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BRASIL

Só um lockdown imediato pode minimizar a tragédia brasileira

Gilberto Calil

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas. Tomamos como referência principal o ritmo de crescimento do número de mortos, tendo em vista que o patamar de subnotificação dos casos no Brasil prejudica a avaliação da evolução do número total de casos. 

O ritmo de crescimento mundial do número de mortes vinha diminuindo de forma consistente desde meados de abril, com redução em todas as atualizações do mês de maio, mas desde o início deste mês se mantém em 17%, pois a redução observada especialmente na Europa é contrabalançada pelo elevado crescimento das mortes no Brasil, México, Índia, Rússia, Peru e Chile. Sempre calculado para os 14 dias anteriores, há 60 dias o crescimento médio no mundo era 218%, há 30 dias era 30%, e agora está em 17%. Tal redução foi efeito das medidas de contenção e políticas de isolamento social adotadas de forma rigorosa em muitos países. 

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 7.019 mortes, o que representa 23% das 30.547 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.8% da população mundial), mantendo-se na semana com mais de mil mortes diárias, bem à frente dos Estados Unidos (5.619 mortes no período). No dia de ontem, o Brasil muito teve mais mortes (1.261) que todos os 141 países da Europa, África, Oceania, América Central e Caribe (737).

O Ministério da Saúde omite informações e ataca diretamente o direito à informação, ocultando dados fundamentais e séries históricas sobre Síndrome Respiratória Aguda Grave que permitiam dimensionar o patamar da subnumerificação dos óbitos. Além disto, propaga o número de recuperados como se fosse a informação mais relevante. No entanto, este número só tem relevância se é maior que o de novos casos, o que absolutamente não é o caso.

Além disso, o resultado da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 25 de maio, indica que tínhamos então 7 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais, o que então abarcaria 1.4% da população. Caso a relação se mantenha, hoje estaríamos em 2.6%. Considerando a intenção declarada de Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho”, haveria espaço para que o número e contaminados crescesse ainda mais 27 vezes, com o que se chegaria mantendo a mesma relação, a 1.110.000 mortes, sem considerar o acréscimo decorrente do colapso do sistema de saúde nem a atual subnoficação de óbitos não testados. Além de estarmos entre os quatro países com maior ritmo de expansão das mortes (sendo o que tem maior número absoluto), temos também o maior ritmo de expansão do número de casos, que teve um crescimento de 84% em 14 dias, tendo chegado ontem a ultrapassar 30.000 novos casos. Isto indica uma forte tendência de que o número de óbitos seguirá crescendo nas próximas semanas. Há 60 dias, o Brasil não atingia 1% do total de mortos no mundo, há 30 dias chegava a 4,6% e hoje este índice já chega a 9,9% das mortes mundiais. Temos 193 mortes por milhão de habitantes, mais de três vezes superior à média mundial (54).

Cinco países, dentre os que tem maior número de mortes, mantém-se com um ritmo de crescimento de mortes entre 3 e 5 vezes superior à média mundial: Índia (80%), México (79%), Rússia (58%), Brasil (53%) e Peru (49%). No entanto o Brasil está em estágio mais adiantado de evolução da pandemia, com mais mortes acumuladas que os outros quatro somados, e portanto deveria ter taxas de crescimento muito mais baixas. Dentre estes quatro países, Índia e México tem a pior situação no momento, mantendo ritmo muito elevado de crescimento das mortes. Todos os demais países que estão entre os quinze com mais mortes tiveram diminuição do crescimento de mortes ou ao menos estabilizaram em patamares mais baixos, estando o Canadá (16%), Irã (13%), Estados Unidos (12%), e o Reino Unido (9%) em uma situação intermediária, ainda com oscilações e mantendo expressivo número de mortes diárias. Os demais países europeus registram um crescimento das mortes inferior a 3%, comprovando efetiva estabilização, embora no caso da Espanha as mudanças de procedimento na contagem baixem artificialmente os números. A melhora da situação destes países é produto da manutenção dos índices de crescimento de novos casos abaixo 0,2% ao dia, que garante uma continuada redução dos casos ativos. As exceções na Europa são a Rússia, que segue como terceiro país em número de casos no mundo (mas que já começa a ter redução no ritmo, com crescimento de novos casos em torno de 1,5% ao dia) e a Suécia, atualmente em profunda crise decorrente do fracasso da estratégia que seguiu, tendo um dos maiores índices de morte por milhão do mundo e estando muito longe de conseguir estabilizar a situação (252 mortes nos últimos 7 dias e 31.4% de crescimento dos casos em 14 dias), ao mesmo tempo em que se tornou evidente que, estando com pouco mais de 5% da população “imunizada”, a estratégia de “imunidade de rebanho” torna-se impraticável.

