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BRASIL

Com mais de 630 mil novos casos em 14 dias e crescimento de 28%, situação da pandemia no Brasil segue piorando

Gilberto Calil

Com 633.781 novos casos, o Brasil teve nos últimos 14 dias o maior número de novos casos em duas semanas. Se considerarmos o recorte das semanas epidemiológicas (que encerram no sábado), o número é quase igual: 632.753 novos casos. As semanas 30 e 31 foram disparadamente as piores de toda a pandemia, com 319.389 e 313.364 novos casos, o que, considerando a subnotificação, deve indicar em torno de 3 milhões de novos casos nas duas semanas. São números mais de 20% superiores aos da pior semana até então (Semana 28, com 262.846), e sem que tenha havido aumento expressivo do número de testes. E não se trata de um problema localizado: 20 dentre os 27 estados e mais o Distrito Federal tiveram aumento no número dos novos casos nas semanas 30 e 31 em relação à semana 29, três tiveram oscilações pequenas e apenas quatro tiveram diminuição (Espírito Santo, Amapá, Pará e Amazonas, ainda assim todos eles com reduções moderadas). (1)

É neste contexto que criminosamente se fala em reabertura das escolas com aulas presenciais e que se discute protocolos e procedimentos tão irreais e afastados da realidade brasileiras quanto insuficientes e incapazes de impedir a transmissão. Os inúmeros países que tentaram a retomada das aulas presenciais o fizeram depois de ter uma contenção efetiva dos casos, e ainda assim vários deles tiveram nova explosão de casos e tiveram que recuar, sob impacto da piora da situação epidemiológica geral.

Em termos mundiais, mantêm-se uma situação preocupante em diversas regiões. Os Estados Unidos com elevado número de novos casos, resultado sobretudo do avanço da pandemia nos estados sulistas, e tal como no Brasil a ausência de uma política nacional de contenção cobra alto preço. Embora agora o presidente Trump diga que usar a máscara é um “ato patriótico”, seus anteriores discursos negacionistas seguem circulando fortemente. Na Europa Ocidental o período de férias produziu aumento da circulação internacional e determinou reversão da tendência continuada de redução de casos em vigência nos últimos meses, o que é especialmente intenso na Bélgica e na Espanha (apenas na região de Barcelona, registram-se nos últimos 14 dias mais de 6.900 novos casos). Em diferentes regiões do mundo há crescimento de casos em países mais pobres, em especial na América do Sul, Oriente Médio e Ásia Central. Na Índia continua ocorrendo uma piora acentuada, estando à frente do Brasil no número de novos casos nos últimos 14 dias (ainda que a Índia tenha uma relação bem menos desfavorável de testes – 11.2 por positivo). De acordo com o site endcoronavirus.org, os dez países com maior número de novos casos nos últimos 14 dias são: EUA (894.695), Índia (685.489),Brasil (635.288), África do Sul (147.157), Colômbia (120.373), México (94.822), Rússia (78.966), Peru (75.260), Argentina (75.164), Iraque (36.621). (2)

A tabela anexa reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas de acordo com o wordometers e registra o número de novos casos dos últimos 14 dias, comparando com os 14 dias anteriores, de forma a identificar se a tendência em cada país é de crescimento ou redução da pandemia. Esta comparação envolvendo o número de novos casos em dois períodos de duas semanas visa avaliar se há avanço ou recuo da pandemia, tendo em vista que diversos países. Os Estados Unidos consolidam-se em patamar elevadíssimo, respondendo por 25% do total de novos casos no período, um resultado claro da reabertura econômica, em especial em estados que tinham sido menos atingidos até então. Seis entre os sete estados com maior número de novos casos nos últimos dia são do Sul (Florida, Texas, Louisiana, Georgia, Alabama e Carolina do Norte), o que reafirma a insuficiência das temperaturas elevada e do clima de verão como fator protetivo. Embora o número de novos casos dos EUA seja 44% superior ao do Brasil, dada a diferença de testagem, é muito provável que na realidade o número brasileiro seja superior.

