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O Chat GPT e a crise das empresas de tecnologia

Tumisu por Pixabay

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

Não podemos odiar bilionários, dizer “fogo nos racistas” não é algo aceitável e a primeira fonte confiável sobre o impeachment de Dilma Rousseff é a Folha de São Paulo. Pelo menos de acordo com o Chat GPT. 

O programa lançado em novembro do ano passado causou alvoroço na internet pelo fato de supostamente ser uma inteligência artificial capaz de “conversar” com uma pessoa. No entanto, o Chat GPT tem o que os jornalistas chamam de “linha editorial”. Não é uma opinião totalmente direcionada, está mais para a defesa de valores genéricos sob a ótica liberal. Por exemplo, o Chat GPT sugere que, ao invés de odiar bilionários, devemos “trabalhar juntos para encontrar soluções para os desafios sociais e econômicos que enfrentamos como sociedade”. 

O fato dessa inteligência artificial não ser neutra é um problema grave. Por ser um programa de computador, as respostas dadas pelo Chat GPT podem ser entendidas por parte do público como “A” resposta. Aquilo que é definitivo sobre o assunto. Afinal, é um programa que faz bilhões de cálculos por segundo e não tem nenhum interesse pessoal. 

Se esse tipo de chat substituir os atuais mecanismos de busca, o mundo virtual será mais monopolizado do que já é. Nos anos 90, os usuários “navegavam” na internet por meio de sites indicados por amigos. Era um ambiente sem controle de monopólios. Depois veio o Google, que direciona as buscas de acordo com o seu algoritmo. Se alguém digita “impeachment de Dilma” no Google, vai aparecer em destaque aquilo que o programa de computador da empresa calculou como mais relevante. Isso de acordo com as regras definidas pela corporação. Quais são exatamente essas regras e quem decide como elas serão usadas? Ninguém sabe. 

Nos anos 2010, o Google e o Facebook passaram a controlar boa parte do que as pessoas vão ver nas várias horas do dia em que ficam na internet. O Facebook também usa os algoritmos para “decidir” pelo usuário as postagens que ele vai ver. O maior problema do mundo virtual nunca foi a liberdade de publicação. Mas a concentração da distribuição. As redes sociais e os mecanismos de busca são “carteiros” que entregam conteúdos para as pessoas. Imagine cinco ou seis “super-carteiros” decidindo as correspondências que vão chegar ou não vão chegar para bilhões de pessoas. Pois é, isso já é uma realidade. 

Mas o Chat GPT consegue piorar as coisas. Hoje, o algoritmo do Google não tem controle total sobre o que aparece nos mecanismos de busca. Aquilo que é mais acessado pelos usuários tem que estar lá. Se alguém pesquisa “impeachment de Dilma”, vai ver uma grande variedade de fontes. Mas com o Chat GPT, se a pessoa faz a pergunta “informações sobre o impeachment de Dilma”, vai encontrar uma resposta mais direcionada, com poucas opções. A concentração na distribuição da informação vai ser maior do que já é.  

Crise nas Big Techs e o capitalismo tardio

O Chat GPT ainda é bem rudimentar. São famosas as respostas bisonhas que ele dá de vez em quando. Porque a empresa Open IA levou ao público um produto que ainda não estava pronto? Isso é fruto da crise atual das grandes empresas de tecnologia, as chamadas Big Techs. 

Durante a pandemia, essas empresas investiram bilhões de dólares em pesquisa e na contratação de funcionários. Elas apostavam no chamado “novo normal” e previam que a internet seria mais importante para as pessoas, que passariam a ter uma vida mais caseira em função dos perigos da Covid-19. Mas graças ao negacionismo, impulsionado pelos algoritmos das próprias Big Techs, a ideia de mudar hábitos em função da doença foi abandonada. No Brasil, por exemplo, levamos a vida como era antes mesmo que o novo Coronavírus ainda mata, em março de 2023, mais que o suicídio. 

