Pular para o conteúdo
BRASIL

Como vencer os reacionários?

O povo elegeu Lula para que ele comandasse um governo que fizesse exatamente o contrário do que vimos nos últimos anos, quando os direitos da classe trabalhadora, incluindo saúde e educação públicas, sofreram um ataque brutal, primeiro com Temer e, depois, no governo de Jair Bolsonaro. Infelizmente, as forças reacionárias, dentro e fora do congresso nacional, querem sepultar os sonhos da maioria do povo. Diante desse fato, que fazer?

Fábio José de Queiroz, de Fortaleza (CE)
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os reacionários e os seus partidos querem governar o Brasil.

Para eliminar falsas interpretações, destacamos que vivemos nos últimos anos, no Brasil, um cenário bastante desfavorável à maioria da população. Ataques sucessivos ao nível de vida das massas tornaram-se algo corriqueiro. Quem refletir sobre esse fato há de entender que a eleição de Lula deu-se em contexto de muitas dificuldades, mas, igualmente, de incontáveis esperanças.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro demonstrou que a extrema-direita bolsonarista está disposta ao enfrentamento físico contra qualquer esboço de mudanças no país. Bolsonaro foi retirado do palácio do planalto, mas o bolsonarismo está incrustrado nas instituições – parlamento, forças de segurança, STF, MP etc. – e na sociedade. Daí a necessidade de seguir lutando contra o bolsonarismo como questão de primeira ordem.

Esse cenário, aliás, explica os obstáculos que o governo encontra no Banco Central, na câmara dos deputados e na trincheira neoliberal representada pela mídia a serviço do capital financeiro. Isso se traduz na ação de uma série de partidos que, desde o interior do congresso nacional, busca reduzir os sonhos da maioria do povo a uma peça de ficção.

É preciso saudar medidas que o governo Lula adotou no plano social e cultural, mas sabendo que estamos longe de alcançar o programa aprovado nas urnas e apoiado em centenas de milhares de pessoas que ganharam às ruas, ao longo da campanha eleitoral, não só para desafiar a extrema-direita e as políticas neoliberais, mas para defender a adoção uma nova plataforma programática.

A desvantagem na correlação de forças no congresso nacional conduziu o governo a acordos com partidos nos quais o conservadorismo e o golpismo andam de mãos dadas. Mesmo com ministros no governo, essas forças políticas, contudo, votam no congresso medidas cujo teor lembra os últimos seis anos de terror parlamentar, assentados nas contrarreformas.

Um dos erros incontestes no campo da esquerda é o de acreditar que devemos nos conformar com esse quadro extremamente desvantajoso para o governo e o conjunto da classe trabalhadora. Se se quer ser partidária das mudanças propostas ao longo da campanha, todavia, a esquerda precisa apontar numa outra direção.

Qual a conveniência prática de estabelecer prioridade a acordos, compromissos e alianças com partidos políticos reacionários que, por princípio e interesses rapaces, votam permanentemente contra o povo? Baixemos esta discussão à terra. Quem são os partidos que, estando na base do governo, votam contra ele?

Foi observado em várias ocasiões o caráter politicamente criminoso do União Brasil (resultado da fusão do partido Democratas e do Partido Social Liberal, de Luciano Bivar). Esse partido apoiou todas as contrarreformas para retirar direitos dos trabalhadores e foi base de sustentação do bolsonarismo. Mesmo com ministros dentro do governo Lula da Silva, vota sistematicamente com a extrema-direita e contra a coalizão da qual, formalmente, participa, amparando os negócios sujos do agronegócio e do capital financeiro.

Desse bloco heterogêneo que conforma a base do condomínio governamental, chama a atenção a presença do PSD, partido com a maior bancada no interior do senado federal. Por que exatamente esse destaque? Porque ele é dirigido por ninguém menos que a raposa política de nome Gilberto Kassab, secretário de governo e relações institucionais de Tarcísio de Freitas no estado de São Paulo, o principal suporte político-institucional do bolsonarismo.

Por fim, destacaria também as contradições do velho MDB, que tem Simone Tebet como ministra do planejamento. Há um setor que no senado, sobretudo, apoia o lulismo, praticamente desde os mandatos anteriores. Acontece que nas votações na câmara dos deputados, o MDB tem revelado um posicionamento mais de oposição do que de alinhamento ao governo.

Há quem defenda a necessidade de substituir os partidos que não traduzem seu apoio formal, e presenças nos ministérios, com engajamento e lealdade no parlamento. Porém, curiosamente, propõe a entrada no governo, em ministérios estratégicos, como o da saúde, do partido Republicanos, do impagável Arthur Lira.

Reitera-se assim uma ideia fundamental: não é possível governar sem se ancorar nas forças políticas mais retrógradas do país. Aqui, cabe perguntar: é mediante esse processo que se fará conjunto de mudanças que as pessoas esperam?

Gabriel Boric, no Chile, e Gustavo Petro, na Colômbia, chegaram aos governos de seus respectivos países, apoiados na mais vigorosa mobilização social. O primeiro, desmobilizou e apostou na velha política de compromissos com a burguesia e o imperialismo. Já o segundo confiou no caminho que o levou ao Palácio de Nariño.

Lula, diferentemente, não chegou à presidência apoiado em mobilizações massivas como no Chile e na Colômbia, apesar dos atos de rua ocorridos ao longo da campanha eleitoral. Isso o levaria forçosamente a uma saída intermediária, nem a de Boric, nem a de Petro?

Essa é uma premissa historicamente falsa. De acordo com a história, qualquer mudança estrutural depende de algum grau de mobilização social. Quando abdicou desse caminho, Boric sofreu uma derrota decisiva no terreno da constituinte, abrindo caminho para o neopinochetismo. Ao ressaltar a alternativa de promover as mobilizações populares com o fito de alcançar as transformações necessárias, Petro foi ao encontro da história. Isso é uma garantia de vitória? Evidentemente que não. Como muito já foi dito: a história não promete nada. O que ela nos ensina é que sem luta e mobilização, as coisas tendem a retroceder em lugar de avançar. E ainda que avance, em um dado momento, no primeiro descuido, as forças reacionárias farão sentir o peso de sua mão intransigente.

Qual a tática acertada?

Uma tática acertada para enfrentar o reacionarismo, no caso do Brasil, não passaria por retirar os legatários do bolsonarismo do governo e, em lugar de apostar em uma política aliancista com o celerado Arthur Maia, acreditar na força das ruas? Nisso reside a essência do problema. O governo está em um entroncamento. É primordial pegar a via correta. Qualquer política favorável à maioria do povo, em última análise, depende de vê-lo mobilizado.

Eis as condições da vitória. Não se trata de uma tarefa fácil, mas nada que enfrente a máquina do capital, azeitada pelas mãos férreas do reacionarismo e do neofascismo, reclama um caminho sem dificuldades, sem ousadia.

Nenhum governo está fadado a renunciar a certos compromissos, e por que, no entanto, estaria fadado a renunciar à mobilização das amplas massas que o apoiam?