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MOVIMENTO

Nota sobre a reintegração de posse ocorrida na comunidade quilombola de Vista Alegre, em Alcântara (MA)

Demonstração violenta de poder, força e autoritarismo militar.

Movimentos Sociais de Alcântara (MA)
Reprodução/Redes sociais

A Associação do Território Étnico Quilombola de Alcântara (ATEQUILA), o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara (STTR/Alcântara) manifestam preocupação diante da reintegração de posse de forma violenta contra a comunidade quilombola de Vista Alegre, no litoral de Alcântara (MA), que abriga cerca de 50 famílias, na tarde da última quinta-feira(29/03).

As instituições representativas das comunidades quilombolas de Alcântara antes citadas destacam que a Ação de Reintegração de Posse, Processo nº 1003280-80.2022.4.01.3700, em trâmite na 3ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Maranhão,  é movida pela Advocacia Geral da União (AGU) contra um pequeno restaurante privado construído na comunidade por um quilombola, morador da própria comunidade, é demandada pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

A comunidade de Vista Alegre localiza-se dentro do Território Étnico Quilombola de Alcântara, reconhecido pelo Estado brasileiro desde 2004 e se soma ao conjunto de mais 150 comunidades localizados nessa região. Situa-se, no entanto, no centro de uma disputa histórica com os militares da Força Aérea Brasileira lotados no CLA, que ilegalmente sustentam serem proprietários da área, na contramão da Constituição Federal de 1988 e decisões e sentenças judiciais que reconhecem essa área como pertencente às comunidades quilombolas e determinam a União regularização e titulação coletiva, o que nunca foi feito.

Essa região está localizada dentro da área pretendida para expansão do CLA para atender a demanda dos acordos comerciais bilaterais firmados com outros países. Mesmo sendo reconhecida como quilombola, a Força Aérea Brasileira, especialmente, o CLA, nunca respeitaram nossa posse ancestral e atuam o tempo todo para aviltar nossos direitos territoriais e tentam a todo custo, com a anuência dolosa de diversos órgãos do Estado e do sistema de justiça, roubar nossas terras.

Dessa forma, para além das questões técnicas alegadas pelo CLA no corpo da Ação, se sabe que todo o esforço, desarrazoado, levado a cabo para o cumprimento da referida ordem, nada mais é do que demonstração violenta de jogo de poder, força e autoritarismo militar do CLA que cumpre a tarefa de dizer as comunidades localizadas dentro da área pretendida para expansão do CLA que não podem construir edificações mais sólidas na região porque “quem manda aqui é o CLA” e todas as comunidades serão expulsas. Essa é mensagem transmitida, só não vê quem não quer.

Mesmo se tratando de Ação movida contra um entre privado, o cumprimento da ordem de reintegração de posse ocorreu dentro do nosso território tradicional ora em disputa pelos militares, portanto, seus efeitos e danos não são privados e alcançam toda a comunidade e coletividade.

Cientes disso, ao tomarmos conhecimento da data marcada para cumprimento da referida ordem, oficiamos, em 14/03 a Casa Civil da Presidência da República, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Ministério da Igualdade Racial, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP) e a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV) do Maranhão e o Ministério Público Federal informando o quadro delicado da situação e solicitando evitar o cumprimento da ordem. Nenhum dos órgãos mencionados, porém, nos comunicaram quais medidas foram adotadas para evitar o ocorrido na data de ontem e, ao que se sabe, não foram adotadas quaisquer medidas para tal. Avaliamos que a omissão diligente desses órgãos apresenta sérios indícios de prevaricação e foi determinante para o cenário desastroso ocorrido durante a reintegração na comunidade de Vista Alegre.

Estamos analisando os fatos e não descartamos ainda a possiblidade de adotar as medidas judiciais para responsabilizar os órgãos e agentes públicos omissos, uma vez que a ação resultou em violações a direitos e garantias fundamentais de toda a comunidade, extrapolando os limites do empreendimento.

Cumpre informar que a solução processual para a lide em questão poderia se dá via mediação, caso houvesse atuação efetiva dos órgãos competentes. A empresa (parte ré) encerrou atendimento há pouco mais de um ano, assim que tomou conhecimento do processo; a empresa foi formalmente dissolvida em maio de 2022. Ou seja, além da evidente perda de objeto da Ação, o encerramento das atividades por parte da Ré sinaliza para a parte ativa no processo interesse em resolver a questão de outra forma. No entanto, optou-se pela solução mais dura e ácida, o que reforça a tese de desarrazoado uso da força e violência para demonstração de poder dos militares do CLA na região. Não há outra razão, senão essa para justificar tamanha arbitrariedade e uso ilegal da força policial no cumprimento da ordem de despejo.

Equipes da SEDIHPOP estiveram no local e não se sabe ao certo o que foram fazer. A mediação desse tipo de conflito precede de procedimentos adequados e apropriados previamente discutidos, neste caso, na COECV; e, ao que sabe, a referida Comissão não instaurou quaisquer procedimentos para tal, revelando total incompetência e inabilidade para lidar com situações do tipo, que, como se verifica, foi previamente comunicada. Apesar disso, se mostrou incapaz ou não quis atuar no caso. Realizar diligencias imediatistas a campo do momento do ocorrido não constitui medida eficiente capaz de incidir positivamente no conflito, especialmente quando se tem conhecimento prévio dos fatos e se pode atuar antes para evitar danos maiores. Reintegração de posse em comunidades tradicionais requer dos órgãos públicos e seus agentes o respeito às normas nacionais e internacionais de proteção dos seus direitos territoriais e o estabelecimento de procedimentos apropriados para tal, o que não se verificou no caso concreto. Ou seja, toda a solução do conflito poderia se dá de forma amistosa entre as partes sem precisar expor toda a comunidade de Vista Alegre e as outras da região às violências registradas durante a ostensiva operação ocorrida no local.

O fato de a ordem de despejo ter sido cumprida de forma violenta diante da inabilidade e omissão dos órgãos do Estado brasileiro, os acumplicia e os posiciona ao lado do autoritarismo militar e racismo historicamente postos e operados em Alcântara pelos militares do CLA; que fique registrado!

Diante dos fatos, reiteramos nossa defesa intransigente do Território Étnico Quilombola de Alcântara na sua inteireza e plenitude e reafirmamos perante ao Estado brasileiro e toda sociedade que: Alcântara é Quilombola! Nós NÃO abriremos mão de nenhum centímetro de nossas terras e território.

Não cabe qualquer comparação com o governo passado, mas não podemos deixar de dizer que nem mesmo o famigerado governo do presidente anterior ousou tanto, colocar a Polícia Federal nas nossas portas! Não é essa a forma que imaginávamos estabelecer o diálogo com o governo federal e nem é o que esperávamos desse novo governo.

Alcântara/MA, 30 de março de 2023.

Associação do Território Étnico Quilombola de Alcântara (ATEQUILA)
Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE)
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alcântara (STTR/Alcântara)