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Da cassação do PCB em 1947 aos crimes eleitorais e fake news: Uma Justiça Eleitoral política

Há um código invísivel que rege as decisões (e omissões) da Justiça Eleitoral

Um salão de reuniões. Uma cadeira ao centro, com quem preside a sessão. à esquerda, um homem discursa. Ao fundo, várias pessoas assistem à sessão.
CPDOC Fundação Getúlio Vargas

Julgamento do pedido de cassação do registro do PCB, em 1947.

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

A Justiça Eleitoral, até pelo próprio objeto de suas deliberações, se insere no ramo mais politizado do judiciário brasileiro,  só perdendo mesmo para o STF, que, como instância derradeira, acaba tratando e julgando (ou mesmo propositalmente deixando de julgar) todas as questões políticas da República, dos municípios aos Estados, legislativos, biografias, questão indígena, costumes, até mesmo opções sexuais e seus reflexos jurídicos, causas advindas de todos os ramos do direito, enfim, tudo o que é, sempre foi e nunca deixará de ser político. Esclareço antecipadamente aos meus conhecidos servidores, advogados e magistrados que tenho contato nesta Justiça especial, que reconheço o trabalho de todos que labutam honradamente nesta jurisdição, sendo que minha análise e critica, ainda que em breves linhas, se dirigem à estrutura e aos mecanismos de poder que informam e perpassam sua atuação institucional como um todo.

Adentrando no tema, a Justiça Eleitoral é de fato extremamente política e são numerosos os exemplos de julgamentos, sejam de impugnação de candidaturas de  parlamentares ou governantes eleitos, dos quais se tem notícia do peso do fator politico no julgamento dos autos de processos eleitorais. Quem não se lembra do famoso processo de disputa pela sigla do PTB, perdida pelo ex-Governador Leonel Brizola, no final do regime militar?

Voltando ainda mais ao passado, quero rememorar aqui o julgamento do processo de cancelamento de registro do então Partido Comunista do Brasil, em 1947, que sob os ventos democráticos da derrubada da ditadura do Estado Novo, havia eleito em 1946 uma expressiva bancada de 14 deputados, dentre estes Jorge Amado e Carlos Marighella e, ainda, um famoso senador que havia sido liberto do cárcere, o ex-capitão Luiz Carlos Prestes, o que representou verdadeira façanha em termos políticos e eleitorais, para um partido que há pouco tempo havia  reconquistado sua legalidade e se reorganizava no país. 

Pois bem, quem tiver curiosidade de ver os detalhes do processo, acessível nos arquivos do TSE e internet, verá o quanto a cassação do PCB  foi um ato essencialmente politico – e autoritário –, voltado para atender aos interesses da elite reacionária que temia o avanço das forças populares no país,  ainda que durante o Estado de Direito da Constituição de 1946, mas cujo conteúdo não deixa nada a desejar aos regimes militares autoritários. O processo já começou de maneira canhestra, a partir da denúncia política de um deputado anticomunista e com parecer contrário do procurador-geral que discordou da abertura de investigação. Na sequência, o voto vencedor no Plenário do TSE, por 3 a 2, contra a posição do Relator, é  puro anticomunismo, preconceito e reacionarismo, com condenações da “revolução de 1917”, ojeriza a ex-URSS, ao que abominavam enquanto “influência estrangeira”, onde ministros se colocam como “juízes patriotas” no combate do que que  entendiam por uma doutrina político-partidária, maléfica, associação ao comunismo internacional, (como se o liberalismo econômico e político que professavam também não tivesse sólida e histórica vinculação internacional), sendo que, em um dado momento do relato do voto vencedor, um ministro assim declara, em relação ao partido haver apresentado declarações e documentos demonstrando defender a democracia: (…) “satisfação pelo denunciado das exigências de declarar a defesa aos princípios democráticos, foi apenas uma “ acomodação”, uma transigência para obter o registro e nada mais” (…).

E em outro trecho assim registra: “torna-se imprescindível a prova documental?” Enfim, apesar de toda resistência  dos advogados do partido, e do voto de dos magistrados que foram coerentes com os princípios liberais do pluralismo político, foi um célebre julgamento contaminado do início ao fim  pelo anticomunismo e a guerra fria, e que acabou cassando em 7 de maio de 1947, o registro da agremiação, através da Resolução n. 1841, o que  resultou, mais adiante, na perda de todos mandatos eletivos conquistados legitimamente e legalmente,  tendo acontecido ainda que, após o partido em 1948 impetrar recurso perante o STF, aprovou-se casuisticamente uma lei “sob medida da perseguição”( 211/48)  extinguindo os mandatos de deputados cassados, o que foi assim a “pá de cal” na breve representação comunista, isto em pleno regime democrático.

DECISÕES – E OMISSÕES – DE HOJE

Passados mais de 70 anos deste histórico julgamento, continuamos a ter a mesma Justiça Eleitoral inegavelmente política, sob os ventos do casuísmo político, e, prova disto, são as notícias de crimes eleitorais que somente muito depois são apurados e julgados, como  doações ilegais de campanhas, que, ocorridas há vários mandatos atrás, mais de uma década, estão vindo a tona através das delações premiadas, documentos descobertos, como no atual caso do governador afastado Witzel, que chegou a declarar que não possuía nenhum centavo em conta bancária quando do registro de sua candidatura em 2018, para agora saber-se que no mesmo período recebeu cerca de R$ 900 mil em doações através de contratos de escritórios de advocacia.

Ou seja: a Justiça Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral, “nada  viram”, ou se viram não foram rigorosos, mas ao final tudo homologaram e endossaram. Trata-se, portanto, de um sistema de fiscalização e controle falido, em que pese a competência e boa-fé de seus profissionais, mas que a realidade  dos financiamentos demonstra que os controles são  ineficazes para coibir os grandes esquemas de financiamento eleitoral, apegados ao excesso de formalismo, enquanto que, na prática, faz-se mesmo o que quer nas campanhas eleitorais, em menor ou maior grau, dependendo da atuação, maior ou menor, deste ou daquele tribunal regional, mas, que uma vez o processo chegando ao TSE, temos então a primazia  definitiva do voto político.

Caminhando para o final deste texto, importante destacar que, atualmente, o TSE tem em sua pauta um dos processos de maior repercussão politica da história do Brasil, tal como foi a cassação do PCB, sendo que, em sentido inverso, quando está sob julgamento não uma candidatura oriunda das esquerdas, mas a legalidade da eleição do direitista  ex-capitão do Exército, Jair Messias Bolsonaro, acusado da práticas de ilegalidades em sua campanha eleitoral a Presidência, notadamente o financiamento ilegal de propaganda igualmente ilegal em seu favor, através de fake news, pagamento de robôs por meio  de empresas, dinheiro ilegal, difamação e calúnia, via redes sociais, com o objetivo – e êxito alcançado ! – de influir no resultado eleitoral.

Estes, em síntese, os crimes eleitorais sob exame e que, mais uma vez, estamos vendo, a começar pela vagarosa instrução do processo, como  realmente funciona a justiça eleitoral no país, guiada não somente pelo código eleitoral, legislações eleitorais e  Constituição Federal, mas por um outro código, não escrito, invisível, discreto, secreto, que contém os interesses das elites no poder. No atual contexto, uma  elite econômica que resolveu bancar, por meio do regime formalmente democrático, um projeto autoritário para Brasil.

Marcado como:
fake news / pcb