Pular para o conteúdo
BRASIL

Cinco pontos sobre a reação do presidente da Anvisa aos ataques de Bolsonaro

Elidio Alexandre Borges Marques, do Rio de Janeiro, RJ
Montagem de fotos. à esquerda, rosto do presidente da Anvisa. Ele usa máscaras. À direita, foto de Bolsonaro. Ao centro, fac-simile da nota.

Na noite de sábado, 09, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, divulgou uma nota endereçada ao presidente Jair Bolsonaro, no qual cobra uma retratação pelo conteúdo do vídeo gravado pelo presidente, no qual ataca a Anvisa e lança dúvidas sobre possíveis interesses ocultos na aprovação da vacinação para crianças de 05 a 11 anos. Na live, Bolsonaro questionou a Anvisa e atacou o que chamou de “tarados por vacina”. Na resposta, dura, Barra Torres exige que o presidente apresente os indícios de corrupção sobre ele ou o órgão ou que se retrate. “Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, conclui a carta.

Sobre este tema, há pelo menos cinco aspectos que merecem nossa atenção:

1 – Não podemos esquecer de quem se trata, do recente passado de cumplicidade de Antônio Barra Torres com o genocida e que sequer é normal que um militar comande a Anvisa.

2 – Tampouco se pode omitir os apelos religiosos e pessoais da nota – incompatíveis com a República – e sua inverídica identificação de um inimigo comum que estaria sendo combatido por ele e por Bolsonaro.

3 – O contexto no qual estamos, entretanto, é de tamanha degradação que a nota, por contraste, revela a gigantesca e absurda falta de ação, resposta e coragem de outras instituições e de seus titulares.

4 – A nota cria para Bolsonaro um obstáculo: dificilmente sai desta situação sem desgaste e, portanto, é uma ação positiva para o amplíssimo campo não bolsonarista.

5 – A existência de rachaduras entre Bolsonaro e setores militares é sintoma da decadência do projeto que encarnaram e é positiva. Mas nem significa o fim da capacidade do presidente em fazer mal, ainda mais num cenário de novo agravamento da pandemia e de fome de barbárie por parte do andar de cima, nem o início do necessário, enorme e profundo desafio de desmilitarização e democratização do Estado brasileiro.

É bom ver um pouco de chumbo trocado no campo inimigo. Mas vamos precisar de nossas próprias forças e projetos dos quais Barra Torres, sua patente, história e discurso religioso não fazem parte, mesmo que seja menos covarde e cúmplice que os Aras, Pachecos, Liras e os grandes interesses econômicos que representam com afinco.


Íntegra da nota

Nota – Gabinete do Diretor Presidente da Anvisa, Sr. Antonio Barra Torres
Em relação ao recente questionamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, quanto à vacinação de crianças de 05 a 11 anos, no qual pergunta “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí?”, o Diretor Presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, responde:
Senhor Presidente, como Oficial General da Marinha do Brasil, servi ao meu país por 32 anos. Pautei minha vida pessoal em austeridade e honra. Honra à minha família que, com dificuldades de todo o tipo, permitiram que eu tivesse acesso à melhor educação possível, para o único filho de uma auxiliar de enfermagem e um ferroviário.
Como médico, Senhor Presidente, procurei manter a razão à frente do sentimento. Mas sofri a cada perda, lamentei cada fracasso, e fiz questão de ser eu mesmo, o portador das piores notícias, quando a morte tomou de mim um paciente.
Como cristão, Senhor Presidente, busquei cumprir os mandamentos, mesmo tendo eu abraçado a carreira das armas. Nunca levantei falso testemunho.
Vou morrer sem conhecer riqueza Senhor Presidente. Mas vou morrer digno. Nunca me apropriei do que não fosse meu e nem pretendo fazer isso, à frente da Anvisa. Prezo muito os valores morais que meus pais praticaram e que pelo exemplo deles eu pude somar ao meu caráter.
Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar.
Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate.
Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente.
Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário.
Antonio Barra Torres
Diretor Presidente – Anvisa
Contra-Almirante RM1 Médico
Marinha do Brasil