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BRASIL

Número de novos casos segue aumentando e consolida pior momento da pandemia no Brasil

Gilberto Calil

Nesta quarta-feira, 29/07, tivemos o mais elevado número de óbitos (1.664) e de casos (72.337). Em parte, isto se deve ao apagão de dados do estado de São Paulo no dia anterior, que fez aumentar este número. Mas mesmo tomando em conjunto os dois dias (28 e 29/7), os números são aterradores: 2.516 óbitos e 110.890 novos casos. São números que confirmam o agravamento da pandemia já evidenciado na semana anterior (Semana Epidemiológica 30), quando tivemos não apenas a pior semana da pandemia, mas também um aumento de 36% em relação à Semana Epidemiológica 29. Isto se dá em meio à naturalização da morte, à diminuição do espaço dedicado à pandemia na cobertura dos meios de comunicação, à continuidade dos planos de reabertura e até mesmo a discussões absolutamente absurdas como a do eventual retorno das aulas em meio ao ápice da pandemia.

Em termos mundiais, as más notícias dos últimos dias se consolidam. Nos Estados Unidos permanece enorme patamar de crescimento dos casos nos estados do Sul, e assim como no Brasil a ausência de uma política nacional de contenção cobra alto preço, e os discursos negacionistas e anticientíficos permanecem ganhando espaço. Na Europa Ocidental o período de férias produziu aumento da circulação internacional e determinou reversão da tendência continuada de redução de casos em vigência nos últimos meses (apenas na região de Barcelona, registram-se nos últimos 14 dias mais de 3.800 novos casos). Em diferentes regiões há crescimento de casos em países mais pobres, em especial na América do Sul, Oriente Médio e Ásia Central. Na Índia continua ocorrendo uma piora acentuada, estando à frente do Brasil no número de novos casos nos últimos 14 dias (ainda que o Brasil a tenha ultrapassado na última semana e a Índia tenha uma relação bem menos desfavorável de testes – 11.3 por positivo). De acordo com o site endcoronavirus, os dez países com maior número de novos casos nos últimos 14 dias são: EUA (924.632), Brasil (556.367),Índia (546.975), África do Sul (161.469), Colômbia (107.487), México (91.211), Rússia (83.273), Argentina (66.445), Peru (61.138), Bangladesh (39.138). (1)

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas de acordo com o wordometers e registra o número de novos casos dos últimos 14 dias, comparando com os 14 dias anteriores, de forma a identificar se a tendência em cada país é de crescimento ou redução da pandemia. Esta comparação envolvendo o número de novos casos em dois períodos de duas semanas visa avaliar se há avanço ou recuo da pandemia, tendo em vista que diversos países. Os Estados Unidos consolidam-se em patamar elevadíssimo, respondendo por um terço do crescimento do número de casos no período, um resultado claro da reabertura econômica, em especial em estados que tinham sido menos atingidos até então. Sete entre os nove estados com maior número de novos casos nos últimos dia são do Sul (Florida, Texas, Georgia, Tennessee, Carolina do Sul, Louisiana e Carolina do Norte), o que reafirma a insuficiência das temperaturas elevada e do clima de verão como fator protetivo. Embora o número de novos casos dos EUA seja 62% superior ao do Brasil, dada a diferença de testagem, é muito provável que na realidade o número brasileiro seja superior.

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.298 mortes o que representa 18,4% das 39.567 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.75% da população mundial), mantendo-se na semana uma média de 1.043 mortes diárias, a maior do mundo (os Estados Unidos, em segundo lugar, tiveram, 7.151 mortes na semana). O número de mortes no Brasil nos últimos dois dias (2.516) foi superior à soma dos 141 países da Europa, África, Oceania, América Central e Caribe (1.860). Além disto, o país permanece há mais de dez semanas com uma média diária entre 900 e 1.100 mortes.

Este número oficial expressa apenas uma parcela dos óbitos, deixando de considerar outras duas situações. A primeira é que uma parcela dos contaminados morre em casa e mesmo tendo sintomas indicativos de Covid, não são contabilizados. É muito difícil estimar o número de óbitos decorrentes de Covid nesta situação, restando apenas a comparação do número total de óbitos (desconsiderando aqueles por causas externas, como homicídio e acidentes) em relação ao ano anterior (um dado que só é consolidado bastante tempo depois). A segunda situação envolve as mortes por insuficiência respiratória que ocorrem em ambiente hospitalar, com sintomas compatíveis por Covid, mas que não são testados. Neste caso, o óbito é registrado como Síndrome Respiratória Aguda Grave “não identificada”. Segundo o Boletim Epidemiológico 23, em 20 de julho tínhamos já 34.490 mortes por SRAG, além de outras 3.946 mortes em investigação. Somadas ao número oficial de mortes por Covid, já são mais de 121.000 óbitos. Alguns estados seguem registrando mais mortes como SRAG não identificada do que oficializadas para Covid (dados referentes a 20/7): Rio Grande do Sul (1.558 SRAG / 1.308 Covid), Paraná (1959 SRAG / 1.281 Covid), Minas Gerais (2.730 SRAG / 2.057 Covid) e Mato Grosso do Sul (332 / 224).

