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BRASIL

Isolamento sanitário em Alagoas e a política de reabertura do governo

Débora Amaral* e Gabriely Duarte**
Marcio Ferreira / Fotos públicas

Maceió AL 08 05 2020-Polícia Militar de Alagoas vai às ruas da capital Maceíó para fiscalizar cumprimento das medidas de isolamento

O primeiro registro oficial de covid-19 ocorreu 08 de março em Alagoas. O isolamento sanitário, através de decreto estadual começou no dia 19 do mesmo. No início, Alagoas conseguiu manter o número de contaminados baixo junto ao  de mortes, mas, nas últimas semanas, houve a explosão de casos no Estado, demonstrando a continuidade nos índices de transmissão e o pouco isolamento. Hoje temos mais de 25 mil contaminados, e o número de óbitos perto dos 900. Maceió se tornou a capital do país que o vírus se espalha mais rapidamente, e o índice de isolamento sanitário está abaixo dos 40%. Ao mesmo tempo, o estado é um dos que apresenta o maior número de lotações nos leitos de UTIs.

As imagens dos ônibus cheios, terminais lotados nas periferias da capital, as ruas movimentadas em Maceió e nas grandes cidades do interior, mostram que o isolamento sanitário no estado fracassou. Sem condições de permanecer em casa, seja pela falta de renda, ou pela precariedade das habitações, pequenas, com falta de saneamento básico, a população negra, periférica e o interior foram abandonados pelo governo estadual, que não teve políticas públicas efetivas para garantir o isolamento sanitário, nem viu por parte do governo políticas de comunicações efetivas sobre o risco da doença.

Aqui, para cada 4,76 pretos contaminados, 1,18 morrem. Já os brancos, pra cada 8,99 contaminados, os mesmos 1,18 morrem.

Em nosso estado o governo estadual não apresenta dados detalhados e estudos que refletem a pandemia na população negra, e isto impede que se tenha a elaboração de políticas de combate ao Coronavírus. Porém, sabemos que pessoas em Alagoas, negras e negros tem uma maior probabilidade de morte. Aqui para cada 4,76 pretos contaminados, 1,18 morrem. Já os brancos, pra cada 8,99 contaminados, os mesmos 1,18 morrem.

Uma pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFAL, FAU, mostrou que os bairros com maiores índices da doença são os com menores números de prática do isolamento sanitário. Benedito Bentes e o Jacintinho, são bairros periféricos mega populosos, e com uma composição social majoritariamente negra. Os trabalhadores forçados a trabalhar para não passar fome ou não perder os empregos acabam sujeitos nos transportes públicos lotados e nas ruas a contrair a doença. A doença se espalha entre a periferia e o interior, escancarando a imensa desigualdade que afeta Alagoas.

Nosso estado possui características de dependência econômica dos produtos vindos do interior, sobretudo do comércio arapiraquense. A capital apenas funcionou como centro da doença que se espalhou dela para outras regiões como o agreste, zona da mata e sertão. Hoje todos os municípios do estado apresentam pessoas que foram infectadas, e algumas cidades apresentam pelo grau de propagação do vírus um nível crítico e preocupante, como Marechal Deodoro e Rio Largo.

Isso demonstra uma grande falha nas políticas de combate ao Covid 19, tendo em vista a falta de prevenção e fiscalização nos interiores. Além do sucateamento no sistema de saúde, o qual ficou perceptível e gritante diante da situação. Arapiraca apresenta uma das situações mais dramáticas do Brasil quando se fala nas condições hospitalares para combater a doença.

É válido apontar que mesmo em meio a pandemia a prefeitura de Maceió de forma criminosa ordenou uma ordem de despejo para mais de 2 mil moradores das comunidades Otacílio de Holanda e Portelinha na cidade universitária, demolindo as moradias dessa comunidade, que considerava ilegal. A população periférica da capital, em diversos bairros, sofreu também com falta de água e de energia elétrica. Os povos da lagoa mundaú, por exemplo, sistematicamente tomam as ruas da região por conta de problemáticas ligadas ao fornecimento de energia.

Vemos uma nova proposta do governo estadual sobre a abertura do comércio, que possivelmente terá alguns dias de atraso para ser aplicada diante da situação concreta da expansão da doença. Estamos em um momento, onde as mortes e contaminação continuam subindo, estando longe de apresentar uma caída. Mesmo assim o governo Renan se curva diante das pressões dos empresários e da elite alagoana que defende abertamente o fim do isolamento sanitário. Para eles que estarão seguros em seus condomínios e mansões, seus lucros são mais importantes que a vida dos trabalhadores.

No entanto, só reabre aquilo que foi fechado. O fato é: Alagoas não teve isolamento social. Não o suficiente. Mas, a classe alta da sociedade composta dos empresários das velhas oligarquias – Malta, Calheiros, Melo, Cavalcanti- continua decidindo quem vive e quem morre.

Desde o início do isolamento sanitário, eles pedem a reabertura do comércio e, agora, com o número de mortes no topo, superlotação nos hospitais e interiorização da doença, qualquer fala sobre a possibilidade de reabrir o comércio, academias e voltar a uma suposta normalidade, acaba gerando mais e mais mortes, e um afrouxamento do isolamento sanitário. Estudiosos e pesquisadores afirmam a falta de controle do vírus no Brasil e a  estimativa feita por pesquisa da UFAL é de pelo menos quase 68 mil alagoanos infectados.

Tal cenário é caótico, não temos testagem em massa na população, as UTI´s ficam cada vez mais lotadas, o número de mortos aumentam, e a flexibilização ocorrerá às cegas, promovendo assim uma explosão de novos casos. Nós sabemos quem morrerão, serão trabalhadores, negros, e moradores da periferia.

Duas afirmações óbvias precisam ser feitas: o coronavírus não está controlado em Alagoas e nossas vidas valem mais que os lucros.

 

*Débora Amaral é estudante de Direito na UFAL e militante do Afronte

**Gabriely Duarte é Estudante de Direito na FRM e engenharia de produção na Universidade Federal De Alagoas, diretora de Campus pelo DCE-UFAL e militante do Afronte