A China, que deixou de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, foi ultrapassada também por Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), e hoje é 18º país em número absoluto de mortes. O país registra apenas uma morte nos últimos 30 dias e 51 novos casos nos últimos 14 dias, estando com 65 casos ativos.

Brasil, México e Índia são disparadamente os três países com menor número de testes. O número de testes por milhão de habitantes que Brasil (6.421), México (2.6866) e Índia (3.780) é absolutamente inexpressivo e várias vezes inferior aos demais países com números análogos de mortes e casos (ainda que a Índia já tenha passado de 5 milhões de testes). É um patamar de testagem que torna absolutamente inviável qualquer controle sobre a pandemia, mostra o quanto é absurdo falar em reabertura da economia. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, o Brasil tem os piores números do mundo, com menos de 1.7 testes realizados por resultado positivo.  

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil, associado a um ritmo de crescimento do número de casos ainda maior, indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já tendo passado de 41.000 mortes oficializadas, o país deveria ter já há muito tempo um ritmo de crescimento diário de novos casos bem abaixo de 1% para ao menos ter a expectativa de começar a reduzir o ritmo de crescimento das mortes em duas a três semanas. Só é possível prever quando chegaremos ao pico da pandemia quando tivermos uma redução clara dos novos casos, que ao contrário seguem crescendo em ritmo elevadíssimo. Tornam-se cada dia mais urgentes políticas efetivas de isolamento social e inclusive de lockdown em várias regiões, o que é justamente o contrário do que vem sendo feito. Medidas deste tipo foram adotadas por todos demais os países muito antes de chegarem no trágico patamar em que estamos no momento. Nosso isolamento social continua sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada, que se expressa também no enorme crescimento de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave não testadas para Covid, especialmente alto em alguns estados que registram número relativamente mais baixo de mortes por Covid, como Minas Gerais e Paraná. 

No Brasil, o número de mortes está duplicando a cada 20,5 dias e o número de casos a cada 15,5 dias, enquanto no mundo o tempo de duplicação das mortes é de 45,5 dias e o dos casos é de 36,5 dias. Além de sermos o país com mais mortes diárias, também já somos o país com mais novos casos diários (ultrapassando os EUA, que realizam mais de dez vezes mais testes por milhão de habitantes), o quarto país com o maior ritmo de crescimento de mortes (depois de Índia, México e Rússia, mas sob uma base numérica 3.5 maior) e o país com maior ritmo de novos casos diários. Certamente também somos o país com mais pacientes em estado grave, mas este dado está indisponível.

Outros países, situados especialmente na América Latina, e também na África, Ásia e Oriente Médio, embora com números de casos e de mortes que ainda são menos expressivos, vêm tendo crescimento bastante superior à média mundial. Dentre estes, tiveram crescimento do número de casos superior a 100% nos últimos 14 dias: Nepal (4.43), Etiópia (3.22x), Iraque (3.06x),Haiti (2.88), República Centro Africana (2.59x), Omã (2.21x) e África do Sul (2,14x). Com taxa de 1.91x e maior número de mortes no continente africano, o Egito também tem a situação fora de controle. Se considerarmos os 15 países com maior número de casos ativos, além dos já citados, temos Paquistão (1.95x), Bangladesh (1.94x), Chile (1.77x) e Arábia Saudita (1.45x).

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que praticamente não tem tido novos casos, como Taiwan, Tailândia, Eslovênia, Suíça, Luxemburgo, Áustria, Croácia, Estônia, Albânia, Dinamarca, Noruega, Bósnia, Jamaica, Cuba e Uruguai, todos eles com expressiva redução do número de casos ativos. Dentre 213 países considerados, 24 não tem registrado nenhum caso ativo (sendo os mais populosos Papua Nova Guiné, Nova Zelândia, Laos, Timor Leste e Trinidad e Tobago) e outros 22 tem menos de 5 casos (incluindo Taiwan, Camboja, Eritréia, Lesotho e Gâmbia). O Vietnã, com 97 milhões de habitantes, não tem nenhum óbito e registra apenas 9 casos ativos.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de novos casos, para em consequência reduzir o número de mortes, pois a manutenção dos índices atuais projeta um cenário que é pior a cada dia e só vai piorar se o processo de reabertura tiver continuidade na situação atual. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 53% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 62.861 em 25/6, 96.178 em 9/7 e 147.153 em 21/7. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais precarizados. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas protetivas.