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Eleições nacionais no Equador: a prova de Rafael Correa

Por David Cavalcante, Recife (PE)

 

Neste domingo, 19 de fevereiro, haverá eleições gerais no Equador. Aproximadamente 12,8 milhões de eleitores, aptos a votarem, escolherão o Presidente e Vice-Presidente da República, os 137 deputados da Assembleia Nacional Legislativa unicameral, para um mandato de 4 anos, além dos cinco parlamentares da Comunidade Andina que congrega Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.

As eleições de 2017 no Equador encerram uma turbulenta etapa da política nacional iniciada em 2000. Naquele contexto, ante uma ofensiva neoliberal no continente, no mês de janeiro, ocorre uma marcha nacional popular-indígena dirigida pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador-CONAIE – cujo ápice foi a derrubada do então Presidente Jamil Mahuad. Este havia imposto um desastroso e repudiado pacote econômico congelando os depósitos bancários e extinguindo a moeda nacional, o Sucre, que havia sido a moeda corrente daquele país, entre 1884 e 2000. A partir daí o país teve sua economia totalmente dolarizada.

Mahuad havia deixado um saldo de prejuízos bilionários no orçamento público para salvar o sistema financeiro, altas taxas de inflação, dolarização após a desvalorização progressiva do Sucre. A isso se somou a recessão e o aumento drástico do desemprego que chegou a 29% para os seguimentos mais populares. Houve um aumento drástico da pobreza e as finanças públicas foram esgarçadas, ao mesmo tempo em que progrediram as dívidas interna e externa. O resultado foi a extinção da soberania monetária, o aumento da degradação social e da emigração dos trabalhadores para Espanha e Itália.

A liderança que se projetou em 21 de janeiro de 2000 foi o Coronel Lúcio Gutiérrez, que liderou um setor da média oficialidade e apoiou o Levante, deslocando um setor das forças armadas para apoiar a rebelião popular. Gutiérrez, após capitular à cúpula dos generais das Forças Armadas e da Corte Suprema de Justiça, garantindo a posse do Vice de Mahuad, foi preso por 120 dias. Pouco tempo depois perante o clamor popular, foi anistiado pelo Congresso e passou a organizar seu partido, o Partido Sociedade Patriótica 21 de Janeiro, pelo qual ganhou a Presidência em 2002. Montou um governo de Frente Popular com o Pachakutik (partido indigenista apoiado pela CONAIE) e com o MPD (partido legal dirigido pelo stalinista Partido Comunista Marxista-Leninista do Equador -PCMLE) e a quase totalidade das organizações de esquerda do país.

 

O levante que derrubou o governo de Lúcio Gutiérrez

 

O governo Lúcio foi pouco a pouco girando à direita, implementando medidas neoliberais, atacando movimentos sociais e intervindo de forma explícita no Poder Judiciário para mudar a correlação de forças ao seu favor, o que o obrigou a se aliar com os partidos de direita mais odiados do país.

Lúcio Gutiérrez foi derrubado por um novo levante popular, num cenário de forte crise política entre os meses de fevereiro e abril daquele memorável ano de 2005. Dessa vez, o levante foi mais urbano e espontâneo e mais concentrado na capital do país, Quito, e ficou conhecido como a Rebelião dos Foragidos (nome que havia dado o Presidente Lúcio aos manifestantes contra seu governo).

A Rebelião dos Foragidos, ante a paralisia e crise das principais organizações de esquerda do Equador que antes apoiaram e participaram do Governo Lúcio, foi coordenada por um até então desconhecido radialista, chamado Paco Velasco. Este, a partir da sua saudosa rádio alternativa, Rádio La Luna, convocava diariamente as crescentes manifestações de rua, pela noite, com as panelas que passaram a ressoar cada vez mais em toda a cidade. La Luna se converteu por uma semana no QG da Rebelião. Dali se escutavam os debates, denúncias públicas e convocatórias. A sede da rádio passou a ser um dos pontos de maior concentração do ativismo social e político da cidade.

A auto-organização popular nos bairros, universidades, escolas e locais de trabalho já começava a se desenvolver, quando após uma semana de protestos iniciados numa noite de quarta-feira, 13 de abril, se avolumaram diariamente numa concentração unificada de toda a cidade que confluiu até o parque da Carolina. De lá, mais de 200 mil pessoas marcharam rumo ao Palácio Carondelet, no dia 19 de abril. O Congresso Nacional e em seguida o Palácio presidencial ficaram cercados e inacessíveis, devido às barricadas humanas e das chamas do fogo que se colocava em tudo o que se pudesse trazer de restos de madeira e de tralhas. Foi do histórico Carondelet de onde Gutiérrez fugiu de helicóptero até o aeroporto e seu avião não conseguiu decolar, pois o povo enfurecido já havia tomado a pista de pouso e bloqueado o funcionamento do aeroporto. Lúcio voltou ao seu helicóptero de fuga, ainda tropeçou subindo as escadas da aeronave, e somente reapareceu dias depois na casa do Embaixador do Brasil.

