre diversos fatos tratados entre eles, alimentando ainda mais a crise política norte-americana.
Entretanto, a julgar pelo curso tomado pela política externa de Trump, o que se vê, na prática, é uma adaptação cada vez maior ao establishment do partido Republicano. Trata-se, evidentemente, de uma política diferente da dos Democratas. Por outro lado, trata-se também de um distanciamento da orientação da ala mais reacionária de seu staff encabeçado pelo estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon.
Outros fatos, como o ataque dos Tomahawks norte-americanos à Síria, uma provocação à Rússia, e uma maior flexibilidade frente à China depois da passagem de Trump por Beijing, já indicavam isso. Agora, mais recentemente, esse primeiro giro internacional de Trump parece confirmar essa tendência.
Arábia Saudita – Irã
O objetivo principal de Trump em sua visita ao Oriente Médio foi o de reassegurar o apoio dos EUA aos seus aliados na região – Egito, Arábia Saudita, Turquia, Israel, etc. – contra o Irã e seu arco de alianças – Síria, o governo paralelo do Hezbollah no Líbano, o Hamas na Palestina, etc.
Esse é o significado do acordo da venda de armas no valor de 110 bilhões de dólares fechado com a Arábia Saudita, incluindo algumas armas de alta precisão que tinham sido restringidas por Barack Obama sob o argumento de que os sauditas poderiam utilizá-las contra a população iemenita. O Iêmen vive uma guerra civil decorrente da derrota da Primavera Árabe, onde o governo central sunita, apoiado pelos sauditas, enfrenta os rebeldes xiitas, apoiados pelos iranianos.
Assim, Trump procurou demonstrar uma clara mudança em relação à política externa mais conciliadora de Obama frente o Irã. Lembremos que, desde a guerra da Síria iniciada em 2011, havia um descontentamento, tanto da Arábia Saudita como de outros países sunitas da região em relação à negativa de Obama em derrubar o governo da Síria pela força. Sabe-se que Assad é tido como um aliado do Irã. Essa situação se agravou, em 2015, quando Obama negociou o fim das sanções econômicas contra o Irã em troca do fim de seu programa de armamento nuclear.
Entretanto, apesar de fortalecer a Arábia Saudita como o eixo sunita no Oriente Médio, visando, segundo o Secretário de Estado, Rex Tillerson, conter o Irã e sua exportação de radicalismo, Trump nada mencionou em relação à revisão do acordo nuclear promovido por Obama. Lembremos que durante as eleições de 2016, este ponto foi apresentado como chave em seus discursos de campanha.
Ainda, tendo que se reaproximar da Arábia Saudita, quando se referiu ao combate contra o Daesh (autodenominado Estado Islâmico), Trump tomou cuidado para não utilizar o termo “islamismo terrorista”. A expressão denota uma associação direta entre a religião e o terrorismo. Mas o fato é que ele foi além ao chamar o Islã de uma das maiores fés religiosas do mundo. Esse discurso ideológico de conciliação com o Islã é antagônico aos seus diversos pronunciamentos e tweets, afirmando que “o Islã odeia os EUA”. Difere também de quando escreveu no Twetter, em 2014, que os sauditas deveriam pagar mais pela proteção oferecida pelos Estados Unidos.
Seu posicionamento na Arábia Saudita reflete, sem dúvida, uma política dura contra o eixo xiita adotada pelo establishment republicano. O anúncio, depois da passagem de Trump pelo Oriente Médio, do embargo dos países membros do Conselho de Cooperação do Golfo ao Qatar sob o argumento de que o país financia a Irmandade Mulçumana, a Al-Qaeda e o EI, reforça isso. Mas mesmo assim, isso é ainda menos extremado que o discurso de campanha de Trump que envolvia desestabilizar a frente nuclear com o Irã.
Israel-Palestina
Durante sua passagem por Israel, Trump se encontrou com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e também com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
Tal como na Arábia Saudita, demonstrou uma mudança em relação à política do ex-presidente democrata. Desde sua última visita ao Oriente Médio, Obama passou pela Arábia Saudita e Egito, mas não por Israel, o que foi entendido como uma provocação por parte de Netanyahu. Além disso, a abstenção dos EUA na votação da ONU, em 2016, quanto à legalidade ou não dos assentamentos israelenses, foi inédito e causou grande alvoroço nas relações EUA-Israel.
Durante as eleições, Trump pregou uma política oposta a essa ao defender a expansão dos assentamentos de Israel. Além disso, afirmou que pretendia mudar a embaixada dos EUA de Tel-Aviv, onde se situa atualmente, para Jerusalém, ocupada pelos sionistas após a guerra de junho de 1967. Isso indicava um choque frontal com a proposta de paz defendida por Abbas, já que este defende um acordo baseado no retorno das fronteiras prévias à guerra de 1967, o que inclui a porção leste de Jerusalém.
