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MUNDO

Eleições na Bolívia: contundente vitória contra os golpistas e a extrema direita

Joallan Rocha, de Salvador, BA
Telesur

“Te han sitiado corazón y esperan tu renuncia,
los únicos vencidos corazón, son los que no luchan
no los dejes corazón que maten la alegría,
remienda con un sueño corazón, tus alas malheridas”
(Mercedes Sosa)

Perseguições, encarceramento, exílio, assassinatos, massacres e uma implacável campanha midiática não foram suficientes para consolidar e normalizar o Golpe de Estado na Bolívia. Aqueles que resistiram heroicamente nas ruas, barricadas e bloqueios não sucumbiram ao medo e, mesmo silenciosamente, contrariando todos os prognósticos e pesquisas, impuseram a mais dura derrota aos golpistas e à extrema direita boliviana. Um ano após o governo Evo Morales ser derrubado por um Golpe de Estado, o Movimento al Socialismo (MAS) retorna ao poder, com um amplo apoio popular nas eleições deste domingo, 18 de outubro de 2020. A participação eleitoral foi de 87%, superior ao índice das eleições de 2005, quando Evo Morales foi eleito pela primeira vez.

Os resultados preliminares apontam uma vitória expressiva do binômio do MAS, representado por Luis Arce e David Choquehuanca, com quase 53%. O MAS pode obter uma maioria absoluta no Senado e na Câmara dos Deputados. Luis Arce alcançou a vitória em cinco dos nove departamentos (estados), obtendo uma votação superior a de Evo Morales nas eleições de 20 de outubro de 2019, quando este ganhou no primeiro turno com 47% dos votos. A resposta popular nas urnas foi implacável contra todos aqueles que protagonizaram o golpe de Estado que derrubou Evo Morales.

Resultados preliminares da eleição boliviana

Resultados preliminares da eleição boliviana

 

A derrota da extrema direita e dos golpistas

A desmoralização nas fileiras da direita e da extrema direita é visível. O governo de Jeaninne Anez está suspenso no ar e prepara a entrega do poder ao novo presidente em novembro de 2020. Em declaração à imprensa, Anez reconheceu a vitória do MAS, “Aún no tenemos cómputo oficial, pero por los datos con los que contamos, el Sr. (Luis) Arce y el Sr. (David) Choquehuanca han ganado la elección. Felicito a los ganadores y les pido gobernar pensando en Bolivia y en la democracia. O seu ministro Arturo Murillo, principal responsável pela campanha de perseguição e ódio ao MAS e a Evo Morales, renunciou logo após serem divulgados os primeiros resultados.  

O candidato Carlos Mesa, segundo colocado, também reconheceu a derrota e o triunfo do MAS em uma conferência, El resultado de ese conteo rápido es muy contundente y muy claro, la diferencia entre el primer candidato y nosotros, Comunidad Ciudadana, es amplia. Mesa será a principal referência da oposição de direita ao novo governo, no entanto, sua liderança sai enfraquecida do processo eleitoral, com uma votação inferior à obtida em 2019. 

Luis Fernando Camacho, candidato da extrema direita, e um dos protagonistas do golpe de 10 de novembro de 2019, amargou a terceira posição com 14% dos votos, ganhando apenas no departamento (estado) de Santa Cruz. O desastre eleitoral de Camacho se expressa na ínfima votação que alcançou no Departamento de La Paz, com apenas 1% dos votos. 

O Secretário Geral da OEA, Luis Almagro, um dos artífices da queda de Evo Morales, ao questionar os resultados das eleições anteriores sem mostrar nenhuma evidência concreta de fraude, também emitiu um comunicado através do Twitter, reconhecendo a vitória de Luis Arce, “El pueblo de Bolivia se ha expresado en las urnas. Felicitamos a Luis Arce y David Choquehuanca deseando éxito en sus labores futuras.

As causas da vitória eleitoral de Luis Arce

A contundente vitória eleitoral do MAS enterra de uma vez a narrativa construída pela direita e extrema direita boliviana de fraude nas eleições de outubro de 2019. Esta narrativa foi abraçada pelas classes médias tradicionais e serviu de combustível para uma mobilização reacionária que culminou em um golpe de Estado respaldado pelas Forças Armadas e a Polícia boliviana. 

Alguns fatores contribuíram para a expressiva vitória de Luis Arce, mesmo em um cenário completamente adverso, com importantes lideranças do MAS presas, processadas e o seu principal líder exilado na Argentina. Evo Morales e o MAS, mesmo acumulando um crescente desgaste ao longo dos 13 anos de governo, ainda são a principal referência política para as camadas populares, os povos indígenas, os camponeses e a classe operária na Bolívia. Esta força social e política rearticularam-se após o golpe, mesmo sofrendo uma implacável perseguição do governo golpista. 

Outro aspecto importante a ser destacado foi o respaldo que a candidatura de Luis Arce obteve em algumas parcelas das classes médias urbanas nas grandes cidades que haviam se distanciado de Evo Morales, a partir de 2016. Esta “nova classe média” de ascendência Aymara e Quéchua consolidada durante os mandatos de Evo Morales beneficiaram-se pelo ciclo de crescimento da economia boliviana durante os últimos 13 anos. Luis Arce, ministro de Economia de Evo Morales desde 2006, foi identificado como o mentor destas políticas e uma esperança de retorno da estabilidade econômica e da redução da desigualdade e da pobreza.  