Além disto, o Ministério da Saúde segue propagando o número de “recuperados” como se fosse um dado positivo, ignorando as diversas pesquisas que indicam que mesmo entre os sobreviventes há diversas sequelas, parte das quais sequer há como avaliar neste momento. Uma pesquisa recente no Reino Unido revela que 60 dias depois da recuperação, 53% dos contaminados ainda sentia fadiga e 43% sentia falta de ar persistente.

A subnotificação segue como problema grave. A declaração do Ministro da Saúde interino (de um Ministério sob intervenção militar) de que a realização de testes não é necessária para o diagnóstico deveria ter produzido reações muito maiores, pelo absurdo que expressa. O resultado preliminar da terceira etapa da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 26 de junho, indica que tínhamos então 5.1 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais (o que indicava naquela data 2.9% da população). A não renovação do convênio para realização desta pesquisa, por opção do Ministério da Saúde, deixa o país inteiramente às escuras. Mantendo-se a proporção da última pesquisa, estaríamos hoje com 13 milhões de contaminados, ou 6,1% da população do país. Considerando a intenção repetida 32 vezes por Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho” (segundo levantamento da agência Aos Fatos), este número teria que crescer ainda mais 11,5 vezes, com o que se chegaria mantendo a mesma relação, a mais de um milhão mortes, sem considerar o acréscimo decorrente do colapso do sistema de saúde nem os óbitos não registrados. Mantendo persistentemente uma média superior a 1.000 mortes diárias, seguimos com elevado ritmo de expansão do número absoluto de mortes (19.4% em 14 dias) e de casos (29.7% em 14 dias). O Brasil já chega a 13,4% das mortes mundiais, com 424 mortes por milhão de habitantes, 4.9 vezes superior à média mundial (86.1). Entre os 15 países mais populosos do mundo, dez tem menos de 30 mortes por milhão: Paquistão, Índia, Filipinas, Indonésia, Bangladesh, Japão, Nigéria, China, Etiópia e Vietnã, sendo que os cinco últimos tem menos de 10 mortes por milhão. 

Em números absolutos, apesar da baixíssima testagem, o Brasil é o terceiro país com maior número absoluto de novos casos registrados nos últimos 14 dias, ultrapassado pelos Estados Unidos (que tem um total de testes dez vezes maior) e Índia. Dos 3.362.970 novos casos registrados no período, 17% ocorreram no Brasil (584.609) e 27.4% nos Estados Unidos (946.016). Portanto, dois países que juntos não chegam a 7% da população mundial, tiveram de 44.4% dos novos casos. A Índia teve 614.215 novos casos. Seguem México, Rússia, Peru, Chile e Irã, todos com expressivo número de novos casos. Na comparação com o período anterior, o maior crescimento é da Índia (68), mas também Estados Unidos (13%) e Brasil (13%) tem crescimento expressivo. O Peru, que chegou a ter redução expressiva, no contexto da reabertura econômica volta a ter a situação agravada, com crescimento de 28%. Apenas Chile (-22%) e Rússia (-10%) tiveram redução. Todos os demais países (Canadá e países da Europa Ocidental), que apareciam com menos de 10.000 novos casos no período, aparecem com crescimento, sendo os mais acelerados Espanha(+220%) e Bélgica (+178%), seguidos de França (+57%),Canadá (46%), Reino Unido (+21%), Alemanha (+15%) e Itália (+8%).

A China, que há tempos deixou de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, foi ultrapassada também por Holanda, Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), Colômbia, Equador, Paquistão, África do Sul, Indonésia e Egito, e hoje é apenas o 25º país em número absoluto de mortes e o 160º em mortes por milhão de habitantes. O país não registra morte há mais de 50 dias e vem contendo os focos recentemente encontrados na região de Pequim, estando com apenas 574 casos ativos.

A maior parte dos países vem elevando expressivamente a testagem e atingindo ou passando a relação de 20 testes realizados por resultado positivo indicada pela OMS como indicadora de um bom controle. O Brasil teve seu índice atualizado no wordometers para 59.250 testes por milhão (estava antes em 23.093), mas não encontramos confirmação para este número, que não confere com o divulgado em outros sites de acompanhamento. (2) México e Índia tem o menor número de testes por milhão: México (7.389) e Índia (13.171). É um patamar de testagem que inviabiliza qualquer controle sobre a pandemia e mostra o quanto é absurdo falar em reabertura da economia. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, indicador mais preciso para dimensionar o efetivo controle da pandemia, o Brasil aparece com (4.9), o México com 2.3, e a Índia com 11.5. No caso do Brasil, a situação real é ainda bem pior tendo em vista que grande parte deles são testes rápidos, inteiramente inadequados para diagnóstico e que sequer deveriam ser contabilizados. 

