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É possível um acordo programático entre o PSOL e Ciro Gomes?

Uma polêmica necessária com o MES, corrente interna do PSOL

Reprodução Facebook Roberto Robaína

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Na última sexta-feira, o vereador do PSOL de Porto Alegre, Roberto Robaina, publicou no seu perfil no Facebook a foto de uma reunião, realizada no dia anterior, com, além dele; a deputada estadual do PSOL-RS, Luciana Genro; e Ciro Gomes, candidato pelo PDT nas últimas eleições presidenciais e que já se coloca como um possível candidato a presidente em 2022.

O encontro acontece logo na semana que Ciro Gomes atacou o PSOL publicamente, em entrevista no Estado de SP, afirmando que o partido seria um “puxadinho” do PT. Ciro não admite que o PSOL defenda os direitos democráticos de Lula, sem dar apoio político ao projeto politico da direção do PT.

Robaina e Luciana são dirigentes do PSOL e do MES (Movimento Esquerda Socialista), corrente interna do partido. Na sua mensagem, Robaina afirmou: “Ciro tem defendido bandeiras que contestam o poder do capital financeiro. Ou pelo menos que taxam o rentismo. Nós, que há anos defendemos a taxação das grandes fortunas, o aumento do imposto sobre a herança de milionários, enfim, uma política tributária justa, encontramos em Ciro também um porta voz forte dessas bandeiras … Como militantes que reivindicam o socialismo, a liberdade e a revolução, foi uma alegria encontrar um líder nacional social-democrata muito capaz e honesto.”

Concordo com a ideia de que a esquerda socialista, especialmente diante da escalada autoritária representada pelo governo Bolsonaro, deve defender uma ampla frente única de todos os explorados e oprimidos em defesa dos direitos sociais e, da mesma forma, construa uma necessária unidade de ação em defesa das liberdades democráticas.

Se este foi o objetivo do encontro, não tenho grandes objeções a ele. Entretanto, nesta hipótese, houve uma grande ausência na mensagem do companheiro Robaina: qual foi a ação contra Bolsonaro discutida ou definida no “agradável” encontro?

A pergunta não é uma provocação. Mas, sim, se torna necessária porque não vemos Ciro Gomes (PDT-CE) com nenhuma disposição real de construir ações unitárias contra o governo Bolsonaro e suas medidas.

Nunca é demais lembrar que no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, quando um amplíssimo movimento se formou para tentar impedir a vitória do Bolsonaro, Ciro descansava em Paris. Ele defende uma oposição de tipo moderada ao projeto da extrema-direita, sempre buscando excluir de suas iniciativas outros setores da oposição, como o PT. Ciro faz isso não porque tenha grandes diferenças programáticas com o PT, afinal governam juntos o Estado do Ceará há vários anos, mas apenas por uma estratégia eleitoral, ou seja, ele já está de olho na construção da sua campanha em 2022 e vê no PT um rival.

Portanto, um encontro com Ciro Gomes, ainda mais sendo comemorado de forma esfuziante nas redes sociais, só teria sentido, desde o ponto de vista da política esquerda socialista, se fosse para definir realmente ações concretas, mobilizações de rua, contra os ataques de Bolsonaro às liberdades democráticas.

Debate programático e eleições 2020

Mas o problema central do post de Robaina e, possivelmente, da própria reunião é a defesa de uma possível coincidência em pontos programáticos “que contestam o poder capital financeiro” com Ciro Gomes.

Uma análise das administrações de Ciro e de seus aliados no Estado do Ceará e de seu programa de governo para as eleições de 2018 refutam por completo esta afirmação.

Para ficar num exemplo, a proposta defendida por Ciro na campanha eleitoral em relação a Previdência Social chegou a defender uma variante de capitalização do sistema, em evidente subordinação aos interesses do mercado financeiro. Ao ponto que a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) chegou a usar o exemplo da proposta de de Ciro para justificar seu voto a favor da contrarreforma da previdência do governo Bolsonaro e da maioria corrupta e reacionária do Congresso Nacional.

