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Afinal, quem é a classe trabalhadora?

Iza Lourença, Afronte (MG) e Paula Nunes, Afronte (SP)
Foto: Roberto Parizotti/FotosPublicas

Em primeiro lugar, é importante considerar que a categoria abstrata “classe trabalhadora” é um processo em contínua transformação, um filme e não uma foto. Ela pode ser definida a cada momento da luta de classes, ou seja, da história, acompanhando as transformações do sistema capitalista. Isso quer dizer que, apesar do conceito “classe trabalhadora” poder ser aplicado tanto no presente quanto no passado, a classe trabalhadora brasileira não é a mesma nestes dois momentos. A categoria “classe trabalhadora” era uma durante o getulismo, foi outra na década de 1980 e é diferente hoje.

Nesse ínterim, ao passo que o conceito de “classe trabalhadora” é abstrato, a classe trabalhadora, em si, é concreta. É formada por um sem fim de diferentes localizações na cadeia produtiva e reprodutiva, de diversos locais e condições de moradia, de identidades raciais, regionais e culturais. Distanciamo-nos, assim, de qualquer visão de mundo que oponha categorias como identidade e classe, raça e classe, sexualidade e classe. Não reivindicamos nem o particularismo identitário, que vive da segmentação eterna e cíclica de subjetividades e experiências individuais, nem a afirmação metafísica de um suposto proletariado “fantasmagórico” sem cor e sem CEP que simplesmente não existe.

Na busca por uma singela contribuição, nesse curto texto, a essa tão importante questão, afirmamos que a classe trabalhadora brasileira é negra, feminina e sexualmente diversa. Sim, a classe trabalhadora de nosso país é mais negra do que branca. Em geral, esta classe trabalhadora está disposta nas grandes cidades, com grande concentração nas periferias. Quanto mais longe do centro, mais negra ela é; bem como são mais precarizadas suas condições de trabalho e de moradia.

Ao interseccionar racismo e gênero, encontramos, na base da pirâmide social do capitalismo brasileiro, a mulher negra. Além de ocupar os postos de trabalho mais precarizados na sociedade, a mulher negra é a maior responsável pelas tarefas de cuidado; pelo trabalho doméstico, em sua casa ou nas de outras famílias; pela limpeza de universidades e hospitais. Esse trabalho, que não gera mais valia, embora seja tão precarizado, é, na mesma medida, essencial para a manutenção e reprodução da vida humana.

Quando dizemos que a classe trabalhadora está em constante processo de transformação, é porque – no Brasil e no mundo – a chamada uberização do trabalho avança. Isso quer dizer que uma imensa massa de proletários está submetida a um regime de trabalho sem direitos ou proteção social. Não é nenhuma surpresa, para uma pessoa atenta, o resultado recente da pesquisa que demonstrou que 71% dos entregadores de aplicativos são jovens negros.¹ Destacamos que esse emergente setor social vem dando os seus primeiros passos nas lutas sociais e em sua auto-organização, inclusive, germinando traços fundamentais de solidariedade internacional entre os trabalhadores.

Hoje, no Brasil, existem mais trabalhadores informais do que formais. Isso significa que as organizações sindicais – transformadas politicamente na década de 1980, a partir da criação de duas das principais centrais sindicais – precisam ter atenção para a incorporação ativa de trabalhadores formais e informais. Ao não fazê-lo, corremos o risco de considerar o mero corporativismo como “classismo” ou consciência de classe, pois não é possível a reivindicação, enquanto organização prioritária dos trabalhadores, de instrumentos superestruturais que organizam apenas um setor minoritário da classe trabalhadora. Em suma, é preciso dizer que não há classismo sem que exista, em seu DNA, o antirracismo e a luta contra a precarização do trabalho dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora.

Justifica-se isso pelo entendimento de que a relação entre raça e classe no Brasil não pressupõe a subordinação de uma a outra, mas sim de sobreposição.² A chave para entender o Brasil está em sua desigualdade entre as classes e entre as raças; portanto, a chave para compreender a desigualdade brasileira está, por sua vez, no processo histórico da formação de sua classe trabalhadora, que tem o racismo e a escravidão como fatores fundamentais.³ A particularidade da classe trabalhadora brasileira está no fato de que a intersecção entre raça e classe, aqui, mais do que em qualquer outro lugar, é antagônica ao Capital e à sua nova fase: o neoliberalismo.

A crise do capitalismo mundial nos coloca mais uma vez em uma encruzilhada dramática. A burguesia, para aumentar sua taxa de lucro, aposta no rebaixamento do patamar do nível de vida do proletariado mundial, cortando o financiamento dos direitos sociais a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio de juros da dívida pública.4 Uma das principais armas usadas pela classe dominante nessa incursão sobre a vida humana é o racismo.

É por acreditarmos que a classe dominante e seu projeto não são invencíveis que entendemos que parte importante do desafio da nossa geração de jovens anticapitalistas é, por um lado, o combate à negação da classe como categoria analítica e prática – já que isso só interessa a classe dominante5 – e, por outro, combater o conservadorismo corporativista que impede parte da esquerda e dos instrumentos da classe trabalhadora de assimilar o combate ativo ao racismo, atrasando o processo de tomada de consciência de classe. Se é urgente um mundo novo, ele só poderá se realizar em uma luta a partir da unidade, com consequências programática, política e prática, entre raça e classe.

BIBLIOGRAFIA

  1. ALMA PRETA. Entregadores de aplicativo convocam paralisação e vão às ruas nesta quarta-feira. Disponível em: https://almapreta.com/editorias/realidade/entregadores-de-aplicativo-convocam-paralisacao-e-vao-as-ruas-nesta-quarta-feira. Acesso em: 9 ago. 2020.

  2. ALMEIDA, Silvio; Racismo Estrutural. 1. ed. São Paulo: Polen, 2019.

  3. BLOG ESQUERDA ONLINE. Uma nota sobre a desigualdade social no Brasil. Disponível em: https://blog.esquerdaonline.com/?p=7800. Acesso em: 9 ago. 2020.

  4. ALMEIDA, Silvio; Racismo Estrutural. 1. ed. São Paulo: Polen, 2019.

  5. DAVIS, Angela; Mulheres, raça e classe [recurso eletrônico] / Angela Davis ; tradução Heci Regina Candiani. – 1. ed. -São Paulo : Boitempo, 2016.