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MOVIMENTO

Contra o sensacionalismo despolitizante na esquerda: uma resposta à Faísca/MRT

Flávia Roberta*, de São Paulo, SP

Não é difícil escrever manchetes sensacionalistas. Basta simplificar de forma grosseira algum fato ou posicionamento, afastá-lo ao máximo da realidade e torná-lo tão simples quanto mentiroso. O jornalismo sensacionalista, não à toa, é um instrumento da direita. Mas também nos jornais da esquerda há manchetes sensacionalistas, retomando o velho hábito stalinista de calúnias e difamações contra organizações do próprio campo. O Esquerda Diário, impulsionado pela Faísca/MRT, frequentemente é palco desse sensacionalismo vermelho e na última segunda-feira publicou um texto chamado “O Afronte/Resistência (PSOL) está se preparando para entrar no PT? [1]

O texto faz referência à participação de militantes do Afronte! no encontro de Lula com o PSOL em Salvador na última semana durante sua viagem pelo Nordeste. Participamos desse encontro por entendermos que existe uma absoluta hierarquia neste momento no país: derrotar Bolsonaro e interromper o morticínio em curso no Brasil. Para isso, defendemos uma forte unidade da esquerda, que ganhe corações e mentes para um programa anticapitalista para o país, que exija nas ruas a revogação dos ataques à juventude e à classe trabalhadora e consiga acabar com o projeto bolsonarista. 

Mas parte do combate ao bolsonarismo se dará nas urnas no ano que vem, e nesse terreno a principal figura da esquerda, sem dúvida, é Lula. Todos lembramos que, para que fosse possível eleger Bolsonaro e consolidar o golpe de 2016, a reacionária Lava Jato precisou prender Lula arbitrariamente e retirar seus direitos políticos. Com sua liberdade e restituição de direitos, o ex-presidente volta a figurar como o principal nome para derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022. 

Então, o combate ao projeto neofascista que governa o país deve ser travado nas ruas e nas urnas: nas ruas, precisamos de uma ampla unidade entre os partidos e movimentos sociais, entre as categorias de trabalhadores e movimentos de juventude, para tentar arrancar o impeachment o quanto antes; nas urnas, essa unidade deve pressionar para que Lula, que é o principal nome – independente de ter ou não o nosso apoio -, não repita as alianças do passado e não ceda à direita. Essa posição indica, de alguma forma, qualquer interesse de entrar no PT?

Não há, aqui no Esquerda Online, qualquer manchete sensacionalista caluniando os companheiros ou ofendendo seus militantes, como ocorreu no infeliz texto publicado pelo MRT no último dia 30, pois esse tipo de prática é despolitizante e não serve para armar a luta, nem contra Bolsonaro, nem contra os ataques que aconteceriam em um possível futuro governo Lula.

Os companheiros afirmam que defendemos um “Lula anticapitalista”. Mais uma vez, uma mentira. Em todas as nossas elaborações, afirmamos: não temos ilusão de que Lula se convencerá de um programa anticapitalista ou que deixará de ser um conciliador de classes. Mas acreditamos que muitos dos trabalhadores e jovens que hoje apostam em Lula contra Bolsonaro podem, sim, abraçar as ideias anticapitalistas e se somar às fileiras revolucionárias. E acreditamos que, quanto mais forte a Frente de Esquerda nas lutas, maior a pressão que ela poderá exercer sobre a candidatura de Lula – e isso, novamente, representa uma parte da luta contra Bolsonaro.

Não nos calamos, como de forma desonesta é afirmado no texto, diante da disposição de Lula de dialogar com setores da direita, LGBTfóbicos e da base bolsonarista. Criticamos esses movimentos e dizemos de forma muito clara: não é possível governar para o povo trabalhador e oprimido em aliança com a direita e o conservadorismo religioso [2]. A política de alianças petista foi parte do que levou ao golpe de 2016, e esse debate é o que levamos para dentro do movimento que hoje conversa com Lula [3]. Existe uma disputa em aberto – não de Lula, mas do movimento em seu entorno – e não nos privamos dela [4].

