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MUNDO

Direita peruana destitui o Presidente Castillo

Escrevemos este artigo ainda sob o impacto dos últimos acontecimentos no Peru, que destituíram o Presidente Castillo. Trazemos uma primeira análise sobre os fatos ocorridos, que são de grande importância política para a América Latina, e a luta dos povos do continente por direitos e democracia.

David Cavalcante*, de Recife (PE)

Neste quarta-feira, dia 7 de dezembro a direita peruana conseguiu liderar a destituição do Presidente da República do Peru, o professor Pedro Castillo. Foi a 3a tentativa de impedimento do Presidente, em 16 meses de governo, e desta vez obtiveram sucesso diante de vários erros e capitulações de Castillo, ante a crescente pressão das forças de direita e do grande capital. O que estamos vivenciando com a destituição de Castillo da presidência e sua prisão é um golpe reacionário, contra um governo democraticamente eleito, orquestrado desde a posse de Castillo, através dos agentes da burguesia no Congresso. Diante deste golpe nossa posição é clara: defesa de Castillo contra o golpismo da direita, independente das diferenças que temos com seu governo.

Setores das classes dominantes na América Latina, da direita tradicional e do neofascismo, das frações militares e dos grandes grupos empresariais e políticos, além dos grandes meios de comunicação, conspiram diuturnamente, nos finais de semana e feriados, sem piedade, contra os governos de esquerda eleitos que detém apoio popular e das classes trabalhadoras. Mesmo que esses governos não ameacem o sistema capitalista, mas ante as mínimas reformas, conspiram, subornam, corrompem, coagem e se utilizam da violência física contra os trabalhadores e suas organizações.

Obviamente, precisamos considerar as distinções históricas, as diferenças entre os regimes políticos, as relações de forças sociais e políticas entre classes e setores de classes em movimento. E também as características pessoais das principais lideranças. Mas as experiências com Allende no Chile e João Goulart no Brasil, que tentaram reformas bem mais profundas e por isso mesmo sofreram golpes bem mais violentos, e mais recentemente o golpe de Estado contra Evo Morales ou mesmo os golpes parlamentares/jurídicos contra Zelaya em Honduras, Dilma no Brasil ou Fernando Lugo no Paraguai, além das diversas tentativas de golpes contra os governos de Chavez e Maduro, remetem ao tema central de como se preparar e se defender diante das conspirações golpistas. Mesmo aquelas envelopadas com fachadas legais, institucionais ou parlamentares.

Sem desconsiderar que possa haver frações distintas da própria classe dominante, a luta política se manifesta nas eleições, mas em sua essência é uma violenta luta para a imposição dos interesses das classes e setores de classes, em disputa contra as conquistas sociais e institucionais. Vejamos que no caso brasileiro, o grande capital e a velha direita batalharam durante décadas para desfigurar as conquistas sociais, trabalhistas e democráticas da Constituição de 1988. Ao ponto de recorrerem ao golpe jurídico/parlamentar contra Dilma Rousseff e se apoiarem na ascensão da extrema-direita bolsonarista para atacarem frontalmente as instituições do regime democrático burguês, nos últimos 4 anos.

Desconsiderar a natureza guerreira e violenta da burguesia é um grave erro político. Pois a institucionalidade, muitas vezes, perde toda a sua eficácia diante do acirramento da luta de classes e das conspirações extra palacianas. Assim, o Senado ou o STF que hoje se comprometem com a legalidade democrática, no passado foram as mesmas instituições que legalizaram a destituição do governo do PT no Brasil, por exemplo.

Os erros de Castillo

A então vitória de Castillo e do Peru Livre, com o apoio de toda a esquerda latino-americana e peruana, foi um fato histórico de grande expressão, principalmente diante da apertada diferença de votos (pouco mais de 44 mil votos ou 0,26%) para a representante da velha direita, Keiko Fujimori, pois representou a manifestação do Peru profundo, dos povos camponeses e indígenas das regiões mais distantes discriminadas e oprimidas do país. Um voto majoritariamente das classes subalternizadas mais precarizadas e mais pobres do país, a exemplo dos trabalhadores em educação.

Castillo cometeu um grave erro, que é bem típico dos processos golpistas na história da América Latina: a confiança plena nas instituições do Estado liberal sem se apoiar e estimular os processos de mobilização popular, e sem contribuir para o surgimento dos organismos independentes das classes subalternas. Pois, mais cedo ou mais tarde, os governos de esquerda podem se deparar ante possibilidades golpistas quando chegam ao poder. É uma lei de ferro.