Ciro nunca foi de verdade um contraponto aos interesses das grandes empresas e bancos. Ele busca construir essa imagem, mas isto está muito longe de ser uma realidade. Parlamentares do PSOL não deveriam corroborar essa campanha política equivocada.

Existe um evidente pano de fundo na reunião: discussão de possíveis alianças entre o PSOL e o PDT, pelo menos, nas eleições municipais do ano que vem.
A própria Luciana Genro chegou a defender, pela imprensa, que o PDT e o PSB poderiam integrar, se quiserem, a frente de esquerda que está sendo discutida entre PSOL, PT, PCdoB, entre outros partidos, para as eleições da prefeitura na capital gaúcha.

Com este mesmo critério de buscar alianças para além das organizações de origem e base nos movimentos da classe trabalhadora e da juventude, que fez o MES, por exemplo, colocar um empresário como candidato do PSOL ao governo do estado do RN (personagem que já abandonou o partido poucos meses depois da campanha) ou defender que o PSOL apoiasse a candidatura de Marina Silva (naquele tempo, candidata do PV) nas eleições presidenciais de 2010.

Nos próximos dias 26 e 27 de outubro, o diretório nacional do PSOL, vai iniciar às discussões oficiais no partido sobre a política para as eleições de 2020.

Nesta discussão, defendemos que o PSOL defina uma estratégia de apresentação de suas candidaturas às prefeituras, especialmente nas capitais e grandes cidades, no primeiro turno, deixando para o segundo turno uma política mais ampla de voto contra a direita e a extrema direita.

Acreditamos que a tática eleitoral do PSOL deve ser, em primeiro lugar, buscar alianças com movimentos sociais combativos, como MTST e APIB, e partidos da esquerda socialista, PCB, UP e PSTU, que mantiveram independência dos partidos de direita, das grandes empresas e bancos, e que foram oposição sem reservas ao governo Bolsonaro. Devemos partir de acordos em pontos programáticos que expressem uma firme oposição ao projeto de extrema direita que governa o país e vários Estados e que defenda mudanças profundas nas prefeituras que vamos disputar.

Qualquer aliança deve colocar a condição de que nossa frente eleitoral não aceitará a presença de políticos que defendam os interesses dessas corporações e não receberá financiamento eleitoral de grandes empresários ou banqueiros. Só nessas condições é que defendemos a possibilidade de aliança com o PT e o PCdoB.

Neste sentido, defendemos o que fizemos nas eleições presidenciais de 2018: quando apresentamos a chapa Boulos e Guajajara, expressando a aliança do PSOL com movimentos sociais combativos, como o MTST e a APIB e, no segundo turno, chamamos votar em Haddad (PT) para derrotar Bolsonaro.

Entretanto, defender a ampliação desta política de alianças para partidos como PSB e PDT é repetir o mesmo erro cometido pelo PT nos últimos anos, quando defendeu uma política de conciliação de classes e de alianças de partidos que defendem na verdade os interesses das grandes empresas e bancos, mesmo que disfarçado de oposição.

Apesar de nossas grandes diferenças com o PT e o PCdoB, que se mantém nos dias de hoje, colocar um possível acordo eleitoral com esses partidos no mesmo patamar de alianças com partidos como PSB e PDT, é desconhecer a origem e a relação que eles tem até hoje com os movimentos sociais brasileiros.

É neste sentido que nos preocupa a reunião com Ciro realizada pelos dirigentes do MES e a defesa desse tipo de alianças para as eleições municipais de Porto Alegre.

Acreditamos que esta discussão não é só com os companheiros do MES. É um debate que deve ser feito no conjunto do partido. Aplicar essa política é repetir erros anteriores existentes no próprio PSOL como, por exemplo, na participação equivocada do partido na atual prefeitura da Rede (em aliança com partidos da velha direita) em Macapá (AP).

Acreditamos que um novo projeto de esquerda e socialista em nosso país deve ser construído superando pela esquerda os erros da direção do PT e não repetindo uma política de conciliação de classes requentada.