(Em memória de Jonas José e Ivan Rocha)
O golpe civil-militar de 1964 foi celebrado ontem pelo governo de Jair Bolsonaro como momento em que “as Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País”. É o que diz a ordem do dia do Ministro da Defesa recém-empossado, Walter Braga Neto. Não surpreende que os agentes do atual governo comemorem uma data que para milhares de brasileiros é sinônimo de mentira, perseguição e morte. Afinal de contas, são as mentiras negacionistas que eles contam que estão contribuindo para levar à morte centenas de milhares de brasileiras(os) na pandemia.
Celebram a mentira, pois a consumação de seu golpe deu-se não em 31 de março, mas em 1º de abril. Foi nesse dia que, após as primeiras notícias do golpe se espalharem pela cidade, as ruas do centro do Recife viram estudantes marcharem da Faculdade de Engenharia rumo ao Palácio do Campo das Princesas para defender a integridade do mandato do governador Miguel Arraes, que se recusou a entregar o cargo.
Tanques de guerra, liderados pelos golpistas, ocupavam a Praça da República, a Dantas Barreto, o Parque Treze de Maio, a Praça do Derby, o Sítio da Trindade (onde funcionava a sede do MCP), entre outros locais estratégicos. A sede do jornal Última Hora, que anunciava na manchete o apoio ao presidente João Goulart, fora invadida e censurada, com seus jornalistas presos. Na rádio, Arraes anunciava: “estou assim por força da ocupação do palácio, feita a luz do dia enquanto se registravam negociações, impedido de exercer o mandato, numa violação da Constituição do Estado e da Constituição Federal. Prefiro isso a negociar e a vê-lo manchado. Porque jurei ser digno das gloriosas tradições do povo de Pernambuco.”
Aos gritos de “Abaixo o golpe!”, o grupo de estudantes, na esquina da Avenida Dantas Barreto com a Rua Marquês do Recife, foi confrontado por uma barricada do IV Exército, que realizou tiros para o alto e exigiu que a passeata se dispersasse, o que foi respondido com pedras, cocos vazios e mais palavras de ordem em defesa da legalidade democrática. Os militares então começaram a atirar. No local, próximo à Praça do Diário, vários dos manifestantes foram feridos por disparos que levariam à morte dois secundaristas: Ivan Rocha Aguiar e Jonas José de Albuquerque Barros. Enquanto isso, a Assembleia Legislativa era cerceada e Miguel Arraes era levado do Palácio do Governo à prisão.
Setores da esquerda pernambucana tentavam organizar a resistência do interior. Gregório Bezerra relata em suas Memórias que esteve nesse mesmo dia no Palácio, incumbido pelos trabalhadores rurais da Mata Sul da tarefa de conversar com o governador sobre as ações de resistência ao golpe. Mas naquela altura dos acontecimentos, o governador já tinha sido preso, sindicatos ocupados pelo exército, opositores perseguidos e a ditadura já havia derramado o sangue de suas primeiras vítimas no Recife.
Ivan Rocha Aguiar nasceu em Triunfo, era estudante secundarista e preparava-se para cursar Engenharia. No Recife, participou do Movimento de Cultura Popular (MCP) durante a prefeitura de Miguel Arraes. Era filiado ao PCB. Morreu aos 23 anos. Jonas José de Albuquerque, também estudante secundarista, dirigia o Grêmio Estudantil do Ginásio Pernambucano e participava da Associação Literária Machado de Assis. Morreu aos 17 anos.
As circunstâncias da morte de ambos foram analisadas pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC), que recomendou no relatório final de seus trabalhos a retificação da certidão de óbito de ambos, para que se registre o caráter político de suas execuções. A CEMVDHC recomendou também que os agentes envolvidos fossem responsabilizados.
Todos os anos, a Associação Pernambucana de Anistiados Políticos – APAP, junto ao Fórum Permanente da Anistia, realiza na Praça do Diário um ato em repúdio ao golpe e homenageando os estudantes que foram executados próximo dali no 1º de abril de 1964. Participam militantes de várias gerações, desde os membros da associação de anistiados, até jovens, estudantes e integrantes dos diversos partidos do campo da esquerda. O ato reivindica também a punição dos torturadores da ditadura, injustamente contemplados na Lei da Anistia.
Em 2021 escrevemos este texto para saudar a memória de Ivan Rocha e Jonas José, na esperança de que muito em breve as ruas possam ser reocupadas pela luta por memória, verdade e justiça. Pelas vítimas da ditadura militar de ontem e das políticas genocidas do presente de hoje. Jonas e Ivan, presentes! Ditadura nunca mais!
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