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BRASIL

Um governo sem golpistas para um Brasil sem golpe: Lula sim, Alckmin não!

Marco Pestana e Silvia Ferraro
Lula e Alckmin
Reprodução

O impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 significou muito mais do que uma simples manobra parlamentar fruto da ambição do então vice-presidente Michel Temer (MDB). Pelo contrário, a destituição foi sustentada por um amplo arco de forças políticas e sociais (no parlamento, na imprensa empresarial, no judiciário, no empresariado, nas Forças Armadas, etc), precisamente porque estava a serviço de interesses muito mais profundos. Seu sentido fundamental foi reorientar o padrão de acumulação capitalista no Brasil, aprofundando sua subalternização na economia mundial, ampliando o saque ao fundo público e acentuando as expropriações e o grau de exploração da força de trabalho.

Nesse cenário, os governos Temer e Bolsonaro produziram uma inflexão ainda mais dramática na estrutura do neoliberalismo brasileiro, rompendo com a lógica dos governos petistas, de buscar concessões limitadas para a classe trabalhadora no interior dessa estrutura. O resultado foi o delineamento de novos parâmetros institucionais para a relação entre as classes sociais, aí incluído o papel do Estado: é esse, portanto, o verdadeiro legado do golpe de 2016.

As bases do Brasil pós-golpe

Dentre os muitos elementos que fornecem as bases do Brasil pós-golpe, é possível destacar três de particular importância. Em primeiro lugar, a Emenda Constitucional 95/2016 proposta por Temer, a chamada Emenda do Teto de Gastos. Seu objetivo fundamental foi garantir a destinação de recursos públicos para o pagamento dos juros e serviços da dívida pública, em detrimento de sua alocação em investimentos e remuneração dos servidores – reforçando, portanto, a lógica já instalada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000.

Em termos mais concretos, a EC 95 definiu que, por vinte anos, os gastos públicos primários anuais (isso é, não relacionados à dívida) só poderão crescer na proporção da inflação aferida no ano anterior. Não há assim crescimento real das despesas do governo em um país com um profundo deficit social e que ainda passa por crescimento populacional. Como resultado, desde a sua implementação, os investimentos federais em educação tiveram redução de quase 30%, ao passo que projeções de 2019 indicam perdas na casa de 20 bilhões de reais apenas naquele ano nos investimentos em saúde pública.

Em segundo lugar, as contrarreformas trabalhista e previdenciária atacaram brutalmente as condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora. Assim, a primeira (lei 13.467/2017) reduziu o poder de negociação dos sindicatos e normatizou o trabalho intermitente (com intervalos não remunerados), resultando em redução de quase dois milhões de empregos formais até o final de 2021 e tendência de contínua queda do rendimento médio no país. Já a segunda (Emenda Constitucional 103/2019), generalizou a idade mínima para a aposentadoria (impossibilitando a aposentadoria por tempo de serviço) e alterou a base de cálculo dos benefícios, gerando redução do seu valor médio.

Por fim, foram privatizados empresas e elementos de infraestrutura nas áreas rodoviária, ferroviária, portuária, aeroviária e energética. Para além de reduzir drasticamente a soberania estatal  e gerar, via de regra, aumento das tarifas pagas pelos usuários, há indicações robustas de que os valores recebidos pelas privatizações são consideravelmente menores do que os valores efetivos dos bens e empresas vendidos.

Um legado que atravessa a vida social

Longe de se limitar a seus impactos mais diretos acima elencados, essas mudanças institucionais abrem caminho para um conjunto de transformações na totalidade da vida social, que alimentam a dinâmica de expropriação e aprofundamento da exploração. Trata-se, portanto, de um arcabouço que estrutura um verdadeiro projeto de país e de sociedade, incidindo, de forma transversal, em diversos outros pontos programáticos de relevo.

Um primeiro exemplo dessa dinâmica diz respeito à temática do meio ambiente. A política de enxugamento dos gastos públicos primários atingiu em cheio a fiscalização ambiental (combate ao desmatamento ilegal, inspeção de agrotóxicos e mineração, entre outros), uma vez que, apenas em 2021, o Ministério do Meio Ambiente teve cortes da ordem de 35% em seu orçamento. Dessa forma, os lucros do agronegócio e da indústria extrativa são impulsionados ao custo da destruição do modo de vida das comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, bem como do ataque à qualidade de vida de toda a população.

Já em termos do mercado de trabalho, é preciso assinalar que a precarização crescente fomentada pela contrarreforma trabalhista atinge de maneira mais direta os setores oprimidos da classe trabalhadora, como negro/as, mulheres e população LGBTI. Afinal, são esses setores que predominam nas fileiras dos desempregados e nos empregos com menos direitos e piores remunerações. No caso das mulheres, por exemplo, o ano de 2020 – marcado, também, pelo início da pandemia de Covid 19 – viu a sua participação no mercado de trabalho retroceder ao menor patamar em 30 anos. Pesam sobre suas costas, ainda, as duplas e triplas jornadas, que amplificam o desgaste físico e emocional.

Um projeto alternativo ao legado do golpe

A gravidade e a profundidade das transformações trazidas pelo golpe de 2016 não podem deixar dúvidas: é preciso enterrar definitivamente o seu legado, começando pela revogação do Teto de Gastos, das contrarreformas trabalhista e previdenciária e das privatizações. Esse deve ser o ponto de partida para um governo de esquerda que queira impor uma forte derrota política ao bolsonarismo, complementando a necessária derrota eleitoral. Afinal, o bolsonarismo se alimenta, de um lado, da dramática crise social que afeta a classe trabalhadora e os pequenos proprietários e, de outro lado, da voracidade dos grandes empresários para ampliarem seus lucros.

Esse primeiro movimento, por sua vez, deve abrir as portas para a adoção de inciativas como a substituição da Lei de Responsabilidade Fiscal por uma Lei de Responsabilidade Social e a valorização crescente dos serviços públicos como saúde, educação, habitação, saneamento, entre outros. A suspensão do pagamento aos grandes credores da dívida pública e uma reforma tributária centrada na desoneração do consumo e na taxação do patrimônio – com destaque para as grandes fortunas e bens de luxo –, por sua vez, são medidas que devem ser acionadas para auxiliar no financiamento daquelas políticas.

Para alcançar esses objetivos, entretanto, não é possível construir alianças com setores que não apenas articularam o golpe de 2016, como também apoiaram toda a agenda de ataques à classe trabalhadora e contrarreformas, como o setor representado por Geraldo Alckmin. É preciso, ao contrário, estabelecer uma unidade entre os partidos de esquerda e os movimentos sociais, embalando a campanha eleitoral e as lutas sociais em uma mobilização crescente. Por isso, defendemos que o PSOL esteja na linha de frente do combate ao bolsonarismo, sendo categórico na defesa de um programa para a classe trabalhadora.