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BRASIL

Para Bolsonaro, não há diferença entre campanha eleitoral e golpe

Parte 1: Cão que late não morde?

Jean Montezuma, de Fortaleza, CE
Foto mostra uma mesa, em U, com Bolsonaro ao centro e militares ao seu redor. Só há homens na foto.
Reprodução / Ministério da Defesa

Reunião de Bolsonaro com o alto comando das Forças Armadas

Para quem acompanhou atentamente o noticiário político na última semana, não deve ter passado despercebido a repercussão de um fato ocorrido ainda em 2021. Segundo investigação da agência Reuters, em agosto do ano passado o governo dos EUA enviou o diretor da CIA para uma reunião com o presidente Bolsonaro e seu gabinete. Na pauta não divulgada da reunião secreta, estaria a preocupação com as ameaças do presidente ao sistema eleitoral. William Burns, diretor da agência de Inteligência e chefe da delegação dos EUA no encontro, teria dito a ele e seus assessores que parassem de minar a confiança no sistema eleitoral.

Ao monitorar a realidade brasileira, o governo Joe Biden, em 2021, identificou o risco de Bolsonaro tentar aplicar aqui a mesma estratégia de Trump. O ídolo do capitão miliciano também começou com questionamentos a integridade do processo eleitoral, avançou para denúncias infundadas de fraude, não reconhecimento da derrota, e culminou no espetáculo da invasão do Capitólio. Segundo fonte ouvida pela Reuters, nas reuniões o chefe da CIA “estava deixando claro que as eleições não eram assunto com o qual eles deveriam mexer”.

A notícia é reveladora não apenas da prática estadunidense de ingerência nos assuntos internos de outro países, agindo como polícia do mundo, mas mostra o ponto a que nós chegamos! A CIA e o governo dos EUA preocupados com a ameaça de ruptura do regime político pelo bolsonarismo. E é importante destacar que de golpe os Estados Unidos entendem bem, vide o que ajudaram a fazer aqui em 1964 e em outros países da América Latina e do mundo.

Se não bastasse toda sua carreira política pautada pela pulsão de morte e apologia da ditadura, tudo o que Bolsonaro fez desde que assumiu a Presidência se orientou pela estratégia de testar e forçar os limites da já frágil e combalida democracia brasileira. Ele sempre jogou com a instabilidade e a polarização, sendo o ápice dessa estratégia o 07 de Setembro de 2021. De lá pra cá, muito se falou em recuo e acomodação, quando na verdade as engrenagens nunca pararam de rodar. Nesse entreato do 07 de setembro para o momento de agora, o governo tratou de concretizar as articulações para se posicionar melhor no campo de batalha.

O PL de Bolsonaro saltou de 33 para 77 deputados federais.

Não podemos seguir olhando apenas as pesquisas de intenções de voto. Apesar de aí seguir em desvantagem, Bolsonaro acumulou vitórias em outras dimensões que compõem o complexo campo da disputa eleitoral. O orçamento secreto, por exemplo, está consolidado. Só no ano passado foram R$ 16,9 bilhões, 10 vezes mais que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (R$ 1,7 bi), e 50% maior que toda verba gasta com pessoal, custeio e manutenção do Congresso Nacional (R$ 11,2 bilhões). O saldo da última janela partidária também foi favorável, com a base governista possuindo cinco das seis maiores bancadas, com destaque para o PL de Bolsonaro que saltou de 33 para 77 deputados federais.

Essa ampliação da base governista extrapola as paredes do Congresso. Fora dele se ramifica em todo o Brasil, com os deputados mobilizando suas bases nos estados, seus aliados em prefeituras, e vai se traduzir nos palanques eleitorais. Com a benção dos militares, Bolsonaro e o centrão construíram um mecanismo robusto de uso da máquina pública para fins políticos. Aplicado às eleições, será um instrumento privilegiado para dar a sua candidatura o lastro que precisa para polarizar a disputa.

A crise da terceira via também é outra vitória de Bolsonaro, já percebida nas pesquisas que se sucederam a desistência do ex-juiz Sérgio Moro. Diz um ditado popular que “quem semeia vento, colhe tempestade”. Pois bem, a crise política daquilo que se convencionou nos últimos anos chamar de “direita tradicional”, não se explica sem a necessária relação com o golpe de 2016. Se a onda reacionária atingiu a esquerda e os interesses da classe trabalhadora, a corrente de arrasto da antipolítica tragou também os partidos burgueses e abalou as suas instituições. Quem emergiu daí foi a extrema-direita, acaudilhada pelo bolsonarismo que saltou por cima dos destroços do PSDB, DEM e MDB para vencer em 2018.

Passados quatro anos, a penetração do bolsonarismo nas fileiras desses partidos ajudar a entender a resiliência do governo e a força que tem a sua candidatura à reeleição. Nesse momento, setores do MDB e União Brasil (fusão do DEM com PSL) querem apoiar Bolsonaro, e o mesmo ocorre no PSDB onde a candidatura Dória não consegue ficar de pé.

