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O “micromundo” dos “terrivelmente revolucionários”

Paulo Pasin

Paulo Pasin é metroviário aposentado do Metrô de São Paulo (SP) e ex-presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários).

Diversas correntes revolucionárias se dissolveram, se diluíram, cedendo as pressões dos partidos de “esquerda” adaptadas ao sistema capitalista. Para não correr este risco, algumas correntes ergueram “muros” para impedir a contaminação das ideias “oportunistas” e “eleitoreiras”. O problema é que, na maioria das vezes, estes muros se transformam em “muralhas” e estas organizações perdem a visão do todo. Vivem numa realidade paralela. Um mundo de fantasias, um micromundo, uma micro-bolha. Poderiam muito bem servir de amostra em um museu.

No dia 16 de julho de 1984, o companheiro Nahuel Moreno, a convite da Juventude Socialista, falou-lhes sobre os problemas de organização do partido revolucionário. O texto é uma desgravação corrigida (…). Foi publicado originalmente em Buenos Aires, em 1984. Num capítulo, Moreno debate o perigo dos “micromundos” nas organizações e partidos de esquerda.

“A social-democracia alemã era um micromundo, que obtinha milhões de votos, tinha teatros, clubes, sindicatos, bailes, bibliotecas, clubes de libertação sexual. Dentro dela havia respostas para quase todas as inquietações e necessidades que poderia ter uma pessoa. Aqui também o socialismo, o anarquismo e o estalinismo eram micromundos em suas épocas de esplendor”. “Estes micromundos estão imersos no verdadeiro mundo, a sociedade capitalista, horrorosa, hostil. A vida dentro deles e muito mais linda que fora: parece que se conseguiu o socialismo agora. Forma-se uma tendência centrípeta: quer-se viver dentro do partido”.

Ousaria dizer que este fenômeno não ocorre só no ambiente partidário e do sindicalismo vanguardista, mas também em determinados segmentos estimulados pelos guetos dos algoritmos das redes sociais. Afinal, nas redes sociais, interagimos com pessoas que compartilham da mesmo visão de mundo, ou de micromundo.

Segundo Nahuel Moreno:

“É uma tendência desgraçada: acreditar que já está solucionado tudo quando não se solucionou nada, já que a sociedade capitalista continua aí, vivinha e serpenteando, preparada para destruir com um bote o micromundo. Isto foi o que se passou com a social-democracia alemã: Hitler a destruiu, e seus clubes, bibliotecas e sindicatos”.

Nahuel MorenoTrockist

Moreno destaca que:

“O pior é que não somos a social-democracia alemã. Viver num  minimundo, numa realidade paralela, ser sectário de um partido de milhões de votos e dezenas de milhares de ativistas é grave, muito mais compreensível. Porém, ser sectários de um partido com uns poucos milhares e que, no entanto, não tem influência de massas, é uma tragédia”.

E relembra as consequências do sectarismo, não deixando de ressaltar o peso e o obstáculo do peronismo na época:

”Por culpa desta tendência sectária não pudemos fazer um trabalho forte, intenso, sobre os milhares de novos dirigentes operários e estudantis, honestos e extraordinariamente combativos que se nucleavam na JTP, os Montoneros e o classismo na etapa anterior. Para nós, tudo o que não fosse do partido ou não nos desse razão de cara era um pequeno burguês, contra-revolucionário, nosso inimigo e da classe operária”.

“Temos que combater esta tendência sectária. Se não a vencermos, o partido estanca e acaba retrocedendo.
A luta contra o sectarismo é impossível se não temos uma segurança e confiança absolutas em nossas posições e em nossa classe. Se nossas posições são corretas e se é certa a frase de Marx “A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, temos que saber que a maioria dos companheiros dos outros partidos com que tratamos em nossa atividade diária, cedo ou tarde vão ser do nosso partido. Todo operário, todo assalariado, todo estudante plebeu ou com inquietações progressivas virá ou, no mínimo, pode vir para o nosso partido. Se não vier em um mês, será dentro de um ano, de dois, de três…”

“Nunca um socialista revolucionário dá a impressão de que quer “ganhar” a discussão . Sempre procura demonstrar que quer acordos práticos para fazer algo para que avance o movimento operário e de massas.”

“Não estamos falando dos velhos quadros esclerosados nos aparatos estalinistas ou sindicais, ou na imundície do aparato peronista ou radical. Esses já têm interesses próprios, que se medem na maioria dos casos, em pesos ou em dólares. Porém, sim, falamos daqueles que simpatizam com eles e são militantes ou quadros médios deles, porque acreditam honestamente que assim lutam contra o imperialismo e a oligarquia, ou pelas liberdades democráticas e contra os genocidas, ou pela melhoria do nível de vida dos trabalhadores, ou inclusive, pelo socialismo”.