Da Redação
Sentença do juiz Ricardo Coronha Pinheiro, publicada na 39ª Vara Criminal e disponível no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nesta quinta-feira (20), condenou Rafael Braga Vieira, jovem negro e morador de rua, conhecido por ter sido preso nos protestos de junho de 2013 por portar uma garrafa de Pinho Sol, a 11 anos e três meses de reclusão, além de pagamento de R$1.687. A acusação é de tráfico de drogas por o catador de latinhas ter sido supostamente encontrado com 0.6g de maconha e 9,3g de cocaína, além de um rojão. Rafael nega as acusações. Segundo ele, houve um flagrante forçado contra ele na comunidade de Vila Cruzeiro.
Rafael passou pelo menos dois anos preso em regime fechado, até 2015, quando teve prisão relaxada. O fato motivou inúmeros protestos pelo país que faziam referência à injusta prisão do catador de latinhas. Pela liberdade de “Rafael Braga” e “Cadê o Amarildo?” foram alguns dos recentes símbolos do trato racista da justiça brasileira contra negros moradores das favelas.
Rafael foi preso durante um protesto, em 20 de junho de 2013, por estar portanto uma garrafa de pinho sol. Segundo ele, à época, nem mesmo estaria participando da manifestação. Segundo contou à imprensa, estaria voltando para uma casa na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, lugar onde guardava materiais para trabalho, quando foi abordado por policiais. Na ocasião, estava com duas garrafas na mão que tinha acabado de pegar na casa, o policial teria pego uma delas, dado um tapa em seu rosto e o levado até um quartinho na delegacia. Em seguida, a garrafa estaria com gasolina, álcool e um pano, caracterizando um molotov, o que o incriminou.
A ação da prisão e a demora pela soltura são questionadas até hoje pelo tratamento diferenciado envolvendo casos similares com jovens brancos, ricos, ou de classe média.
Da mesma forma, os motivos alegados para a segunda condenação, anunciada nesta quinta. “Em 2007, um jovem de 18 anos que foi preso em Nova Friburgo (RJ) portando 25 g de maconha declarou-se usuário, teve a prisão preventiva decretada por tráfico, mas “foi solto um dia depois, com a ajuda do pai que conhecia uma juíza”, de acordo com matéria publicada pelo G1 em 2015“, lembra matéria do Ponte – direitos humanos, justiça e segurança pública.
Entenda o que diz a sentença
Segundo a sentença, com base em depoimento de policiais, “(…) No dia 12 de janeiro de 2016, por volta das 09 horas, na Rua 29, em localidade conhecida como “sem terra”, situado no interior da comunidade Vila Cruzeiro, no Complexo de Favelas do Alemão, bairro da Penha, nesta cidade, o denunciado, com consciência e vontade, trazia consigo, com finalidade de tráfico, 0,6g (seis decigramas) da substância entorpecente Cannabis Sativa L., acondicionados em uma embalagem plástica fechada por nó, bem como 9,3g (nove gramas e três decigramas) de Cocaína (pó), distribuídos em 06 cápsulas plásticas incolores e 02 embalagens plásticas fechadas por grampo, contendo a inscrição “CV-RL/PÓ 3/COMPLEXO DA PENHA”, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar”.
Rafael, no entanto, como consta na própria sentença, negou a prática das infrações, ao sustentar “que não tem envolvimento com o tráfico de entorpecentes da localidade acima mencionada, alegando em sua autodefesa que era morador da comunidade, que se dirigia até uma padaria sem qualquer substância entorpecente em seu poder, quando foi abordado pelos policiais militares”. De acordo com o juiz, “suas declarações não ostentam base probatória”.
A base para a decisão do juiz seria o local onde Braga reside, uma comunidade onde existe tráfico de drogas que é controlada pelo Comando Vermelho que, segundo afirmação da justiça, tem abreviações que constavam no material atribuído a ele.
“Registre-se que a localidade em que se deu a apreensão do material entorpecente (…), mais precisamente na região conhecida como “sem terra”, no interior da Comunidade Vila Cruzeiro, no Bairro da Penha, nesta cidade, é dominada pela facção criminosa “Comando Vermelho”, conhecida organização criminosa voltada a narcotraficância. Neste sentido, verifica-se que as várias embalagens das substâncias entorpecentes apreendidas (vide fls. 99/100), ostentavam inscrições fazendo menção à facção criminosa “CV”, ou seja, “Comando Vermelho”. Acrescente-se que as substâncias entorpecentes apreendidas já se encontravam devidamente fracionadas, prontas para a mercancia. Somando-se as circunstâncias que envolveram a prisão do acusado, onde segundo relato dos policiais que efetuaram a prisão do réu e a apreensão do material entorpecente, o local é conhecido como ponto de venda de drogas”, destaca. Para o juiz, “as declarações do réu RAFAEL BRAGA durante o seu interrogatório neste Juízo (fl. 250) restaram divorciadas do conjunto probatório”.
Rafael nega a acusação. Segundo ele descreve, “os policiais militares o conduziram até um beco e lhe exigiram informações acerca de armas, drogas e traficantes da localidade”. Ainda na sentença, consta que ele contou “que após sua negativa, os agentes apresentaram uma bolsa contendo material entorpecente e ameaçaram que iriam lhe atribuir a posse das drogas, caso não prestasse as informações solicitadas por eles”. Em seguida, teria sido “agredido fisicamente pelos policiais militares e os mesmos o incentivaram a consumir droga no interior da viatura policial, durante o percurso até à 22ª DP”.
Segundo testemunha de defesa, vizinha do réu, “foi possível observar da varanda de sua casa o réu RAFAEL BRAGA sozinho, sem qualquer objeto em suas mãos, sendo abordado e agredido pelos policiais militares”, afirmou. Ainda segundo narrou, “o acusado foi arrastado por um policial até a parte baixa da rua, o que comprometeu a sua visão”.
Mas, segundo classificou o juiz, as declarações da testemunha, “visavam tão somente eximir as responsabilidades criminais do acusado RAFAEL BRAGA em razão de seus laços com a família do mesmo e por conhecê-lo ‘por muitos anos’ como vizinho”. Ainda segundo a decisão, exame de integridade física a que se submeteu o réu não teria constatado “vestígios de lesões filiáveis ao evento alegado”.
Como base para a decisão foram ouvidos os policiais militares que participaram do suposto flagrante e testemunhas, também policiais.
“Como vem sendo decidido: (…) “os funcionários da polícia merecem, nos seus relatos, a normal credibilidade dos testemunhos em geral, a não ser quando se apresente uma razão concreta de suspeição. Enquanto isto não ocorra, e desde que não defendam interesse próprio, mas agem na defesa da coletividade, a sua palavra serve a informar o convencimento do julgador” (cf. Jurisprudência e doutrina Criminais, Mohamed Amaro, ed. RT, II, 292). Ademais, os Policiais Militares que efetuaram a prisão do acusado não o conheciam anteriormente, razão pela qual não tinham qualquer motivo para acusa-lo falsamente“, afirma a sentença condenatória.
O jurista ainda utilizou como referência Súmula da Jurisprudência Predominante nº 2002.203.00001 – Julgamento em 04/08/2003.: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
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