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BRASIL

Roberto Leher: O PL 5595 e a educação na mira da guerra cultural da extrema direita

Roberto Leher*, do Rio de Janeiro, RJ
Arquivo / Luiz Felipe Albuquerque

Breves notas sobre o Parecer proferido em plenário ao PL No 5.595, de 2020, de autoria das Deputadas PAULA BELMONTE (Cidadania), ADRIANA VENTURA (Novo) e ALINE SLEUTJES (PSL), Relatora: Deputada JOICE HASSELMANN (PSL)

Tragicamente, o tema da abertura ou fechamento das escolas deixou de ser um tema da saúde pública, a ser decidido com base em estudos científicos bem elaborados, contextualizados nos territórios, observando as variantes do vírus e o uso de indicadores reconhecidos mundialmente como necessários para a tomada de decisão sobre o tema. Como, infelizmente, o Ministério da Saúde e da Educação, bunkers negacionistas, não elaboraram normas científicas para balizar o tema é interessante incorporar os balizamentos adotados pelo CDC nos EUA. O que deve ser observado para decidir sobre a volta às aulas presenciais? a) taxa de transmissão comunitária, número de novos casos por 100.000 habitantes deve ser inferior a 49 por 100 mil habitantes, nos últimos sete dias; b) os indicadores de medidas sanitárias nas escolas; c) taxa de contágio R menor do que 1, idealmente menor que 0,5; d) disponibilidade de leitos clínicos e de CTI (25% no mínimo); e) redução de 20% ou mais no número de óbitos e casos da síndrome respiratória aguda grave; e) taxa de positividade para Covid menor do que 5%; f) capacidade para detectar e testar por meio de RT-PCR os estudantes, professores, trabalhadores das escolas e famílias (rastreamento) e, também, do entorno das escolas, alcançando pelo menos 80% da população do município . No caso brasileiro, é preciso agregar: existência de oxigênio nas unidades de saúde, garantia do kit intubação e de infraestrutura para enterrar os milhares de mortos por dia com dignidade.

A aprovação da CPI da pandemia no Senado atesta que NENHUMA dessas condições é atendida no Brasil como, ademais, comprova a totalidade dos estudos independentes sobre a situação da pandemia no país. Com o agravante de que sequer a vacinação está sendo universalizada. Longe disso.

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Como se depreende do PL n.5.595/2020, elaborado pela extrema direita – de autoria das Deputadas PAULA BELMONTE (Cidadania), ADRIANA VENTURA (Novo) e ALINE SLEUTJES (PSL), PL relatado pela representante da extrema direita de São Paulo, JOICE HASSELMANN (PSL), o tema da volta às aulas presenciais está inserido na guerra cultural empreendida pela extrema direita bolsonarista e é um primor de “negacionismo”.

O PL simplesmente transforma a educação em “serviço” essencial o que, no senso comum, poderia ser visto como um reconhecimento da importância da educação. Mas não é isso. Objetiva impedir a suspensão de aulas pelas prefeituras e estados (o tal de estado de sítio mencionado por Bolsonaro) e, principalmente, interditar a deflagração de greves sanitárias em defesa da vida (e as futuras greves no setor educacional). Incrivelmente, atribui ao governo Federal, que professa radical negacionismo, a definição de critérios para justificar o fechamento em virtude de condições epidemiológicas. É de causar perplexidade tal definição, considerando que o governo Federal milita, dia após dia, contra o isolamento social e que inseriu a evolução da pandemia em sua estratégia política autocrática. O PL comprova o realinhamento da extrema direita negacionista (PSL, Novo, Cidadania) com o governo Bolsonaro.

O PL tem um objetivo inequívoco: exigir a abertura das escolas, mesmo em condições de genocídio, como ocorre atualmente no Brasil com quatro mil mortos todos os dias, grande parte deles sem ter, sequer, o direito aos medicamentos que poderiam aliviar a intubação e, cada vez mais, sem sequer acesso ao oxigênio. Em todo país o sistema de saúde colapsou – já não existem leitos para os pacientes graves e muitos morrem em casa sufocados.

Para referenciar o PL as autoras se valem de um artifício que é uma homenagem ao negacionismo ilustrado: citam uma pesquisa contextualizada nos EUA que aborda a transmissão doméstica e que não consubstancia diretamente o assunto em exame.

É necessário ressaltar que o curso recente da situação da pandemia no Brasil e nos EUA, semelhantes no período Trump, está em franca mudança: nos EUA, 50% das escolas ainda não puderam reabrir, as que se encontram abertas estão com um número reduzido de estudantes, a vacinação alcança 3 milhões de pessoas por dia, ultrapassando 187 milhões de vacinas (56 a cada 100 habitantes), ao passo que, no Brasil, apenas 30 milhões receberam a vacina (14 a cada 100 habitantes), pouquíssimos destes receberam a segunda dose.

A segunda pesquisa citada se refere à transmissão em escolas do Estado de São Paulo , com base em dados de outubro e novembro de 2020, e que não permite (e nem pretende fazer) inferências sobre a conveniência da abertura das escolas. O estado de SP, quatro a cinco meses após a pesquisa, chega a ter mais de mil mortos por dia e, nesse momento, encontra-se, em sua quase totalidade, em completo colapso. Em São Paulo, a incidência de Covid em professores é três vezes superior à média da população, conforme relatado em matéria divulgada hoje .

Para camuflar o seu negacionismo, a extrema direita (e não apenas) tem utilizado estudos sem observar aspectos epidemiológicos mais complexos, como as variantes genéticas, as formas de circulação do vírus nas classes sociais e a situação objetiva das escolas. É uma estratégia do negacionismo ilustrado: foi assim nos pronunciamentos de que as escolas podiam ser reabertas em Manaus, o primeiro estado a abrir as escolas em agosto, pois a população já havia adquirido a ‘imunidade de rebanho’ . Utilizar artigos não conclusivos ou que não permitem generalizações é uma tática recorrente do negacionismo. A realidade em Manaus, contudo, nos mostrou outra situação: a cidade entrou em devastador colapso em dezembro e janeiro com sufocamento de vidas preciosas. É o mesmo procedimento temerário.

Para que as escolas possam ser reabertas futuramente com segurança é preciso muitíssimo mais do que máscaras

Para que as escolas possam ser reabertas futuramente com segurança é preciso muitíssimo mais do que máscaras (na vida real das escolas públicas e privadas brasileiras quase 100% das máscaras utilizadas pelos estudantes e trabalhadores não atendem aos requisitos internacionais de segurança) e álcool em gel.

O governo Biden alocou US$ 122 bilhões para as escolas, sendo que US$ 81 bilhões já foram autorizados para adaptar espaços, construir novas salas de aula e assegurar ventilação natural, filtragem de ar, lavatórios, novos ônibus para transportar os estudantes e, sobretudo, contratar novos professores, assistentes sociais e enfermeiros para atuar nas escolas. Nada disso está sendo feito no Brasil. Como melhorar a infraestrutura das universidades federais se não existe mais recursos de investimento destinados às universidades no orçamento da União e o custeio é 30% inferior ao de 2014?

Em suma, é um projeto para criminalizar a defesa da vida. Nada tem de apreço à educação básica e superior. Não propõe rigorosamente nada para alterar a terrível situação de prolongamento da pandemia e para alterar as condições objetivas de funcionamento das escolas e universidades brasileiras. É pura guerra cultural.
Rio de Janeiro, 14 de abril de 2021.

*Professor da UFRJ. Texto publicado originalmente no Facebook.

 

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