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Aonde o antipetismo vai levar Ciro Gomes

Montagem: EOL

Gabriel Santos

Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi

No mês de Junho o nosso país entrou no número de mais 500 mil brasileiros que perderam a vida na pandemia. Aliados a isso vemos a fome e a insegurança alimentar aumentar e atingir milhões de lares. Assistimos ao genocídio do povo negro e indígena se aprofundar como parte do noticiario cotidiano. Bolsonaro segue no governo, com políticas que facilitam o contágio do vírus e aprofundam a pandemia, apostando no caos para se manter na presidência, e, assim ganhar forças para seu projeto de extrema-direita e fechamento do regime. A oposição, agora liderada pela esquerda, convocou novas manifestações, antecipadas para este sábado dia 03, após a CPI da Covid escancarar que o governo Bolsonaro está atolado em corrupção e tratou a vida de brasileiros como negócio para enriquecimento ilícito. Nesse cenário o debate sobre quais caminhos tomar para derrotar Bolsonaro, assim como a tática para as eleições de 2022, ocorrem de forma acalorada. 

Aqui, neste texto, quero trabalhar sobre um aspecto em particular e sobre um personagem específico, sendo eles: o antipetismo e Ciro Gomes. 

Ciro Gomes, candidato às últimas eleições, começou sua corrida presidencial para 2022 logo após o segundo turno de 2018. Após ter passado por uma série de partidos de direita e fisiológicos, Ciro chega ao PDT em 2015 e hoje é o principal nome do partido. Nas pesquisas para as próximas eleições, ele aparece com 7%, em quarto lugar. 

Ciro afirmou mês passado ao se referir a Lula que “iria para cima do maior corrupto da história brasileira, uma frase que podia ser facilmente dita por setores aliados de Bolsonaro. É notável que Ciro tem afirmado suas críticas ao PT e a Lula cada vez com maior intensidade, buscando crescer com base no sentimento de antipetismo e ganhar uma base social de direita.

Antipetismo
Antes de mais nada é preciso definir o que seria o antipetismo. Ele pode ser facilmente definido como a total oposição e rejeição ao Partido dos Trabalhadores. É uma ideia que se formou diante de uma narrativa moral do combate à corrupção por meio dos mais aparelhos de hegemonia da Casa Grande brasileira, como a Rede Globo, por exemplo, e teve palco político principalmente através da Lava Jato. Porém, o antipetismo se forma com base no próprio antagonismo entre as classes em nosso país. O PT é visto como principal força representativa da esquerda brasileira, grupo que defende os trabalhadores, sem teto, sem terra, e por isto tornou-se alvo de um ódio de classe, por parte da burguesia e setores da classe média.

O antipetismo foi o carro chefe das oposições às pautas defendidas pela esquerda. Assim, ele se organizou através do racismo, da xenofobia, do machismo e da LGBTfobia. Numa análise de aproximação histórica, podemos dizer que atuou como espécie de reedição do udenismo pré-64 que misturou “anticomunismo” e uma suposta cruzada contra corruptos, se tornando base ideológica do apoio popular ao golpe. E também como o “o medo do haitianismo”, que assustou as elites de nosso país durante o período colonial, como medo de uma revolta de negros como a ocorrida no Haiti.

O antipetismo e a esquerda  

Confundindo um descontentamento social e desilusão que existia na classe trabalhadora por conta de escolhas de governo petistas em aplicar programas de arrochos salariais e corte de verbas, fruto da aliança desses governos com partidos da burguesia, com o antipetismo, que era movimentação reacionária de nossa Casa Grande em conjunto com a Casa Branca. Alguns grupos de esquerda buscaram utilizar este sentimento de antipetismo a seu favor. 

As ondas da história mostraram que o antipetismo não pode ser disputado por aqueles que se encontram na esquerda justamente pelo seu conteúdo machista, lgbtfóbico, racista, xenófobo, e anti-povo, não atingir apenas o Partido dos Trabalhadores, mas todas organizações do nosso campo. Para o antipetismo, todos somos vermelhos em diferentes tons.

Essa ação de grupos da esquerda, decorrente de uma confusão de análises, se mostrou equivocada, pois conduziu aqueles grupos que a adotaram a posições políticas vacilantes na luta contra o Golpe de 2016, na denúncia da Lava Jato como instrumento do imperialismo, e na defesa da campanha Lula Livre. 