Em absoluta contradição com seu discurso de campanha, Trump afirmou estar disposto a se dedicar pessoalmente para promover a paz entre israelenses e palestinos. Claro, não mencionou em nenhum momento o reconhecimento do Estado Palestino, basilar para a negociação. Isso denota não haver intenção de qualquer negociação real. Contudo, tampouco voltou a falar em transferir a embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém. Isso praticamente coloca a questão da relação Israel-Palestina no seu curso normal, ou seja, o tradicional apoio dos EUA a Israel e um discurso de paz com os palestinos que não sai do papel.
Não por acaso, enquanto transcorria a visita de Trump, os palestinos organizaram grandes protestos e greves em solidariedade aos mais de 1500 presos políticos palestinos nas cadeias de Israel que realizavam uma greve de fome. A greve foi iniciada por Marwan Barghouti, dirigente do Fatah, principal organização da Organização para a Libertação da Palestina, que está preso há 15 anos. Os manifestantes bloquearam ruas e levaram milhares de pessoas à Cisjordânia e a faixa de Gaza para dizer basta à ocupação de sua terra e às prisões de suas lideranças.
Após 41 dias, estes encerraram seu movimento ao conseguirem a promessa de importantes concessões pelas autoridades israelenses no terrível regime a que são submetidos. Estima-se que existam hoje em torno de 6.500 palestinos em prisões israelenses. Por outro lado, o impopular Mahmoud Abbas celebrou a vinda de Trump chamando-lhe de “homem da paz”, ainda que o presidente norte-americano, como dissemos, não tenha dado nenhuma sinalização do reconhecimento da Cisjordânia palestina.
Europa
Em seu quinto dia de viagem, antes de seguir para os encontros da OTAN e do G7, Trump chegou à Roma para uma visita ao Papa Francisco. Na ocasião, o Papa, um defensor das pautas ambientais, deu para Trump um livro escrito por ele próprio sobre a necessidade do combate ao aquecimento global.
Seu objetivo foi claramente o de pressionar o presidente norte-americano a manter os EUA no Acordo de Paris durante a reunião do G7, que ocorreria três dias depois na cidade de Taormina, na Itália. Se por um lado, a relação do Vaticano com Trump, sem dúvida, mostrou-se um tanto quanto diferente da campanha (quando houve troca farpas entre o Papa e Trump), por outro, refletiu uma maior sintonia com a União Europeia.
Bélgica – OTAN
Um dia depois, Trump chegou a Bruxelas para o encontro da OTAN (Organização Militar do Atlântico Norte), aliança militar transatlântica que envolve os EUA, Canadá, Turquia e diversos países europeus. Como sabemos, havia muita expectativa nessa reunião. Durante sua campanha, Trump afirmou que a OTAN havia se tornado obsoleta, uma máquina burocrática de gastos sem fim, o que questionava a importância da aliança na atual ordem mundial. Contudo, parece que uma vez mais, a realidade concreta se impôs.
Se é verdade que, por um lado, houve sérios atritos entre o presidente americano e os líderes europeus, por outro, a retórica de questionamento do papel da OTAN se desvaneceu. Ao final, tudo se reduziu a um jogo de pressões para equacionar as contribuições financeiras dos países membros em evidente atraso.
Logo no começo da visita à Bruxelas, Trump teve uma reunião às portas fechadas com os líderes da União Europeia, Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, e Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Tusk afirmou que, apesar de haver concordância em diversos temas, existia uma diferença de percepção entre Trump e os europeus em questões essenciais, principalmente sobre o papel da OTAN na Europa e como lidar com a ameaça da Rússia.
Isso pareceu ser confirmado, posteriormente, no discurso de Trump na cerimônia da aliança, quando pela primeira vez na história um presidente norte-americano não mencionou o artigo 5º da OTAN: o ataque a um dos membros da aliança é considerado um ataque a todos.
Sem dúvida, esse é um tema bastante sensível se considerarmos que desde o início da guerra na Ucrânia, em 2014, existe uma insegurança por parte dos europeus quanto à possibilidade de uma investida da Rússia contra os países membros da OTAN. Esta situação é mais sentida, em primeiro lugar, pelos países do Báltico e da Polônia, na medida em que fazem fronteiras com a Rússia. Contudo, também é sentida por todos os países-membros da aliança desde que a Rússia passou a promover contrapropaganda, ataques cibernéticos e financiamento de agrupamentos de extrema direita anti-União Europeia dentro dos próprios países da Europa Ocidental como França, Alemanha e Inglaterra.
Mas ao mesmo tempo, Trump apontou exaustivamente para a não-assiduidade dos países membros da OTAN quanto ao pagamento de suas cotas ao fundo que ainda atingem o mínimo de 2% do PIB para investimentos militares. Afirmou que se todos os países estivessem em dia, isso significaria um acréscimo de 190 bilhões de dólares no orçamento, montante que poderia ser usado no combate ao terrorismo, insinuando uma displicência no combate ao que hoje significa uma ameaça à própria Europa.