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.597 mortes o que representa 19,1% das 39.701 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.75% da população mundial), mantendo-se na semana uma média de 1.085 mortes diárias. Depois de várias semanas com número de óbitos inferior ao Brasil, os Estados Unidos voltam a ter o maior número, 7.909 mortes na semana). O número de mortes no Brasil no último sábado (1.048) foi bem superior à soma dos 141 países da Europa, África, Oceania, América Central e Caribe (683). Além disto, o país completou sua 11a Semana Epidemiológica com média diária entre 900 e 1.100 mortes.

Este número oficial expressa apenas uma parcela dos óbitos, deixando de considerar outras duas situações. A primeira é que uma parcela dos contaminados morre em casa e mesmo tendo sintomas indicativos de Covid, não são contabilizados. É muito difícil estimar o número de óbitos decorrentes de Covid nesta situação, restando apenas a comparação do número total de óbitos (desconsiderando aqueles por causas externas, como homicídio e acidentes) em relação ao ano anterior (um dado que só é consolidado bastante tempo depois). A segunda situação envolve as mortes por insuficiência respiratória que ocorrem em ambiente hospitalar, com sintomas compatíveis por Covid, mas que não são testados. Neste caso, o óbito é registrado como Síndrome Respiratória Aguda Grave “não identificada”. Segundo o Boletim Epidemiológico 23, em 20 de julho tínhamos já 37.495 mortes por SRAG, além de outras 3.840 mortes em investigação. Somadas ao número oficial de mortes por Covid, já são mais de 135.000 óbitos. Alguns estados seguem registrando mais mortes como SRAG não identificada do que oficializadas para Covid (dados referentes a 27/7): Rio Grande do Sul (1.702 SRAG / 1.643 Covid), Paraná (2114 SRAG / 1.568 Covid), Minas Gerais (2.995 SRAG / 2.546 Covid) e Mato Grosso do Sul (366 / 321). Também Santa Catarina e Amazonas tem elevada proporção de mortes atribuídas a SRAG não identificada.

Além disto, o Ministério da Saúde segue propagando o número de “recuperados” como se fosse um dado positivo, ignorando as diversas pesquisas que indicam que mesmo entre os sobreviventes há diversas sequelas, parte das quais sequer há como avaliar neste momento. São inúmeras as pesquisas que indicam problemas persistentes entre os “recuperados”, incluindo-se fadiga, falta de ar persistente, problemas neurológicos, dificuldades auditivas e diversos outros ainda em investigação.

A subnotificação segue como problema grave. A declaração do Ministro da Saúde interino (de um Ministério sob intervenção militar) de que a realização de testes não é necessária para o diagnóstico deveria ter produzido reações muito maiores, pelo absurdo que expressa. O resultado preliminar da terceira etapa da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 26 de junho, indica que tínhamos então 5.1 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais (o que indicava naquela data 2.9% da população). A não renovação do convênio para realização desta pesquisa, por opção do Ministério da Saúde, deixa o país inteiramente às escuras. Mantendo-se a proporção da última pesquisa, estaríamos hoje com 14 milhões de contaminados, ou 6,5% da população do país. Considerando a intenção repetida 32 vezes por Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho” (segundo levantamento da agência Aos Fatos), este número teria que crescer ainda mais 10,7 vezes, com o que se chegaria mantendo a mesma relação, a mais de um milhão mortes, sem considerar o acréscimo decorrente do colapso do sistema de saúde nem os óbitos não registrados. Mantendo persistentemente uma média superior a 1.000 mortes diárias, seguimos com elevado ritmo de expansão do número absoluto de mortes (19.4% em 14 dias) e de casos (29.7% em 14 dias). O Brasil já chega a 13,6% das mortes mundiais, com 443 mortes por milhão de habitantes, quase cinco vezes superior à média mundial (89). Entre os 15 países mais populosos do mundo, dez tem menos de 30 mortes por milhão: Paquistão, Índia, Filipinas, Indonésia, Bangladesh, Japão, Nigéria, China, Etiópia e Vietnã, sendo que os cinco últimos tem menos de 10 mortes por milhão. 