Para nós, não é possível combater o “regime do golpe” (para usar uma formulação dos companheiros) em base ao antipetismo que o forjou. Esse é um debate que fazemos exaustivamente desde 2016, especialmente com os setores da esquerda que apoiaram o golpe e a Lava Jato. Infelizmente, o MRT, ainda que tenha nos acompanhado nessa crítica aos setores lavajatistas da esquerda, agora ignora esse debate e embarca na canoa furada do antipetismo.

Polêmicas são importantes para que o movimento seja saudável, mas elas precisam ser feitas com qualidade e em base à realidade. Com quase 600 mil mortes no Brasil, mortes essas que têm classe, raça e cep, com a inflação nas alturas, milhões de desempregados, miséria e fome crescentes, com aumento da violência machista, racista e LGBTfóbica; com uma crise sem precedentes que não vai acabar junto com a pandemia e que vai recair com força sobre a classe trabalhadora, com um neofascista no governo, não pode haver dúvida: a esquerda deve dedicar todos os seus esforços à derrota de Bolsonaro e seu projeto. Todas as nossas forças precisam estar voltadas à superação do golpe de 2016. O fortalecimento de uma Frente de Esquerda é necessário porque essa tarefa não se concluirá em 2022; será um processo longo e difícil. Se para isso precisamos ou não de Lula, cabe debatermos dentro da esquerda. Mas em nada nos ajuda uma lógica de calúnias e ataques desrespeitosos – precisamos, também, superar esses desvios stalinistas que persistem na esquerda.

O Afronte! e o movimento de organizações revolucionárias que conformou a Resistência surgiram da luta contra o golpe de 2016. Construímos o PSOL, o principal partido à esquerda do PT, que apesar de ter sido oposição aos seus governos, não mediu esforços para lutar contra o golpe e a prisão arbitrária de Lula. Agora, estaremos na linha de frente do combate ao bolsonarismo em todas as esferas da luta. Não abrimos mão de um projeto anticapitalista por e para a maioria trabalhadora, mas não ignoramos as contradições da realidade nem nos apegamos à autoproclamação sectária. A única vantagem da autoproclamação é que ela nos faz dormir tranquilos. Mas por que um militante dormiria tranquilo no Brasil em 2021?

Por fim, alguns conselhos fraternos aos companheiros da Faísca e do MRT. A situação política do Brasil é muito grave pra nos perdermos em debates infrutíferos, recheados de calúnias e frases de efeito vazias. É hora de batalharmos pela necessária unidade da esquerda, e quantos mais, como nós do Afronte! e da Resistência, estiverem dispostos a disputar o programa que essa unidade vai defender com posições anticapitalistas, mesmo com nossas diferenças, melhor armados estaremos paras as lutas que estão colocadas e as que virão. Guardem os ataques e as ofensas aos burgueses, à direita e ao bolsonarismo; dediquem sua revolta aos que têm as mãos manchadas de sangue da nossa classe, aos nossos grandes inimigos. Não levantar falsas polêmicas pelo mero prazer da delimitação não os fará menos revolucionários; pelo contrário: assim, todos avançamos.

 

NOTAS 

[1] https://www.esquerdadiario.com.br/O-Afronte-Resistencia-PSOL-esta-se-preparando-para-entrar-no-PT

[2] https://esquerdaonline.com.br/2021/09/01/sobre-o-encontro-de-lula-com-o-pastor-sargento/

[3] https://esquerdaonline.com.br/2021/08/31/alguns-apontamentos-sobre-a-viagem-de-lula-pelo-nordeste/

[4] https://esquerdaonline.com.br/2021/09/03/por-que-lula-deve-ir-ao-anhangabau-dia-7-de-setembro/

 

*Militante do Afronte/USP

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