O caso da Lava Jato é emblemático. Em um misto de antipetismo e uma vontade de superação do PT, setores da esquerda deram fermento para o bolo da direita. Não enxergaram que desde o início a Lava Jato foi um projeto orquestrado fora de nossas fronteiras para atingir lideranças do campo da esquerda, a soberania nacional, e realinhar o cenário político de nosso país. Hoje, após vazamento de mensagens trocadas entre a cúpula da operação, os setores de esquerda que a apoiaram no início e afirmavam que era possível disputar para que ela fosse à esquerda, buscam mudar suas posições, dizendo que a mesma se mostrou um processo de perseguição política. 

As ondas da história mostraram que o antipetismo não pode ser disputado por aqueles que se encontram na esquerda justamente pelo seu conteúdo machista, lgbtfóbico, racista, xenófobo, e anti-povo, não atingir apenas o Partido dos Trabalhadores, mas todas organizações do nosso campo. Para o antipetismo, todos somos vermelhos em diferentes tons. 

O antipetismo, as eleições e Ciro Gomes 

Mesmo diante das recentes experiências, o debate sobre as eleições de 2022 e as táticas para as mesmas, faz com que o antipetismo novamente ganhe força. No campo da esquerda socialista, o antipetismo aparece com destaque em setores significativos que estão dentro do PSoL, e que já tiveram sua experiência com o PT. Porém, o principal nome do setor progressista que utiliza o discurso e a narrativa do antipetismo é Ciro Gomes. Ironicamente, estes dois grupos bastante distintos, setores da esquerda socialista, e o trabalhismo de Ciro, se aproximam por conta do antipetismo. 

O presidenciável do PDT é sem dúvida aquele que mais caminha no antipetismo, com diversas frases direcionadas a Lula e ao PT em suas recentes entrevistas, algo que incomodou inclusive seus aliados. Um fato interessante sobre Ciro, é ele surgir como o candidato com a segunda maior taxa de rejeição. Na pesquisa do DataPoder em abril ele aparecia atrás apenas do ex ministro e ex juiz Sérgio Moro. Na realizada pelo IPEC e divulgada este mês, ele aparece com uma taxa de rejeição de 50% e perdendo apenas para Jair Bolsonaro

O discurso antipetista de Ciro Gomes busca uma demarcação sobre quem ele busca disputar e com quem ele pretende caminhar para 2022. Ciro busca se apresentar como uma espécie de “terceira via”, com um discurso que busca igualar Lula e Bolsonaro como extremos, tentando se postular como uma alternativa a ambos. Desta forma, observando a queda de popularidade de Bolsonaro, Ciro busca atrair parte do eleitorado que votaria em um candidato da direita contra o PT, e que votou em Bolsonaro em 2018. Seu projeto busca alcançar setores de classe média e assim como ter o apoio de setores da burguesia e partidos de direita e centro direita para ocupar no segundo turno o lugar que hoje série de Bolsonaro. 

Caso siga apostando no antipetismo, e priorizando caminhos pela direita, Ciro terminará em definitivo por abrir mão de caminhar com a esquerda e ativistas honestos que tem no pedetista uma referência. Desta forma é importante o questionamento: sobre qual programa econômico se dará essa aliança? A direita e parte da burguesia vai abrir mão de seu programa privatista para apoiar Ciro? Parece pouco provável que esta hipótese aconteça. O que parece mais previsível, é que Ciro rebaixe o programa de defesa da soberania nacional, das estatais, de combate ao teto dos gastos e de enfrentamento ao rentismo, e passe a adotar medidas liberais. 

Ciro Gomes é uma das figuras políticas de maior relevância nacional. Sua voz tem sido um importante instrumento na defesa de um projeto nacional de combate às privatizações e da defesa da soberania, mas infelizmente Ciro tem vacilado no combate ao governo Bolsonaro justamente pelo fato de utilizar sua artilharia contra o PT e Lula. Ele não utiliza seu espaço para impulsionar o Fora Bolsonaro, muito menos os atos de rua contra o governo genocida do capitão. O fim dessa história, pode ser que por conta de seu antipetismo e de sua trama para ser um Joe Biden dos trópicos, Ciro termine defendendo um programa junto daqueles que até ontem apoiaram e garantiram a eleição de Bolsonaro. 