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil, associado a um ritmo de crescimento do número de casos ainda maior, indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já chegando a 90.218 mortes oficializadas, é inadmissível que o país siga sem uma política nacional de contenção. Ainda que haja uma tendência de estabilização do número de novos casos, isto se dá em patamares altíssimos e sem uma política de contenção é possível permanecer por muito tempo ainda neste patamar. As medidas pontuais e regionalizadas de fechamento temporário quando se aproxima o colapso do sistema de saúde têm se mostrado fragmentadas e insuficientes. Torna-se imprescindível um lockdown nacionalmente unificado, com medidas de garantia de renda emergencial e que dure o tempo necessário para a efetiva contenção. Ainda que pareça custoso, é menos dispendioso do que manter a situação de instabilidade e sucessivas aberturas e fechamentos. Infelizmente, desde o início da pandemia nosso isolamento social vem sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada.

Atualmente os Estados Unidos e a América Latina (em especial Brasil, México, Colombia, Peru, Chile, Argentina, Bolívia e Equador) são os principais centros mundiais da pandemia, seguidos pelo Sul da Ásia (Índia, Paquistão, Bangladesh, Filipinas), Ásia Central (Quirguistão, Casaquistão) e Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Qatar e Emirados Árabes) e parte da África (especialmente África do Sul, Egito e Nigéria)

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que se encontram com menos de mil casos ativos, em todos os continentes, como Ásia (Maldivas, Coréia do Sul, China, Sri Lanka, Síria, Iêmem, Chipre, Malásia, Geórgia, Tailândia, Jordânia, Camboja, Mongólia, Vietnã, Myamar, Taiwan e Butão), África (Ruanda, Bostswana, Guiné, Benin, Angola, Cabo Verde, Mali, Libéria, Serra Leoa, Tanzânia, Lesotho, Tunísia, Togo, Gâmbia, Mayotte, São Tomé e Príncipe, Uganda, Burkina Faso, Burundi, Reunião, Eritréia, Seicheles, Chad, Djibouti, Niger, Comoros), América do Sul (Suriname, Guiana, Uruguai), América Central e Caribe (Martinica, Bahamas, Jamaica, Turks ans Caicos, Cuba, Sint Maarten, Belize, Antiga e Barbuda, Guadalupe, Granadinas, Aruba e Trinidad e Tobago), Europa (Croácia, Irlanda, Eslováquia, Hungria, Dinamarca, Eslovênia, Lituânia, Noruega, Letônia, Finlândia, Estônia, Andorra, Malta, Ilhas Faroe e Islândia) e Oceania (Nova Zelândia e Papua Nova Guiné.). São países de distintas situações econômicas e sociais, mas que vêm tendo êxito na contenção da pandemia. Incluem-se entre eles países de expressiva população: 25 entre os 90 países com mais de dez milhões de habitantes tem menos de 1.000 casos ativos, incluindo-se o país mais populoso do mundo.

Alguns países e territórios tem situação ainda melhor, com menos de dez casos ativos: Fiji, Barbados, Ilhas do Canal, Mônaco, Gibraltar, Bermuda, Saint Martin, Lieschtenstein, Curaçao, Saint Pierre, Caribe Holandês, Ilhas Maurício, Polinésia Francesa, Santa Lúcia, St. Kittis e Nevis, Laos(7,3 milhões de habitantes), Monserat, Granada, Groenlândia, Saara Ocidental e St. Barth.

Em quase todos os continentes (exceto África) existem países ou territórios que já não tem nenhum caso ativo: dentre 213 países e territórios considerados no wordometers, 13 estão nesta situação: Timor Leste (1,3 milhão de habitantes), Macao, Brunei, Nova Caledônia, Polinésia Francesa, Ilha de Man, Dominica, Ilhas Cayman, San Marino, Ilhas Virgens Britânicas, Anguilla, Malvinas e Vaticano. O Vietnã, com 97 milhões de habitantes e uma política de contenção exemplar, não tem nenhum óbito e registra apenas 90 casos ativos.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 19,4% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 107.684 em 12/8, 128.575 em 26/8 e 153.519 em 5/9. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais vulneráveis. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas de contenção.

 

 

NOTAS

1 – Os números são ligeiramente distintos dos do wordometers reunidos no quadro porque o endcoronavirus atualiza os dados a cada 6 horas. https://www.endcoronavirus.org/green-zone-rankings#countries. Diferentemente do wordometers, o Brasil aparece com mais novos casos que a Índia nos últimos 14 dias.

2 – Por esta razão, deixamos este número entre parênteses no quadro. Pelos dados divulgados no CoronavirusBra1, o número estaria próximo a 30.000. https://coronavirusbra1.github.io/