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BRASIL

Massacre do Jacarezinho é recado de grupos políticos para abrir mais espaço para a milícia

José Cláudio Souza Alves*

Fuzis desmontados apreendidos na casa de Ronie Lessa, pistoleiro acusado de matar Marielle Franco em 2018: poder bélico da milícia

O que tivemos no Rio de Janeiro com essa operação é o que já vem acontecendo na Baixada Fluminense há bastante tempo. Mesmo com a ADPF do STF, que suspendeu as operações no período da pandemia, elas vêm acontecendo já algum tempo, provocando mortes seguidas numa área específica da Baixada, o Complexo do Roseiral, em Belford Roxo, onde desde 11 de janeiro já houve 20 mortos. Vale do Ipê, Lote 15, Itaipu e Bacia são comunidades que vêm sofrendo várias operações diariamente em função da colocação de um destacamento do 39º BPM naquela região. Isso que está acontecendo no Rio é a continuidade de um descumprimento dessa ADPF porque simplesmente as polícias civil e militar não respondem a ninguém. Têm autonomia e se comportam de acordo com os interesses delas. E nos dois casos, no Roseiral e no Jacarezinho, são operações contra uma facção específica do tráfico, que é o Comando Vermelho. Isso vem acontecendo há anos seguidos. Sempre foi o objetivo fundamental do aparato policial, que é afetar e destruir efetivamente essa facção. Esse é um projeto antigo e consolidado. Para a instalação de novos projetos do crime organizado naquelas áreas.

Tanto no caso do Roseiral como do Jacarezinho, o interesse é abrir espaço para os interesses da milícia. A polícia jamais fez uma operação dessas em áreas de milícias. A milícia já ocupa 57% do território da cidade. Jacarezinho virou um ponto chave. Por trás dessa ação, há interesse de um grupo armado – a milícia – que busca o controle eleitoral dos grupos políticos que estão no poder no Rio de Janeiro. Outra facção beneficiada será o Terceiro Comando Puro, que sempre negocia com a milícia. Já o Comando Vermelho é um óbice aos interesses desses grupos políticos, não se sujeita. Não se subordina porque tem suas próprias interações dentro do Estado. Daí há uma operação desse porte contra o Comando Vermelho, a favor da ampliação das milícias.

Em outubro de 2020, houve uma operação policial de porte na Baixada Fluminense, com cinco mortos em Nova Iguaçu e 12 mortos em Itaguaí. Foram mortos membros do bando do Ecko. A um mês das eleições. Foi um momento de ultrapassagem, indicando que fariam isso na direção do tráfico. Foi apenas um truque. O discurso hegemônico bandido bom é bandido morto é o que tem prevalecido. Seis meses depois, temos uma consolidação real das operações de massacre ao Comando Vermelho. Essa ação no Jacarezinho foi brutal, desrespeitando a lei e a norma do STF. É um ato de terrorismo do estado. Um sinal claro de que alianças entre o projeto poder político do governo e da prefeitura se associam. São grupos assassinos e cães de guarda dessa estrutura de poder em expansão no Rio com maior intensidade. Sempre foi assim, de acordo com o mapa da violência feito por pesquisadores. A operação do Jacarezinho, portanto, é um recado desses grupos armados: “Nós controlamos, vamos matar, pouco importa ADPF, STF, e atuar em função dos interesses do crime organizado chamado milícia”.

Clique aqui e saiba mais sobre a operação que matou 12 que seriam ligados à milícia

*José Cláudio Souza Alves é sociólogo e autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”