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MUNDO

Em oito meses no cargo, presidente do Peru enfrenta hoje (28) a segunda tentativa de impeachment

David Cavalcante*, de Recife, PE
Castillo discursa em um comício de campanha. Ele usa chapéu, claro, segura o microfone e um lápis de madeira, grande, símbolo de sua profissão.

O presidente do Peru, o professor Pedro Castillo, enfrentará nesta segunda-feira, 28 de março, seu segundo pedido de impedimento iniciado pelas forças da direita. A denominada de “moção de vacância” é uma petição que pode definir se o presidente continua ou não no seu cargo “por incapacidade moral permanente”, um critério essencialmente político que depende da correlação de forças numérica no Congresso da República do Peru, que é um parlamento unicameral. 

Para que tenha a moção de impedimento aprovada se requer 87 votos dos 130 congressistas, sendo portanto uma tramitação muito mais rápida do que no Brasil, que requer autorização para tramitação pelo Presidente da Câmara, autorização para julgamento no Plenário e depois o próprio julgamento no Senado. 

A primeira “moção de vacância” teve sua tramitação rejeitada, há três meses, em 8 de dezembro, por 76 votos contra 41. Portanto, não houve votação no Plenário sobre o mérito das acusações que são formuladas e articuladas pelos neoliberais da direita e extrema-direita peruanas, através dos partidos Força Popular (fujimorista), Renovação Popular, Avança País e Renovação Popular e com uma campanha aberta da grande mídia empresarial do país. 

Os erros de Pedro Castillo

Amplos setores populares, territórios indígenas, movimentos sociais e dos trabalhadores, além do conjunto da esquerda peruana e da América Latina comemoraram efusivamente a vitória de Pedro Castillo, no segundo turno contra a candidata Keiko Fujimori. 

A vitória foi histórica não somente porque a derrota de Keiko representou um rechaço à herança do seu pai o velho ditador que foi responsável por torturas, mortes, escândalos de corrupção e esterilização forçada em massa de mulheres do povo, mas também porque pela primeira vez na história do Peru um trabalhador, professor e líder de movimentos grevistas na educação. Além disso, a vitória foi arrancada voto a voto com uma diferença de apenas pouco mais de 44 mil votos (0,26%), após uma duríssima batalha jurídica para se promulgar o resultado e garantir a posse, pelos quais foram necessárias várias manifestações e marchas unificadas dos movimentos sociais e das esquerdas para pressionar as instituições e evitar um golpe antes da posse. 

Castillo, integrante de um dos principais partidos de esquerda do país, Peru Livre, chegou ao poder com pontos de um programa, ainda que limitados, que pregava compromissos com as demandas sociais dos trabalhadores e dos setores populares indígenas, do povo pobre e dos setores oprimidos, mas também indicava a convocação da Assembleia Constituinte como principal instrumento democrático e de mobilização social para superar a constituição fujimorista e alcançar modificações significativas importantes com o conteúdo de defesa dos interesses nacionais para viabilizar programas sociais em defesa das classes trabalhadoras e dos camponeses, por exemplo, sobre o tema das reservas e extração minerais e direitos das populações ancestrais.

Ocorre que, como já havíamos alertado em toda a cobertura sobre o processo eleitoral e sobre a luta para se proclamar o resultado, o pior erro de Castillo e de Peru Livre seria se embriagar com a vitória eleitoral e não tomar em conta que, além de um resultado extremamente apertado que refletiu um país dividido, a direita representante do grande capital e principalmente sua ala fujimorista não tardaria a preparar operações e conspirações golpistas na primeira oportunidade. Principalmente diante de um regime político que por suas características híbridas de presidencialismo e parlamentarismo onde há somente uma câmera parlamentar e um forte poder de destituição do Congresso unicameral, facilmente se abriria as condições para destituí-lo.

Castillo e Peru Livre não se deram conta que uma vitória por dentro da institucionalidade carcomida de um país dependente e com precedentes institucionais recentes de destituição de presidentes, que gerou a renúncia de Pedro Paulo Kuczynski, em março de 2018, e dois processos de impedimento de seu sucessor Martín Vizcarra, que finalmente o depôs, gerando inclusive uma revolta popular espontânea contra o que foi identificado como um golpe do parlamento. Lembremos que Manuel Merino que sucedeu Vizcarra por eleição indireta, só governou por 5 dias e foi derrubado pela revolta popular que o rechaçou como se fosse porta-voz do golpe. 

Ante tais limitações estruturais, o único recurso que caberia a Castilho e sua frágil base parlamentar seria, e ainda é, se apoiar e estimular as mobilizações sociais para arrancar em primeiro lugar a Convocatória da Assembleia Constituinte que poderia gerar um maior clima nacional de politização unificada em torno ao marco normativo constitucional a ser adotado. 

Ao contrário, nestes curtos 8 meses de governo, Castillo gerou uma série de polêmicas em torno de nomes de ministros indicados, um com questionamentos de violência familiar, outro com acusações de homofobia e outro com processos judiciais de corrupção. Ou seja, além de não priorizar as pautas tão caras para os movimentos e setores sociais que o elegeram, acabou levantando de bandeja acusações desnecessárias para que a direita as tomassem como cavalo de batalha, gerando instabilidades, renúncias e rotatividade excessivas nos gabinetes ministeriais que precisam de aprovação do Congresso para se efetivarem em seus cargos. 

Neste clima, os setores mais consequentes da esquerda, a exemplo do partido Juntos Por Peru/Novo Peru e setores do Peru Livre, entre outros, se afastaram do governo, gerando mais fragilidade de defesa ante a ofensiva fujimorista e dos grandes grupos empresariais. Vejamos se conseguirá escapar deste processo de impedimento e pelas vias tortas consiga mudar de rumo e retomar as bandeiras pelas quais foi eleito. 

*Cientista Político.

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pedro castillo / peru