No último sábado encerrou-se a Semana Epidemiológica 32. Os mais otimistas dirão que o número de novos casos diminuiu, de 313.364 na SE 31 para 304.535 na SE 32 (uma redução de menos de 3%). Uma perspectiva mais abrangente, no entanto, demonstra que se consolida um novo patamar de expansão da pandemia, sendo vez a terceira consecutiva em que se ultrapassa 300.000 casos na semana, um patamar 30% superior ao de três semanas antes (235.010, SE 29). Há apenas 19 dias ultrapassamos pela primeira vez a marca de 50.000 novos casos em um dia, e esta marca já foi ultrapassada 11 vezes neste período. Além disso, mesmo que nas próximas semanas tenha continuidade uma redução em patamares modestíssimos como este, isto indica que ainda serão muitos milhões que serão contaminados e dezenas de milhares de mortos a mais. A cada 300.000 novos registros oficiais de contaminações, é possível projetar um número real entre 1,5 e 2 milhões de contágios, tendo em vista a baixa testagem e os índices sugeridos pelos estudos de incidência já realizados. Já são doze semanas completa com uma média diária de óbitos que oscilou entre 911 (SE 21) e 1.102 (SE 30).
Paradoxalmente, neste contexto segue em curso o processo de naturalização da tragédia, a despeito do impacto produzido pela marca de 100.000 mortes, o que se verifica na diminuição da cobertura diária da imprensa, no aumento constante da presença em bares e restaurantes, nas manifestações absurdas de autoridade e donos de escolas sobre possibilidade de retomada de atividades presenciais e no impressionante exemplo de deseducação produzido pela retomada do futebol. Já no primeiro final de semana de retomada dos campeonatos nacionais (série A, B e C), ao menos 40 atletas de seis diferentes equipes, de todas as séries, tiveram registro positivo para Covid-19, o que já deveria ser mais do que suficiente para interromper a irracional retomada. Além disso, as 60 equipes demandam mais de 1.500 testes RT-PCR a cada rodada, o que é um completo absurdo, dado que são justamente os testes “padrão-ouro” que faltam para diagnósticos, inclusive para pacientes com sintomas. E não se trata apenas de quem paga pelos testes, mas do fato de que por escassez de insumos sua quantidade é limitada e sua destinação deveria ser socialmente dirigida à necessidades mais urgentes determinadas pela contenção da pandemia. Ao mesmo tempo, as autoridades estaduais parecem se somar ao governo federal negacionista na expectativa de que a pandemia se encerre por si mesma, sem que isto seja determinada por medidas de contenção efetiva, algo que em mais de oito meses não ocorreu em país nenhum.
O quadro mundial é marcado por distintas situações. O ritmo de aumento dos casos diminuiu, em decorrência da estabilização e moderada redução de novos casos (ainda que em patamares altíssimos) nos Estados Unidos, país que sozinho é responsável por enorme parcela do total de casos mundiais (28,4% no período anterior, 22,9 no último). A tendência à melhora é contrabalançada pelos primeiros efeitos desastrosos da reabertura de escolas em estados como Mississipi e Alabama. Na Europa Ocidental o aumento da circulação internacional no contexto das férias de verão segue produzindo resultado no aumento dos contágios. Bélgica (146% de crescimento nos últimos 14 dias em relação ao período anterior) e Espanha (120%, sendo que apenas na Catalunha registram-se nos últimos 14 dias 11.459 novos casos, dos quais 8.826 na região de Barcelona) tem a pior situação, seguidas pela França (+82%), enquanto Itália (+45%) e Reino Unido (+27%) tem índices de crescimento menos elevados. . As regiões em pior situação, afora os EUA, são América do Sul, Oriente Médio e Ásia Central. A Índia continua enfrentando crescimento intenso, com mais de 778 mil novos casos em 14 dias. De acordo com o site endcoronavirus.org, os dez países com maior número de novos casos nos últimos 14 dias são: EUA (818.959), Índia (767.375),Brasil (617.899), Colômbia (136.075), África do Sul (118.988), México (90.866), Peru (87.914), Argentina (83.477), Rússia (75.231) e Filipinas (48.473). (1)
A tabela apresentada em anexo sistematiza dados dos 15 países com maior número total de mortes registradas de acordo com o wordometers e registra o número de novos casos dos últimos 14 dias, comparando com os 14 dias anteriores, de forma a identificar se a tendência em cada país é de crescimento ou redução da pandemia. Esta comparação envolvendo o número de novos casos em dois períodos de duas semanas visa avaliar se há avanço ou recuo da pandemia. Estados Unidos, Índia e Brasil juntos totalizam 61,7% dos novos casos no período, o que sobretudo nos casos de Estados Unidos e Brasil expressa um super-representação inteiramente desproporcional à sua população.
Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.006 mortes o que representa 17,1% das 40.900 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.75% da população mundial). Portanto uma em cada seis mortes ocorridas no mundo se deu no Brasil, país que tem um em cada 36 habitantes do planeta. Os Estados Unidos registraram no período 7.256 óbitos. No último sábado (8/8), o Brasil registrou mais de duas vezes mais mortes (841) que os 48 países da Europa (331) ou os 57 países da África (413).
Este número oficial expressa apenas uma parcela dos óbitos, deixando de considerar outras duas situações. A primeira é que uma parcela dos contaminados morre em casa e mesmo tendo sintomas indicativos de Covid, não são contabilizados. É muito difícil estimar o número de óbitos decorrentes de Covid nesta situação, restando apenas a comparação do número total de óbitos (desconsiderando aqueles por causas externas, como homicídio e acidentes) em relação ao ano anterior (um dado que só é consolidado bastante tempo depois). A segunda situação envolve as mortes por insuficiência respiratória que ocorrem em ambiente hospitalar, com sintomas compatíveis por Covid, mas que não são testados. Neste caso, o óbito é registrado como Síndrome Respiratória Aguda Grave “não identificada”. O último dado disponível é de 3 de agosto (Boletim Epidemiológico 25), quando tínhamos já 40.003 mortes por SRAG, além de outras 3.578 mortes em investigação. Somadas ao número oficial de mortes por Covid, já são mais de 144.700 óbitos. Alguns estados seguem registrando mais mortes como SRAG não identificada do que oficializadas para Covid (dados referentes a 3/8): Paraná (2.263 SRAG / 1.878 Covid), Minas Gerais (3.222 SRAG / 3.070 Covid); e outros registram um acréscimo superior a 50%: Rio Grande do Sul (1.844 SRAG / 2.037 Covid), e Mato Grosso do Sul (382 / 425), Santa Catarina (658 / 1.221) e Amazonas (1.573 / 3.099).
Além disto, o Ministério da Saúde segue propagando o número de “recuperados” como se fosse um dado positivo, ignorando as diversas pesquisas que indicam que mesmo entre os sobreviventes há diversas sequelas, parte das quais sequer há como avaliar neste momento. São inúmeras as pesquisas que indicam problemas persistentes entre os “recuperados”, incluindo-se fadiga, falta de ar persistente, problemas neurológicos, dificuldades auditivas e diversos outros ainda em investigação.
A subnotificação segue como problema grave, e a não renovação do convênio que permitiu a realização da pesquisa nacional Epicovid-19BR, em três etapas, é um ato que agrava muito o desconhecimento da real situação. A projeção mais recente disponível é a resultante da terceira etapa da Epicovid-19BR, divulgada no dia 26 de junho, que indica 5.1 vezes mais contaminados do que os oficialmente diagnosticados (naquela data, 2.9% da população). Mantendo-se a proporção da última pesquisa, estaríamos hoje com 15,2 milhões de contaminados, ou 7,2% da população do país. Considerando a intenção repetida 32 vezes por Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho” (segundo levantamento da agência Aos Fatos), este número teria que crescer ainda mais 9,7 vezes. Mantendo persistentemente uma média superior a 1.000 mortes diárias, seguimos também com elevado ritmo de expansão do número absoluto de mortes (16.2% em 14 dias) e de casos (25,5.% em 14 dias). O Brasil já chega a 13,8% das mortes mundiais, com 475 mortes por milhão de habitantes, ultrapassa em mais de cinco vezes a média mundial (94.2). Entre os 15 países mais populosos do mundo, onze tem menos de 30 mortes por milhão: Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas, Egito, China, Nigéria, Japão, Etiópia e Vietnã, sendo que os cinco últimos têm menos de 10 mortes por milhão.