Mark Zuckerberg, criador do Facebook, mudou o nome de sua empresa para “Meta”, apostando em uma plataforma chamada “metaverso”. Essa nova forma de acessar a internet dependeria muito de óculos de realidade virtual. No entanto, a tecnologia desses dispositivos ainda é cara e insuficiente para garantir conforto e usabilidade para a pessoa comum. O tal “metaverso” virou um brinquedo caro e inútil. O resultado é que a “Meta” demitiu milhares de funcionários. Outras corporações do ramo também dispensaram mão de obra. 

O Chat GPT e outros chats de inteligência artificial também se tornaram “novidades” das Big Techs. Várias empresas já anunciaram programas concorrentes que também podem, teoricamente, estabelecer uma conversa com as pessoas. Mas a tecnologia de hoje ainda está distante de garantir um diálogo realmente funcional entre um ser humano e uma máquina. 

Resumindo: as empresas queimaram a largada e jogaram para o público tecnologias que ainda não estão prontas para o uso. E isso gerou uma série de crises. Entre elas, a quebra do Silicon Valey Bank, banco que financiava projetos de tecnologia. A concorrência da Bite Dance, empresa chinesa que lançou o Tiktok, deve ter gerado um desespero nos executivos das corporações dos Estados Unidos. Isso provavelmente aumentou o senso de urgência em lançar novidades a qualquer curto. Alguns aproveitadores usaram a bagunça no setor para entrar no ramo. É o caso do bilionário Elon Musk, que comprou o Twitter.

O resultado é que a tal “internet 3.0”, baseada em inteligência artificial e em óculos de realidade virtual, vai demorar a deslanchar por conta de uma série de decisões erradas. Isso pode estar ligado a um fenômeno mais profundo: o Capitalismo Tardio. 

O economista e dirigente trotskista Ernest Mandel descreveu em sua obra “O Capitalismo Tardio” como a burguesia age quando não consegue mais ganhar dinheiro como antes. De acordo com a teoria marxista, grosso modo, a necessidade de investimentos em meios de produção (tecnologia, maquinário, etc) e a concorrência fazem com que a lucratividade em um setor da economia diminua pouco a pouco. É a chamada queda tendencial da taxa de lucro. 

Para buscar novos negócios com alta lucratividade, o capitalismo precisa se expandir. Em primeiro lugar, geograficamente, colonizando países. Depois, trazendo para o meio urbano pessoas que viviam em áreas rurais e tinham baixo nível de consumo. Em algum momento, essa expansão atinge o limite. Aí é hora de buscar alternativas. 

Uma delas é a criação de produtos feitos propositalmente para durar pouco tempo. É a chamada obsolescência programada. Um celular raramente dura mais que três anos hoje em dia. Isso vai gerando uma enorme quantidade de lixo e prejudica o meio-ambiente. Outra forma de tentar manter a taxa de lucro é estimulando o consumismo e criando produtos inúteis. 

Há também a opção de investir em novas formas de tecnologia que obriguem a população a substituir produtos velhos por novos. Mesmo que essas tecnologias não tenham sido devidamente desenvolvidas. Isso é uma possível explicação para a aposta arriscada das Big Techs em coisas como o “metaverso” e as inteligências artificiais. O ciclo de alta lucratividade desse tipo de empresa pode ter se esgotado. 

A guerra é outra forma do capitalismo tardio tentar manter a taxa de lucro. Vender armas, destruir coisas e depois reconstruí-las é algo que movimenta a economia. Ao custo de milhões de vidas. Mas para os grandes capitalistas, não importa. Investir em óculos de realidade virtual, mesmo com uma tecnologia rudimentar, é mais importante para eles que tirar bilhões de pessoas da miséria. Lançar para o público o Chat GPT, um produto notoriamente incompleto, é mais importante para eles que investir em remédios para a sífilis, doença que tem se alastrado nos últimos anos.

Não sabemos qual será a próxima estripulia do capitalismo tardio. Mas sabemos que ela não será feita para bem da humanidade, mas para o lucro das empresas. Enquanto isso, a máquina capitalista vai continuar gerando destruição ecológica, exploração, problemas sociais, guerras e, de vez em quando, um brinquedinho novo. 

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