Em seu curto governo, Castillo foi pouco a pouco cedendo espaço diante das pressões da grande mídia empresarial e do grande capital. Ante uma maioria parlamentar de direita e fujimorista, e dos bloqueios que travaram as votações e projetos de interesses do governo, Castillo foi cedendo cada vez mais, ao ponto de ir exonerando os ministros mais vinculados às pautas da esquerda e dos movimentos sociais, perdendo apoio dos setores organizados, chegando até a romper com o seu próprio partido, o Peru Livre. A convocação da Assembleia Constituinte, que foi a principal bandeira da campanha para substituir o regime herdado da ditadura fujimorista, até hoje não foi priorizada.

A história recente do Peru, após os 10 anos da ditadura de Fujimori (pai da Keiko), é marcada por uma extrema instabilidade institucional e fragilidade partidária, ante um regime político semipresidencialista, onde o Parlamento unicameral, controlado pelas forças de direita, já destituiu vários presidentes, sendo o foco também da crise política atual.

Num prazo de 10 anos, o país chegou a ter 7 Presidentes. O instrumento jurídico/político é a denominada “moção de vacância” que é uma moção de impedimento que para ser aprovada se requer 87 votos dos 130 congressistas, sendo, portanto uma tramitação muito mais rápida do que no Brasil ou no modelo Norte Americano.

Por outro lado, há também a previsibilidade constitucional de dissolução do Congresso e convocação de novas eleições. O Artigo 134 da Constituição estabelece que o Presidente da República está facultado para dissolver o Congresso se este censurou ou negou sua confiança ao Conselho de Ministros.

Porém, mesmo havendo previsibilidade legal, é necessário haver relação de forças política e social para implementar a dissolução do Congresso. O então Presidente, Martín Vizcarra, em setembro de 2019, adotou tal medida, mas foi aclamado pela população que enxergava o Congresso como uma casa de negociatas de interesses privados que desejava por iniciativa do Partido Força Popular, liderado pela Keiko, reformar a Corte Constitucional para poder controlá-la. Vizcarra acertou na mosca ante o repúdio popular ao Congresso.

O Presidente Castillo, diante da tramitação da terceira tentativa de impedimento, de forma desesperada e sem nenhuma articulação política decretou um pacote bonapartista, visto que as relações com os movimentos e partidos de esquerda já estavam bem afetadas, inclusive porque ele se pôs contrariamente às pautas importantes dos movimentos sociais, a exemplo do casamento gay, direito ao aborto e assumindo também o discurso ideológico da chamada “ideologia de gênero”. Estas pautas, como se sabe, pilares defendidos pela direita e pelos conservadores.

Junto com a dissolução do Congresso, havia a previsão de eleições em 9 meses com atribuições constitucionais, também foi decreto o Estado de Exceção, toque de recolher e reorganização do sistema judicial, entre outras medidas. Mas na sequência de horas, o impedimento que ainda não tinha os votos necessários acabou ganhando mais força, após tais medidas bonapartistas sem apoio das massas populares que o elegeram, e sem medidas de emergência reais de apoio aos trabalhadores. As Forças Armadas declararam que não acatariam o decreto do Presidente. Castillo que havia baixado a cabeça a todas as pressões do Congresso tentou com uma canetada de última hora barrar o avanço do seu processo de impedimento. O efeito foi de um bumerangue.

A moção de vacância foi aprovada por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções. Sua Vice-Presidenta, a advogada Dina Boluarte, em 30 minutos, foi convocada a assumir e já está exercendo o cargo. Até o fechamento deste artigo, Castillo estava preso pela Polícia Nacional. Keiko Fujimori em suas redes sociais manifestou sua satisfação com a queda do professor e solidariedade com Dina, a nova presidente.

Ainda neste dia 7, havia previsões de mobilizações populares contra o impedimento, mas o decreto de fechamento do Congresso e demais medidas tomou todos os setores políticos de surpresa, inclusive invertendo o sentido da pauta política do processo golpista. Castillo de vítima passou a ser algoz, já que passou a ser acusado igualmente de golpista. Tendo provocado inclusive o voto de alguns parlamentares do campo de esquerda a favor do impedimento. Vejamos como se comportará a classe trabalhadora e os povos indígenas peruano, que são aqueles capazes de derrotar o golpe reacionário em curso no Peru, restabelecer a democracia e avançar na luta por direitos.

*Cientista Político e da editoria do EOL Mundo
Marcado como:
pedro castillo / peru