 

O período de governo de Rafael Correa

 

O atual Presidente Rafael Correa surge com força no cenário equatoriano, como uma saída eleitoral após a Rebelião dos Foragidos de 2005. Tinha sido Ministro da Economia de Alfredo Palácios, Vice-Presidente, que assumiu após a caída de Lúcio Gutierrez. Rompeu com o Presidente por não assegurar sua defesa na negociação da dívida externa para que a Venezuela passasse a ser a principal titular dos ativos da dívida em troca de negócios petroleiros. Assim, Correa sai do governo como um nacionalista que enfrentou o poder dos Estados Unidos na região, que sofria a ofensiva dos Tratados de Livre Comércio-TLCs e para implantação da ALCA.

Correa constituiu uma nova Frente Popular, através da Aliança PAIS (Aliança Pátria Altiva e Soberana), com apoio nos movimentos indígenas, MPD, ID, Pachakutik, Partido Socialista-Frente Ampla, entre outros. Ganhou as eleições de 2006 e tomou posse em 2007, denominando seu governo “Revolução Cidadã”. Depois foi reeleito em 2013. No primeiro mandato, convocou a Assembleia Constituinte que era uma das principais reivindicações dos movimentos indigenistas, urbanos e grupos de esquerda. No âmbito internacional se alinhou de forma enfática com a ALBA e os governos de Evo Morales e Hugo Chavez, somando-se ao chamado “bolivarianismo”.

No entanto, após 10 anos de governo, há muitas críticas a Correa com relação a não implementação de grandes reivindicações dos movimentos sociais como, por exemplo, o fim da dolarização que ele havia combatido antes da primeira eleição e também a relação de subserviência com as empresas petroleiras e mineradoras estrangeiras, na exploração intensiva de blocos de petróleo e jazidas minerais em reservas ambientais e indígenas, aprofundando o modelo extrativista de exportação de commodities. Da mesma forma, a dinâmica bonapartista que foi assumindo seu governo ao restringir a liberdade de opinião e criminalizando lideranças críticas e dos movimentos sociais. Destacam-se nessa linha a oposição pela esquerda de expoentes como o economista Alberto Acosta, que foi um dos redatores originais do Programa da Revolução Cidadã de Aliança PAIS e ex-Presidente da Assembleia Constituinte, quando rompeu com Correa.

A grande marca das atuais eleições equatorianas é a disputa muito fragmentada se comparada com as de 2013, onde Correa venceu no primeiro turno com 57% dos votos válidos. São 8 candidatos presidenciais, em que a esquerda social e reformista se dividiu entre o candidato do governo, Lênin Moreno (Alianza País) e Paco Mocayo (Esquerda Democrática-ID). Nesse cenário, não há candidaturas a Presidente que expressem um programa da esquerda socialista ou anticapitalista, cujos grupos são muito pequenos no país.

A direita está representada por 2 candidaturas de peso:  Guillermo Lasso, o liberal, ex-banqueiro e reacionário, supostamente integrante da Opus Dei, e Cynthia Viteri, representando o arqui-conservador Partido Social Cristão-PSC, vinculado aos agroexportadores de Guayaquil que, desta vez, apresenta um rosto mais moderado de uma mulher, apresentadora de TV e jornalista do Canal Telesistema. De forma que o 1º turno mais se parece com uma primária para que a direita escolha entre eles quem vai disputa com o correísmo.

As pesquisas eleitorais, mesmo que não sejam totalmente confiáveis, indicam uma apertada disputa para a sucessão de Rafael Correa (Alianza País) e o segundo turno é quase certo entre  Lênin Moreno (vice de Correa entre 2007 e 2013) e Guilhermo Lasso, que já se manifestou até mesmo contra o uso de “camisinhas”.

Os grandes temas na disputa presidencial estão cruzados por denúncias de corrupção envolvendo o Vice de Lênin Moreno e contratos da Petro-Equador, o crescimento do desemprego que chegou a 419 mil trabalhadores desempregados, em setembro de 2016 (em uma população economicamente ativa de 8,1 milhões, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censo-INEC). Além disso, as expressões dos impactos negativos da queda do valor do barril de petróleo no mercado internacional que impactaram negativamente a renda petrolífera, atingindo um setor das classes médias e diminuindo a margem de manobras para políticas sociais compensatórias. O provável segundo turno aumentará o debate sobre esses assuntos e a polarização política no país.