Todos esses debates revelam que as relações dos EUA com os principais países membros da OTAN estão numa zona de turbulência. Mas isso ainda está longe de significar uma mudança mais radical na política de Trump para a OTAN. Lembremos que os governos republicanos sempre tiveram mais conflitos no seio da OTAN do que democratas. Assim, uma coisa é não citar explicitamente o artigo 5º num discurso ou reivindicar um “equilíbrio fiscal” entre os países membros. Outra, muito diferente, é trabalhar de fato para descartá-la enquanto aliança. Isso seria uma verdadeira hecatombe na atual ordem mundial. A OTAN, criada em abril de 1949, constituiu-se em peça-chave para o domínio global norte-americano no pós-guerra.
James Mattis, chefe do Pentágono, foi claro ao dizer o que realmente pretendiam os EUA. Afirmou que a OTAN é um “pilar fundamental” para Washington, mas a “defesa da liberdade” tem “um custo necessário”. Segundo ele, o montante com o qual os Estados Unidos contribuem “já não pode carregar uma participação desproporcional na defesa dos valores ocidentais”.
Na verdade, o aumento dos gastos militares é uma exigência antiga dos Estados Unidos, que, em 2014, durante a cúpula no país de Gales, conseguiu que seus aliados se comprometessem a aumentar seus gastos militares para até 2% do PIB nacional antes de 2024. Entretanto, somente cinco dos 28 países da Aliança cumprem com esse objetivo – Estados Unidos, Reino Unido, Grécia, Estônia e Polônia – mas outros, como a França (1,78% em 2016) e a Espanha (0,91%), exigem que se leve em conta o impacto nas contas públicas de operações militares realizadas no exterior.
Ao final, vários países, como Alemanha, Reino Unido e Dinamarca, defenderam a posição de Mattis. Este é o caso da ministra alemã, Ursula von der Leyen, para quem “os americanos têm razão” e é “de justiça” que os europeus aportem uma contribuição também para que esta não recaia “excessivamente” sobre Washington.
Além das discussões em torno ao gasto militar, o encontro terminou o primeiro de seus dois dias com a aprovação da implantação, “o quanto antes”, em Nápoles, de um centro para coordenar as informações sobre a luta contra o terrorismo extremista, especialmente no Oriente Médio e no Norte da África.
Itália – G7
Sua última parada foi na cidade italiana de Taormina, na Sicília, para participar do encontro do G7, grupo formado pelos EUA, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Alemanha e Japão, considerados os sete países mais ricos do mundo (excluindo a China). O principal tópico discutido foi o Acordo de Paris sobre o clima.
Esse acordo, promovido pela ONU e encabeçado pelo ex-presidente Obama, foi negociado durante o COP-21, em Paris, e assinado em dezembro de 2015 por 192 países, incluindo EUA, China, Rússia e Índia, os maiores poluidores do planeta. Seu objetivo foi o de limitar em até 2 graus centígrados o aumento da temperatura global, uma meta bastante modesta face os problemas ambientais vividos hoje e que certamente virão no futuro.
Trump, desde sua campanha, vem afirmando que irá retirar os EUA do acordo o mais rápido possível. Argumentava haver uma conspiração chinesa para diminuir o crescimento econômico norte-americano através das supostas ameaças do aquecimento global. Disse também que a retirada do acordo iria reestabelecer os postos de trabalho ligados à indústria do carvão nos país, gravemente afetada pelas políticas ambientais restritivas.
Houve grande pressão contrária, tanto por parte de setores econômicos e políticos norte-americanos, quanto dos líderes de nações estrangeiras, fazendo com que o presidente colocasse a decisão quanto à permanência ou não dos EUA no acordo em suspenso. Entretanto, poucos dias depois de retornar ao país, anunciou que os Estados Unidos se retirarão do Acordo de Paris. Embora nesse aspecto tenha mantido uma continuidade entre a retórica de campanha e sua ação efetiva, trata-se de um ponto de vista comum com a maioria do establishment do Partido Republicano que nunca viu o acordo com bons olhos.
As contradições de uma readequação
Passados praticamente seis meses de governo, cada vez mais encurralado pelas investigações de sua relação com a Rússia durante a campanha eleitoral, Trump parece estar se adequando à política do establishment republicano, no qual é obrigado a se amparar para não ser destroçado pela oposição democrata.
Isso o obrigará a distanciar-se cada vez mais dos setores da ultradireita que estiveram à frente de sua campanha. Não por acaso, depois de ter se retirado do Conselho de Segurança por ordem de Trump, já existem especulações quanto à continuidade de Bannon como estrategista-chefe da Casa Branca. Aliás, chama a atenção o fato de que, embora ele fizesse parte da comitiva que acompanhou Trump no giro internacional, sua presença brilhou pelo silêncio.
Como esse setor da ultradireita irá reagir caso se consolide o que parece ser cada vez mais uma readequação da política externa da administração Trump é um tema a se acompanhar. O mais provável é que isso não deverá passar de forma incólume. Assim, tudo indica que, seja por onde seja, Trump não terá paz.
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