Em números absolutos, apesar da baixíssima testagem, o Brasil é o terceiro país com maior número absoluto de novos casos registrados nos últimos 14 dias, ultrapassado pelos Estados Unidos (que tem um total de testes dez vezes maior) e Índia. Dos 3.595.546 novos casos registrados no período, 17,1% ocorreram no Brasil (615.681) e 22.9% nos Estados Unidos (824.255). Portanto, dois países que juntos não chegam a 7% da população mundial, tiveram de 40% dos novos casos. A Índia teve 778.118 novos casos (21.6% do total mundial). Dentre os três países com maior número de casos ativos, a Índia teve o maior crescimento (40%), seguida pelo Brasil (11%), enquanto os Estados Unidos tiveram redução de 16% Dois outros países tiveram mais de 100.000 novos casos no período, mas enquanto a África do Sul vêm reduzindo este número (-33%), a Colômbia segue aumentando (+41%), já sendo o quarto país do mundo com mais casos no período. Também a situação do Peru é muito ruim, pois mesmo já tendo 638 mortes por milhão (quinto pior índice entre os 213 países e territórios acompanhados pelo wordometers), o país relaxou as medidas de contenção e vem enfrentando uma “segunda onda”, com 59% de crescimento no período. A Espanha segue com acelerado crescimento do número de casos, com 120% e 37.700 casos no período, sendo superada em termos percentuais apenas pela Bélgica (+146%). Bélgica, Peru e Espanha estão entre os seis países com maior índice de mortes por milhão, e o crescimento do número de casos nestes países demonstra claramente de que altos níveis de contaminação não protegem contra a retomada da pandemia.
A China, que há tempos deixou de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, foi ultrapassada por países como Holanda, Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), Equador, Paquistão, África do Sul, Indonésia, Egito e Iraque, e hoje é apenas o 26º país em número absoluto de mortes e o 166º em mortes por milhão de habitantes. O país não registra morte há 95 dias, embora venha enfrentando novos focos na região de Pequim, estando com 802 casos ativos.
A maior parte dos países vem elevando expressivamente a testagem e atingindo ou passando a relação de 20 testes realizados por resultado positivo indicada pela OMS como expressão de um controle efetivo. O número de testes indicado pelo wordometers para o Brasil (13.231.548) é muito superior ao indicado em outras bases de dados. (2) Ainda assim, apenas o México, com 2.3 testes por positivo, aparece com número inferior ao do Brasil (4.3), quase cinco vezes inferior ao mínimo indicado pela OMS. Na realidade, a situação brasileira é ainda pior, pois parte destes testes são testes rápidos, inteiramente inadequados para diagnóstico e que sequer deveriam ser contabilizados.
O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil, associado a um ritmo de crescimento do número de casos ainda maior, indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já chegando a 101.136 mortes oficializadas, a ausência de uma política nacional de contenção é expressão de uma política criminosa e genocida. Não existe nenhum indicador racional que permita esperar uma redução expressiva do assustador patamar de mortes diárias em curto ou médio prazo sem uma política nacional de contenção. As medidas pontuais e regionalizadas de fechamento temporário, tomadas apenas na iminência do colapso do sistema de saúde, já se mostravam fragmentadas e insuficientes. Mas mesmo estas medidas vêm sendo abandonadas, e, pior, substituídas por propostas absurdas como a de retomada de aulas presenciais. Torna-se imprescindível um lockdown nacionalmente unificado, com medidas de garantia de renda emergencial e que dure o tempo necessário para a efetiva contenção. Ainda que pareça custoso, é a única alternativa real, e menos dispendioso do que manter a situação de instabilidade e sucessivas aberturas e fechamentos. Infelizmente, desde o início da pandemia nosso isolamento social vem sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada.