Em números absolutos, apesar da baixíssima testagem, o Brasil é o terceiro país com maior número absoluto de novos casos registrados nos últimos 14 dias, ultrapassado pelos Estados Unidos (que tem um total de testes dez vezes maior) e Índia. Dos 3.626.079 novos casos registrados no período, 17,5% ocorreram no Brasil (633.791) e 25.2% nos Estados Unidos (914.713). Portanto, dois países que juntos não chegam a 7% da população mundial, tiveram de 42.7% dos novos casos. A Índia teve 689.921 novos casos (19% do total mundial). Dentre os três países com maior número de casos ativos, a Índia teve crescimento de 64% em relação ao período anterior, o Brasil 28% e os Estados Unidos 1%. A Colômbia, que ultrapassou o Canadá e passa a constar no quadro dos 15 países com mais mortes, teve um crescimento de 50%. Hoje são já cinco países latino-americanos entre os 15 com maior número de mortes (Brasil, México, Peru, Chile e Colômbia). Depois de ter tido redução expressiva, o Peru sofre os efeitos da reabertura e tem um crescimento de 48% no número de casos. Seguem México (+10%) e Irã (+7%). Apenas Rússia (-12%) e Chile (-19%) tiveram redução em relação ao período anterior. Os seis países da Europa Ocidental que integram o quadro chegaram a ter uma redução radical e há quinze dias apareciam com menos de dez mil casos ativos, mas atravessam uma “segunda onda”, com expressivo crescimento do número de casos, no contexto das férias europeias e aumento da circulação internacional: Bélgica (+217%), Espanha (+84%), Alemanha (+63%), Itália (+28%), França (+17%, Reino Unido (+16%). Na Alemanha, no último sábado, mais de 15 mil extremistas de direita, neonazistas e negacionistas realizaram manifestação em Berlim, descumprindo todas as regras, o que deve provocar novo aumento na propagação.

A China, que há tempos deixou de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, foi ultrapassada por países como Holanda, Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), Equador, Paquistão, África do Sul, Indonésia, Egito e Iraque, e hoje é apenas o 256º país em número absoluto de mortes e o 160º em mortes por milhão de habitantes. O país não registra morte há 88 dias e vem enfrentando novos focos na região de Pequim, estando com apenas 748 casos ativos.

A maior parte dos países vem elevando expressivamente a testagem e atingindo ou passando a relação de 20 testes realizados por resultado positivo indicada pela OMS como indicadora de um bom controle. O Brasil teve seu índice atualizado no wordometers para 61.573 testes por milhão (estava antes em 23.093), mas não encontramos confirmação para este número, que não confere com o divulgado em outros sites de acompanhamento. (3) México e Índia tem o menor número de testes por milhão: México (7.389) e Índia (13.171). É um patamar de testagem que inviabiliza qualquer controle sobre a pandemia e mostra o quanto é absurdo falar em reabertura da economia. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, indicador mais preciso para dimensionar o efetivo controle da pandemia, o Brasil aparece com 4.8, o México com 2.3, e a Índia com 11.8. No caso do Brasil, a situação real é ainda bem pior tendo em vista que grande parte deles são testes rápidos, inteiramente inadequados para diagnóstico e que sequer deveriam ser contabilizados. 

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil, associado a um ritmo de crescimento do número de casos ainda maior, indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já chegando a 94.130 mortes oficializadas, a ausência de uma política nacional de contenção é um ato criminoso e genocida. Não existe nenhum indicador racional que permita esperar uma redução expressiva do assustador patamar de mortes diárias em curto ou médio prazo sem uma política nacional de contenção. As medidas pontuais e regionalizadas de fechamento temporário quando se aproxima o colapso do sistema de saúde já se mostravam têm se fragmentadas e insuficientes e mesmo elas vem sendo abandonadas, e, pior, substituídas por propostas absurdas como a de retomada de aulas presenciais. Torna-se imprescindível um lockdown nacionalmente unificado, com medidas de garantia de renda emergencial e que dure o tempo necessário para a efetiva contenção. Ainda que pareça custoso, é a única alternativa real, e menos dispendioso do que manter a situação de instabilidade e sucessivas aberturas e fechamentos. Infelizmente, desde o início da pandemia nosso isolamento social vem sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada.

