O Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encaminhou, nesta quarta, 23, uma interpelação extrajudicial à deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) após ser chamado de racista. A parlamentar tem cinco dias para explicar por que “ofendeu sua honra” durante a sessão de terça, 22/6. A fala de Lira sobre os indígenas, que motivou a crítica de Talíria, é a seguinte: “Na semana passada, só para ser fiel, existiram e chegaram aqui alguns representantes dos índios. Invadiram o Congresso Nacional, subiram ao teto das cúpulas e ficaram usando algum tipo de droga, fumando e dançando aqui em cima”, disse o deputado.
Os parlamentares debatiam a manifestação indígena que aconteceu na terça, 22, em Brasília e que tentava barrar a votação sobre o projeto de lei 910 na CCJC. Se o Projeto de Lei for aprovado, só será considerado reserva indígena o território comprovadamente ocupado pelos povos originários até a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, além de atacar novas demarcações e facilitar o garimpo e a mineração nos territórios.
A interpelação judicial e a intimidação motivaram um manifesto de solidariedade a deputada (leia abaixo) e um discurso da líder do PSOL na tribuna, Confira abaixo a aula que a deputada e professora deu ao presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro.
O discurso de Talíria
“Primeiro, uma ação como essa, de intimidação, é um ataque a própria câmara. É um ataque à nossa possibilidade de falar, de denunciar, de representar nossos eleitores. E Merece repúdio de todos os deputados em questão.
Segundo, que ao ler, com todo o respeito, presidente Arthur Lira, a interpelação extra-judicial, [baseada no] o conteúdo dela, fica claro que o senhor desconhece o que é racismo.
Portanto eu, como uma das poucas parlamentares mulheres negras, em uma Câmara que tem apenas uma mulher indígena, tenho obrigação de vir aqui e dizer o que é racismo.
Eu poderia sugerir a leitura de Lélia [Gonzalez], de Sueli Carneiro, de Fanon, ou Florestan Fernandes, constituinte desta casa!
Racismo é quando um povo subjuga outro povo, quando uma coletividade é subjugada por qualquer aspecto da expressão de sua vida, suas crenças, cultura, religião, ou mesmo sua expressão física. Isso é racismo!
Nosso país foi fundado sob o sequestro do povo, de vários povos, da África para cá.
Nosso país foi fundado sob sangue indígena, os indígenas que aqui habitavam. os povos originários foram violados a partir da invasão de um povo, de povos brancos, de um país que hoje chamamos de Brasil.
Infelizmente, isso não ficou no passado. Essa lógica colonial ainda permanece com expressões racistas, senhor Presidente, seja implícita ou explicitamente.
Ontem, vossa excelência caracterizou os indígenas que aqui se manifestam como violentos. Disse que há semanas eles estavam tentando invadir a câmara.
Esta é a casa do povo. Os indígenas constituem o povo brasileiro!
Essa lógica de taxar os indígenas como violentos nos remete à ideia de “índio selvagem”, que nós repudiamos. Racismo! O nome disso é racismo.
Vossa Excelência também disse que os “índios”, que eu chamo de Indígenas, estavam usando drogas, fumo, dançando.
Eu quero dizer porque considero isso racista também. Sabemos que há rituais indígenas, nesses rituais há dança, há ervas, e eu não estou falando de tabaco e outras drogas, estou falando de rituais reconhecidos em vasta literatura e garantidos pela constituição brasileira.
São mais de 300 povos indígenas [no país]. Portanto, associar rituais indígenas ao uso de drogas é também racismo.
Eu não tenho dúvida que fui eleita para uma tarefa: A tarefa de não sucumbir a uma lógica que chega com a dor do corpo negro, no corpo indígena, no racismo em que se estruturou o Estado brasileiro, que estrutura as relações sociais brasileiras, e é sistematicamente reproduzido nesta casa.
E Vossa Excelência o reproduziu, com todo o respeito, sentado nesta cadeira que exige muita responsabilidade.
Não aceitarei, senhor Presidente, ser calada, intimidada e ter meu mandato eleito, com mais de 107 mil votos, cerceado. Seja por uma interpelação extra-judicial, que nunca houve nada igual nesta Casa, seja por quaisquer outros meios de intimidação.
Sempre que houver manifestações de racismo, aqui estarei eu, para denunciar ou, como estou fazendo agora, explicar o que significa, Senhor Presidente.
Expliquei por que considerei aspectos racistas da fala do presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre os povos indígenas que lutam contra o PL 490. Não aceitarei ser intimidada com interpelação extrajudicial no exercício do meu mandato. Seguirei denunciando discursos racistas! pic.twitter.com/rjntvL6NHM
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) June 24, 2021
Nota de repúdio à tentativa de intimidação da deputada Talíria Petrone
Leia na íntegra a nota coletiva, disponível para assinaturas.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, enviou uma interpelação extrajudicial à deputada Talíria Petrone demandando que a mesma responda acerca das motivações de sua fala em plenário denunciando o cunho racista das declarações do Presidente da Casa, sob pena de possíveis consequências jurídicas.
A deputada Talíria Petrone denunciou a fala racista de Arthur Lira, que classificou a ação dos indígenas como violenta, acusando-os de usar drogas, fumarem e “dançarem” na Câmara, além de afirmar que os mesmos invadiram a “casa do povo”. Tudo isso de maneira pejorativa, preconceituosa e desqualificante. É a expressão clássica do racismo e o etnocentrismo anti-indígena do país, que os trata como incivilizados, insolentes, desordeiros. Se não chamasse de racismo, chamaria de quê?
Pois bem, precisamos falar de racismo em um país que nunca foi capaz de superar a herança colonial e escravocrata, que o número de mortes violentas é também um retrato da desigualdade racial no país, em que 71,5% das pessoas assassinadas são negras ou pardas, com baixa escolaridade e não possuem o ensino fundamental concluído.
Numa fala em defesa dos povos indígenas em luta – em lutas pelas terras, contra as invasões, pela demarcação de terras indígenas, contra os ataques brutais do governo Bolsonaro – a deputada reforça o quanto o presidente da Câmara desqualifica, rebaixa e secundariza as lutas e a cultura de um povo, na intenção de desvalorizar os processos de resistência em curso.
Podemos falar de Lélia Gonzales, Abdias Nascimento, Florestan Fernandes, Clóvis Moura, Aníbal Quijano para definir racismo, mas de modo geral o racismo acontece quando um grupo é subjugado por outro e é subjugado em toda sua expressão de vida: as suas crenças, a sua visão de mundo, as suas verdades. Quando o presidente da Câmara diz que os indígenas estão sendo violentos, qual a verdade que está sendo imposta? Quem é o violento? Quem luta pela vida e seus direitos ou quem retira terras, contra as demarcações, a favor das invasões de terras e pelo fim dos direitos conquistados com muita luta?
O racismo é tão violento que, ao desumanizar, desqualificar e hierarquizar povos e sujeitos, acaba por impor uma lógica de mundo e vida da classe dominante, no caso branca e burguesa, para o conjunto da sociedade. Isso se agrava diante da tentativa de calar uma deputada negra, socialista, feminista, mulher eleita para defender as pautas e os direitos do nosso povo. A tentativa de silenciamento é a mais evidente prova do racismo institucional.
Nós abaixo assinados, repudiamos qualquer tentativa de racismo e silenciamento das representantes do povo. Seguimos firmes na luta e na denúncia! Não nos calarão!
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