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Uma virada em favor da história

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

Por Carlos Zacarias de Sena Júnior, Colunista do Esquerda Online

Artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde, em Salvador, no dia 17/03/2017

Há dois anos, milhões de pessoas saíram às ruas do Brasil gritando contra a corrupção e pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. Era a primeira vez desde as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, ocorridas em 1964, que as direitas davam o ar da graça no asfalto quente. Em manifestações chamadas pelos movimentos das novas direitas, como o Movimento Brasil Livre, o Revoltados Online, o Vem pra Rua e o S.O.S Forças Armadas, o que se viu foram cenas inimagináveis para o país que entrava no século XXI com déficits de democracia do XIX: alguns pediam o retorno dos militares, outros dirigiam impropérios e frases misóginas contra Dilma, uns faziam self com PMs e outros aplaudiam conhecidos torturadores. O festival de horrores transmitido ao vivo em rede nacional por veículos de televisão que apoiaram a ditadura, abriu uma ofensiva das forças conservadoras e reacionárias que culminou no golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016.

Menos de um ano depois da posse provisória do governo golpista, os trabalhadores começaram a perceber que o golpe desferido não foi tanto dirigido ao PT, mas foi, sobretudo, contra eles próprios. A proposta de Reforma da Previdência (PEC 287) que tramita no Congresso e as incursões sobre a legislação trabalhista, começaram a ser, enfim, entendidas naquilo que elas efetivamente são: um duro ataque aos direitos dos trabalhadores como nunca se tinha visto até o momento no país.

Em vista a disso, nem chega a ser curioso que a maré comece a virar justo dois anos depois da data em que as direitas saíram às ruas e iniciaram o retrocesso e também na semana em que a lista de envolvidos na delação premiada da Odebrecht atinja o coração do governo e do seu principal aliado, o PSDB. Ou seja, por se tratar de um mal endêmico que atinge a todos os partidos, o combate a corrupção como principal bandeira das direitas tradicionalmente corruptas (vide as acusações que pesam sobre o líder do MBL que responde a 60 processos na Justiça), não pode servir de pretexto para que um único brasileiro saia às ruas.

Por conta disso, milhares de pessoas foram às ruas de todo o país na última quinta-feira, dia nacional de greves e paralisações convocadas pelas centrais sindicais e movimentos sociais contra as reformas da previdência e trabalhista. Diferente da manifestação de 2015, ocorrida num domingo, os trabalhadores mostraram que sua força principal consiste em parar a produção, o transporte, o comércio, as escolas e universidades, e ainda caminharem ocupando o espaço que lhes pertence. O sinal de ontem foi positivo para as forças progressistas do ponto de vista quantitativo. Todavia, foi sob o aspecto qualitativo a principal mudança, pois há tempos que não se via tanta gente nova ocupando as ruas ombreando com as forças sociais e políticas que caminham a favor da história.