Atualmente os Estados Unidos e a América Latina (em especial Brasil, México, Colombia, Peru, Chile, Argentina, Bolívia, Equador, República Dominicana) são os principais centros mundiais da pandemia, seguidos pelo Sul da Ásia (Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas), Ásia Central (Quirguistão, Casaquistão) e Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Israel, Qatar e Emirados Árabes) e parte da África (especialmente África do Sul, Egito e Nigéria)

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que se encontram com menos de mil casos ativos, em todos os continentes, como Ásia (Coréia do Sul, China, Sri Lanka, Síria, Iêmem, Chipre, Vietnã, Malásia, Geórgia, Tailândia, Jordânia, Mongólia, Myamar, Camboja, Taiwan e Butão), África (Ruanda, Bostswana, Guiné, Benin, Angola, Cabo Verde, Mali, Libéria, Serra Leoa, Tanzânia, Lesotho, Tunísia, Togo, Gâmbia, Mayotte, São Tomé e Príncipe, Uganda, Burkina Faso, Burundi, Reunião, Eritréia, Seicheles, Chad, Djibouti, Niger, Comoros), América do Sul (Suriname, Guiana, Uruguai), América Central e Caribe (Bahamas, Cuba, Martinica, Jamaica, Turks ans Caicos, Sint Maarten, Guadalupe, Trinidad e Tobago, Barcados, Belize, Antiga e Barbuda e Granadinas,), Europa (Croácia, Eslováquia, Hungria, Dinamarca, Eslovênia, Lituânia, Noruega, Letônia, Malta, Finlândia, Estônia, Andorra, Ilhas Faroe, Islândia e Mônaco) e Oceania (Nova Zelândia e Papua Nova Guiné.). São países de distintas situações econômicas e sociais, mas que vêm tendo êxito na contenção da pandemia. Incluem-se entre eles países de expressiva população: 25 entre os 90 países com mais de dez milhões de habitantes tem menos de 1.000 casos ativos, incluindo-se o país mais populoso do mundo.

Alguns países e territórios tem situação ainda melhor, com menos de dez casos ativos: Fiji, Saint Martin, Aruba, Ilhas do Canal, Caribe Holandês, Gibraltar, Bermuda, Lieschtenstein, Curaçao, Saint Pierre, Santa Lúcia, St. Kittis e Nevis, Laos (7,3 milhões de habitantes), Monserat, Granada, Groenlândia, Saara Ocidental e St. Barth.

Em quase todos os continentes (exceto África) existem países ou territórios que já não tem nenhum caso ativo: dentre 213 países e territórios considerados no wordometers, 14 estão nesta situação. Timor Leste, com 1,3 milhão de habitantes, é o país há mais tempo sem um novo caso (o último foi em 24 de abril). Os demais são: Ilhas Maurício, Macao, Brunei, Nova Caledônia, Polinésia Francesa, Ilha de Man, Dominica, Ilhas Cayman, San Marino, Ilhas Virgens Britânicas, Anguilla, Malvinas e Vaticano. O Vietnã, com 97 milhões de habitantes e uma política de contenção exemplar, registrou seis primeiros seis óbitos na última semana e tem no momento 242 casos ativos.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 18,4% a cada 14 dias), o número de mortes oficializadas no Brasil atingiria 111.450 em 16/8, 131.956 em 30/8 e 156.236 em 9/9. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais vulneráveis. 

 

NOTAS

1 –  Os dados das semanas epidemiológicas e sua evolução podem ser consultados em https://www.conass.org.br/painelconasscovid19/

2 – Os números são ligeiramente distintos dos do wordometers reunidos no quadro porque o endcoronavirus atualiza os dados a cada 6 horas. https://www.endcoronavirus.org/green-zone-rankings#countries

3 – Por esta razão, deixamos este número entre parênteses no quadro. Pelos dados divulgados no CoronavirusBra1, o número seria de 38.580. https://coronavirusbra1.github.io/