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BRASIL

O verde amarelo da seleção contra a Copa Covid da América

Jaison Xanchão, de São Paulo, SP
CBF/Divulgação

Casemiro, jogador da seleção brasileira, que anunciou a instatisfação dos jogadores com a Copa América

Possivelmente de quatro em quatro anos você se junta com amigos, vizinhos e parentes para assistir aos jogos da Copa do Mundo com a rua e as pessoas cheias de adereços verde amarelos. É indiscutível que o futebol é o maior esporte brasileiro e que, de norte a sul do nosso território, move paixões, alegrias e tristezas, aos milhões. Torcer para a seleção é um rito de socialização comum, mas desta vez não será assim. E é por isso que vivemos um momento histórico nos últimos dias com a possibilidade de boicote dos jogadores a Copa COVID da América.

Está difícil torcer para seleção dentro de campo 

As duas últimas décadas têm sido difíceis para os amantes da seleção brasileira. Dentro de campo, fracassos sucessivos, como eliminações em copas, fazendo com que desde 2002 o Brasil não vá a uma final do torneio, e o trágico 7 x 1 para Alemanha em plena Copa do Mundo no Brasil ainda amargam a relação entre os torcedores e a seleção masculina de futebol. Soma-se a isso a saída cada vez mais prematura dos craques para o futebol europeu, tornando quase nula a identificação de alguns jogadores com o nosso povo.

Se a qualidade técnica dos jogadores ainda se mantém, o mesmo não podemos falar do futebol jogado dentro de campo. Este não é um fenômeno apenas do Brasil, o futebol europeu com suas ligas milionárias leva os melhores jogadores no velho continente. Os recentes torneios criados entre as seleções europeias impedem confrontos amistosos de maior qualidade entre outras seleções. Enquanto eles jogam grandes jogos entre si, cabe a nós aqueles amistosos com seleções de baixa qualidade que servem muitas vezes para encher os bolsos dos “donos” da CBF. 

CBF, a instituição dos escândalos e corrupção

Se dentro de campo os resultados não ajudam e o fantasma do 7 x 1 ainda nos assombra, a situação fora de campo é bizarra. A CBF que estampa as cinco estrelas dos nossos títulos mundiais, mancha a tradição do nosso futebol e sem dúvida é uma das entidades mais corruptas do país. Puxando na história recente podemos lembrar do ex-presidente José Maria Marin, preso nos EUA, passando por Ricardo Teixeira, corrupto de carteirinha, e o atual presidente, Rogério Cabloco, que sofreu uma denúncia de abuso sexual e moral de uma funcionária nesta semana. Precisamos exigir o afastamento do presidente e a investigação imediata da denúncia. 

A temperatura que já estava quente nos bastidores pegou fogo com a declaração de Casemiro. Segundo o volante e capitão da equipe no jogo contra o Equador, os jogadores querem e vão se pronunciar logo após o jogo da próxima terça-feira pelas eliminatórias da copa de 2022. O jogador deixou claro que mesmo respeitando as hierarquias, todo mundo sabe a posição do grupo, contrária a realização do torneio no Brasil. 

O que está em jogo, com o perdão do trocadilho, além da não participação da seleção na Copa América do Brasil é a possibilidade de se colocar contra uma decisão autoritária de Bolsonaro e Rogério Cabloco. Se os jogadores brasileiros resolverem boicotar o torneio, além da posição correta de não compactuar com o absurdo de um torneio internacional no país em meio a uma pandemia que já tirou a vida de quase 500 mil brasileiros, ainda entrarão para a história, agora por sua posição fora de campo. 

A disputa política em torno do verde amarelo

A posição política que pode ser tomada pelos jogadores e comissão técnica pode resgatar a simpatia dos brasileiros comprometidos com a democracia e as causas sociais. Não se trata de um ufanismo bobo “eu sou brasileiro com muito orgulho e com muito amor”. A questão é que desde 2015 a camisa da seleção brasileira que virou símbolo do que há de mais atrasado em nossa sociedade e hoje, pela posição de jogadores e técnico, pode ser um símbolo de respeito à vida. O fato de ter jogadores da seleção se posicionando dessa forma é relativamente novo no cenário recente e tem causado muitos debates nas redes sociais. Passeando rapidamente é possível encontrar xingamentos de todos os tipos, mas o principal “insulto” a Tite, Casemiro e até Neymar é o de comunistas. 

Vejam só a que ponto chegaram os “patriotas” da FIESP que tomaram de assalto a camisa da seleção como seu símbolo fazendo arminha e gritando enfurecidos “minha bandeira jamais será vermelha”. Será que agora todo patriotismo e orgulho da amarelinha penta campeã foi por água abaixo? O orgulho de ser brasileiro e ostentar o símbolo nacional não faz mais sentido porque os jogadores resolveram se posicionar contra a Copa América no meio de uma pandemia? 

A verdade é que o sentimento capitalizado por aqueles que foram às ruas trajados de verde amarelo nunca foi pró-Brasil de fato. Quer dizer, nunca foi pró-Brasil de verdade, o povo pobre, dos negros, das mulheres, dos LGBTQI+ e da imensa maioria que nos constitui enquanto povo.  O que eles defendem é o autoritarismo e um projeto de Brasil que excluía a diversidade. Ser patriota em um país como o Brasil é defender a Amazônia, o SUS, a universidade pública, o investimento em Ciência, ações que promovam a igualdade social, o direito de uma Previdência social para os trabalhadores e um futuro digno para a juventude. 

Isso passa longe do que querem para o nosso país! No projeto político deles não cabe o povo trabalhador que na Copa do Mundo pinta a rua, faz festa, torce pela seleção e durante algum momento vê no futebol um alento para os seus sofrimentos diários. Para eles, sujar o sapatênis e a bermuda cáqui é um horror. Essa gente não tem nada a ver com o nosso povo, ao contrário, tem nojo dele. 

Casemiro talvez não saiba, mas a solidariedade é revolucionária!

A imensa maioria dos jogadores que hoje estão na seleção tem histórias de vida sofridas como a maioria dos brasileiros. Alguns sonhavam vestir a camisa da seleção passando fome na infância e sem acesso à educação, cultura, saúde e lazer. Muitos, por competência ou sorte, saíram do Brasil muito jovens vendidos para grandes clubes e vivem numa rotina de treinos e jogos, mas cercada de uma realidade de luxo e status de estrela.

Evidentemente que são privilegiados e poderiam escolher mais uma vez a omissão. Dessa vez parece que não. Escolheram a empatia com quem perdeu familiares e pessoas queridas, a solidariedade com quem sai todo dia para trabalhar nos transportes públicos lotados e por algum motivo sentiram que a vida, a segurança dos outros e deles mesmos vale mais que um torneio.

Se um dia foram cobrados por não se posicionar, hoje, mesmo com diversas limitações de compreensão de mundo e do seu papel enquanto ídolos podem fazer história afrontando a CBF, os patrocinadores, a CONMEBOL, e o próprio Bolsonaro ao se negar a jogar. 

Espero que isso aconteça, que sirva de espelho para tantos outros que não puderam fazer ou não tiveram coragem e que seja o primeiro passo para que eu nunca mais seja confundido com um reacionário ou criticado por gostar da seleção e vestir a camisa verde e amarela.