Se não era razoável acreditar que a “carta Temer” marcaria uma mudança de postura, também não é razoável seguir tratando o que o que Bolsonaro diz, e faz, como se fossem devaneios. O miliciano genocida, líder da extrema-direita brasileira, já deixou nítido que só existe um resultado aceitável nessas eleições: a sua permanência no poder. Perante isso, campanha eleitoral e articulação golpista são uma coisa só, uma alimenta a outra. Bolsonaro tem movido seus peões, os seus milhões de seguidores nas redes sociais e a sua base mais radicalizada, mas também articulado outras peças valiosas que se movimentam no tabuleiro, buscando criar um cerco, a serviço de colocar em xeque a integridade do sistema eleitoral e a democracia.

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“Árvore que nasce torta, morre torta”.
(provérbio africano)

Precisamos falar sobre sobre uma peça chave na estratégia bolsonarista, o pessoal de verde-oliva. Também na semana passada a imprensa noticiou a participação de Bolsonaro numa reunião (por fora da agenda oficial) com o Alto Comando das Forças Armadas. Questionado sobre a pauta, o Ministério da Defesa apenas comunicou se tratar de interesses da defesa nacional. O fato é que na mesma quarta, 03, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, reuniu-se também com o presidente do STF, Luís Fux, e antes dele, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Vale lembrar que compete a Pacheco a atribuição de acolher ou não processos de impeachment contra ministros do STF. Pauta essa, sabemos, que é parte da agitação política das hostes bolsonaristas e já foi vocalizada pelo presidente inúmeras vezes.

Para contextualizar a dimensão da presença militar no atual governo, recorro a alguns dados do estudo “A militarização da Administração Pública no Brasil: Projeto de Nação ou Projeto de Poder?” do cientista político Willian Nozaki, para a Fonacate. Segundo levantamento da pesquisa, mais de 6 mil militares atuam em cargos civis no governo Bolsonaro. Eles estão em mais de 70 órgãos e correspondem a quase 20% de todos os cargos comissionados no governo. O espraiamento da presença militar se percebe em toda a Esplanada dos Ministérios, mas chama atenção a presença estratégica até mesmo em áreas como Educação, particularmente nas áreas ligadas ao ensino superior; Saúde, atuando na Anvisa; na Agricultura, atuando no Incra; nos Direitos Humanos, ocupando a Funai e, adivinhem… na Diretoria da Petrobrás.

Tamanho acesso a poder e orçamento por parte das Forças Armadas não tem métrica de comparação com nenhum outro governo desde a redemocratização. Ninguém renuncia a tanto poder sem lutar. A provável confirmação do general Braga Netto para vice na chapa de Bolsonaro coroa essa comunhão umbilical de interesses de, para dizer o mínimo, parte das Forças Armadas com o projeto de poder autoritário do bolsonarismo. Muito se falou que os militares no governo representariam uma espécie de freios e contrapesos aos arroubos da “ala ideológica” representada no próprio presidente e seus filhos. Essa expectativa encontrou correspondência na realidade?

Se passarmos a História do Brasil em revista, a relação dos militares com a democracia não é nada abonadora. Focando no recorte dos últimos quatro anos, o que vimos foram os fardados envolvidos em tudo: Desde ordem do dia em alusão ao “movimento de 64”, passando pela ingerência na Polícia Federal, as queimadas na Amazônia, o desmonte da Funai, apoio aos golpes na Bolívia e Venezuela, a gestão da pandemia, PEC do voto impresso, e agora como linha auxiliar no cerco ao STF e na política de questionamento ao TSE e a integridade do processo eleitoral. Veio também dos fardados a arquitetura do já citado orçamento secreto, articulado pelo general Luís Eduardo Ramos, na época em que era ministro da Secretaria de Governo, em 2019.

Na presente conjuntura, os milicos estão atuando abertamente no cerco ao STF e na política de questionamento ao TSE e a integridade do processo eleitoral. Nos últimos oito meses, desde que foram convidados a compor formalmente a CTE (Comissão para Transparência das Eleições), as Forças Armadas fizeram 88 questionamentos ao TSE sobre a vulnerabilidade do processo eleitoral. Este dado é fruto de levantamento feito pelo portal UOL, que afirma também que os questionamentos são abertamente alinhados com o discurso do presidente miliciano.

Não à toa, ministros da Suprema Corte reconhecem que foi um tiro no pé trazer as Forças Armadas formalmente para Comissão, criada pelo ministro Barroso em setembro de 2021. A presença oficial das Forças Armadas só tem fornecido mais munição ao arsenal de desinformação bolsonarista, fora o fato de que os malditos milicos agora sentirem-se à vontade para fazerem exigências recorrentes ao Tribunal, minando sua legitimidade e contribuindo para disseminar uma sensação de insegurança que só ajuda a Bolsonaro e a eles próprios.

LEIA A SEGUNDA PARTE DESTE ARTIGO

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