Atualmente os Estados Unidos e a América Latina (em especial Brasil, México, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Bolívia, Equador, República Dominicana) são os principais centros mundiais da pandemia, seguidos pelo Sul da Ásia (Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas), Ásia Central (Quirguistão, Casaquistão) e Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Israel, Kuwait, Bahrein, Omã) e parte da África (especialmente África do Sul, Egito e Nigéria)
De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que se encontram com menos de mil casos ativos, em todos os continentes, como Ásia (China, Síria, Coréia do Sul, Vietnã, Iêmem, Chipre, Sri Lanka, Geórgia, Malásia, Tailândia, Jordânia, Myamar, Camboja, Taiwan, Mongólia e Butão), África (Gâmbia, Guiné, Congo, Mauritânia, Ruanda, Cabo Verde, Bostswana, Lesotho, Mali, Libéria, Serra Leoa, Tunísia, Togo, Tanzânia, Benin, Mayotte, Djibouti, Burkina Faso, Uganda, Burundi, São Tomé e Príncipe, Reunião, Eritréia, Niger, Chad, Comoros), América do Sul (Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Uruguai), América Central e Caribe (Bahamas, Aruba, Cuba, Jamaica, Martinica, Turks and Caicos, Trinidad e Tobago, Belize, Guadalupe, Sint Maarten, Saint Martin, Barbados e Antiga e Barbuda,), Europa (Dinamarca, Eslováquia, Hungria, Croácia, Noruega, Lituânia, Malta, Finlândia, Eslovênia, Letônia, Estônia, Andorra, Ilhas Faroe, Islândia, Ilhas do Canal, Mônaco e Gibraltar) e Oceania (Papua Nova Guiné e Nova Zelândia). São países de distintas situações econômicas e sociais, mas que vêm tendo êxito na contenção da pandemia. Incluem-se entre eles países de expressiva população: 25 entre os 90 países com mais de dez milhões de habitantes tem menos de 1.000 casos ativos, incluindo-se o país mais populoso do mundo.
Alguns países e territórios tem situação ainda melhor, com menos de dez casos ativos: Fiji, Polinésia Francesa, St. Barth, Caribe Holandês, Granadinas, Bermuda, Lieschtenstein, Saint Pierre, Laos (7,3 milhões de habitantes),Timor Leste, Saara Ocidental, Brunei, Nova Caledônia, Santa Lúcia, Granada, Seichelles, St. Kittis e Nevis e Ilhas Virgens Britânicas.
Em todos os continentes (exceto Oceania) existem países ou territórios que já não tem nenhum caso ativo: dentre 213 países e territórios considerados no wordometers, 12 estão nesta situação: Ilhas Maurício, Macao, Curaçau, Ilha de Man, Dominica, Groenlândia, Ilhas Cayman, San Marino, Anguilla, Montserrat, Malvinas e Vaticano. O Vietnã, com 97 milhões de habitantes e uma política de contenção exemplar, registra apenas 13 óbitos e 435 casos ativos.
É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 16,2% a cada 14 dias), o número de mortes oficializadas no Brasil atingiria 117.520 em 23/8, 136.558 em 6/9 e 158.680 em 16/9. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais vulneráveis.
NOTAS
1 – Os números são ligeiramente distintos dos do wordometers reunidos no quadro porque o endcoronavirus atualiza os dados a cada 6 horas. https://www.endcoronavirus.org/green-zone-rankings#countries.
2 – Por esta razão, deixamos este número entre parênteses no quadro. O CoronavirusBra1, que traz também o número oficial de cada estado, indica o total de 8.638.045. https://coronavirusbra1.github.io/
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