Qual o programa da luta contra Bolsonaro? 

Diante disso cabe a pergunta: o antipetismo pode contribuir na derrota de Bolsonaro e da extrema direita? No imenso cemitério que virou o Brasil, com as 500 mil mortes decorrentes da pandemia, e outras tantas frutos do racismo e da violência estatal, tudo isso enquanto bancos apresentam lucros recordes, a fome invade a casa de milhares de brasileiros, a destruição do meio ambiente se acelera, e as estatais são privatizadas, a grande tarefa hoje é impulsionar as lutas para a derrubada de Bolsonaro. Este processo prioritário precisa ser construído em ampla unidade entre as esquerdas, forjando assim um projeto político comum capaz de enfrentar a agenda neoliberal e o bolsonarismo. Não é possível ir à luta para derrubar Bolsonaro com sectarismo ou agitação programática buscando a demarcação. 

Este processo prioritário precisa ser construído em ampla unidade entre as esquerdas, forjando assim um projeto político comum capaz de enfrentar a agenda neoliberal e o bolsonarismo. Não é possível ir à luta para derrubar Bolsonaro com sectarismo ou agitação programática buscando a demarcação. 

Por aqui, abrimos um parêntese para dialogar com aqueles que afirmam a necessidade de superação do PT e do lulismo. Por obviedades nossa posição expressa neste texto não se trata de retirar críticas ao que foram os governos petistas no âmbito federal e aquilo que hoje são suas políticas nos estados, assim como também não se trata de silenciar diante das táticas vacilantes as organizações do campo democrático-popular. 

Diferenças e críticas precisam ser apresentadas para que a unidade possa ser feita em sua concretude e para que não sejam repetidos os erros anteriores. Se trata portanto que devemos entender que a sucessão dos acontecimentos trouxe para a esquerda radical novas tarefas emergenciais e também novas formas de se relacionar com as organizações que defendem a estratégia democrático-popular e de conciliação de classes. Ainda que seja desejo de muitos a construção de um projeto capaz de superar os limites do PT, esta superação não ocorrerá apenas pelo desejo. É preciso ter uma política concreta para a construção de uma nova estratégia na esquerda e que modifique a relação de forças dentro do campo. 

Diante de nossa principal tarefa e de tudo que foi apontado até aqui, parece óbvio que o antipetismo não é nada útil, pelo contrário, ele como um fenômeno predominantemente reacionário termina por reforçar o campo da direita e enfraquece o campo da esquerda, enfraquece a campanha Fora Bolsonaro. Ele não nos serve para ganharmos setores dentre os trabalhadores que ainda apoiam Bolsonaro, assim como parte da classe média. Para ganharmos essa batalha de ideias, precisamos utilizar nossas armas, ou seja, a defesa da saúde, da vacina, da educação, do emprego, da defesa da Amazônia, de um novo projeto de segurança pública, etc. A experiência da classe trabalhadora que se iludiu com o bolsonarismo se dá de forma concreta a partir do trágico momento que vivenciamos em nosso país, e é através dessa mudança de consciência que podemos forjar algo novo, e um novo projeto político para o povo brasileiro. Usar armas do inimigo não nos serve. 

Por fim, Ciro Gomes precisa tomar uma decisão sobre qual lado pretende caminhar nas eleições, se vai ao lado da direita ou das forças populares. Assim como escolher sobre quem vai despejar sua fúria e sua voz, se contra Bolsonaro ou se vai contra aqueles que combatem o genocída. Aos apoiadores do pedetista cabe a reflexão se as atitudes e recentes posições de Ciro são úteis no combate ao Bolsonaro e aceitáveis para alguém que até ontem era um importante nome para a esquerda. 

Acredito que é preciso que o combate a Bolsonaro siga avançando em um agenda de diálogo conjunto entre as forças da esquerda e movimentos sociais, sem sectarismo, à exemplo do que foi o novo pedido de impeachment protocolado nesta quarta-feira dia 30, e do que tem sido os espaços da campanha nacional Fora Bolsonaro. A construção da unidade é uma das necessidades do atual momento que vivemos. Uma unidade baseada no enfrentamento ao programa neoliberal e ao bolsonarismo, que valorize a vida, e construa um novo projeto político que seja antirracista, feminista, ecologico, e defenda mudanças estruturais em nosso país.