O rápido desgaste do governo ilegítimo de Jeannine Anez foi outro fator determinante para o triunfo do MAS. Este desgaste foi potencializado pelo desastre das políticas de enfrentamento à pandemia, as sucessivas manifestações preconceituosas e racistas de membros do governo e o crescente autoritarismo, que favoreceram uma rápida rearticulação do apoio ao MAS. Apesar de Luis Arce não ser uma liderança política carismática, oriunda dos movimentos sociais, e da base do MAS querer outro nome ligado aos movimentos indígenas, sua candidatura foi vista como herdeira dos melhores momentos da gestão econômica do MAS, baseada no fortalecimento do Estado e na ampliação das políticas redistributivas.  

As pesquisas apontavam um provável cenário de segundo turno, o que dificultaria uma possível vitória do MAS, no entanto, a maioria dos indecisos, que representavam aproximadamente 20% dos entrevistados, concentrou seu voto na candidatura de Luis Arce. Este fenômeno está sendo chamado por alguns analistas de “voto oculto” (1) e se expressou através do silêncio de uma parcela da população, que, temerosa pelo clima de perseguição e repressão promovidas pelo governo golpista, não revelava abertamente suas opções políticas nas pesquisas. 

Os desafios do novo governo

Com um perfil conciliador e pragmático, Luiz Arce enfrentará grandes desafios, sobretudo, a deterioração da situação econômica do país, os altos índices de desemprego e o caos na saúde pública. As primeiras declarações do novo presidente apontam para uma política de colaboração e acordo nacional: “vamos a construir un gobierno de unidad nacional, vamos a trabajar y vamos a reconducir el proceso de cambio sin odios, y aprendiendo y superando los errores como Movimiento Al Socialismo

Para enfrentar os efeitos da pandemia, sua prioridade é implementar o “Bono contra a fome”, aprovado pela Assembleia Legislativa e que não foi executado pela presidenta interina, Jeannine Anez, “paralelamente vamos a empezar la reconstrucción de la producción, que eso también ha sido afectado por las medidas que el gobierno actual ha tomado. Estaremos en línea con lo que hemos venido planteando al país[…]. Segundo Arce, estas medidas irão beneficiar “a la micro, a la pequeña, a la mediana y a la gran empresa, y también al sector público y a todas las familias bolivianas que han estado durante once meses viviendo en la incertidumbre”

Quem é Luis Arce Catacora

O presidente eleito da Bolivia nasceu em 1963 na cidade de La Paz. Formou-se em Economia e atuou como funcionário público do Banco Central da Bolívia e docente universitário. Em 2006, assumiu o Ministério de Economia e Finanças Públicas no governo Evo Morales, onde permaneceu até 2017. Afastou-se do governo para tratar de um câncer, retornando em seguida para assumir novamente o Ministério até o Golpe de Estado de 10 de novembro de 2019. Foi um dos principais artífices da política econômica e fiscal do governo, sendo elogiado até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional. Durante a gestão de Arce à frente do ministério, a Bolívia registrou os maiores índices de crescimento econômico da região, uma redução do desemprego, aumento real dos salários e diminuição dos alarmantes índices de pobreza e extrema pobreza. Durante os 13 anos do governo Evo Morales, o PIB boliviano saltou de 9,6 bilhões de dólares em 2005 para 43 bilhões em julho de 2019. A escolha de Arce como candidato a presidente foi feita diretamente por Evo Morales, que buscava um nome identificado com os logros econômicos de sua gestão e pudesse recuperar o apoio das classes médias. O seu acompanhante de chapa, David Choquehuanca, é uma importante liderança dos povos indígenas Aymaras, do altiplano boliviano.

Quem é David Choquehuanca 

A segunda liderança mais importante do MAS nasceu em 07 de maio de 1961. Nos anos 1980, como dirigente estudantil, se aproximou da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB). Em 1984, conheceu o líder dos camponeses produtores de folha de coca, Evo Morales. No ano de 1985, David Choquehuanca se deslocou a Cuba para estudar na Escola Nacional de Formação de Quadros, onde conheceu pessoalmente Fidel Castro. Em 2006, tornou-se ministro de Relações Exteriores do governo Evo Morales, cargo que ocupou até 2017, quando foi designado Secretário Geral da Alternativa Bolivariana para América (ALBA). Com o golpe de Estado e o consequente exílio e inabilitação da candidatura de Evo Morales, Choquehuanca foi apontando como o candidato natural a presidente pelas bases do MAS. No entanto, Evo Morales optou pela candidatura de Luis Arce, o ex-ministro de Economia do seu governo. Nestas eleições, Choquehuanca tornou-se o segundo vice-presidente indígena na história boliviana.

NOTAS

1 – Ver artigo de Fernando Molina. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-10-19/luis-arce-sera-o-proximo-presidente-da-bolivia-com-o-apoio-dos-indigenas-e-do-voto-oculto-da-classe-media.html