Pular para o conteúdo
BRASIL

Brasil segue no centro mundial da pandemia e teve mais de cem mil novos casos em quatro dias

Gilberto Calil

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas. Tomamos como referência principal o ritmo de crescimento do número de mortos, tendo em vista que o patamar de subnotificação dos casos no Brasil inviabiliza qualquer comparação da evolução do número total de casos. Entendemos que o cálculo do ritmo de crescimento é mais revelador do a simples comparação dos números absolutos ou dos índices de mortes por milhão de habitantes, tendo em vista que a expansão do Covid-19 se iniciou em momentos diferentes e a pandemia encontra-se em estágios totalmente distintos.

O ritmo de crescimento mundial do número de mortes vem diminuindo de forma consistente. Sempre calculado para os 14 dias anteriores, há 30 dias o crescimento era 58%, há 20 dias era 37%, há 10 dias era 24% e agora está em 18%, uma redução progressiva que é efeito das medidas de contenção e políticas de isolamento social adotadas de forma rigorosa em muitos países. 

Nos últimos sete dias, o Brasil teve 6.821 mortes, o que representa 25.4% das 26.903 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.8% da população mundial), alternando-se no topo com os Estados Unidos (6.879 mortes no período). Juntos, ambos os países tiveram mais da metade das mortes registradas em todo o mundo. No dia de ontem, o Brasil teve mais mortes (956) que todos os 105 países da Europa, África e Oceania somados (891).

Além disso, o resultado da pesquisa nacional Epicovid-19BR, divulgado no dia 25 de maio, indica que tínhamos então 7 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais, o que abarcaria 1.4% da população. Considerando a intenção declarada de Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho”, haveria espaço para que o número e contaminados crescesse ainda mais 50 vezes, com um acréscimo de mortes ainda maior, em virtude do iminente colapso do sistema de saúde. Além de ter o segundo maior ritmo de expansão das mortes entre os quinze países (depois de México, que tem números absolutos mais baixos), temos também o maior ritmo de expansão do número de casos, que teve um crescimento extraordinário de 114% em 14 dias, piorando dia a dia (chegando a 33.374 segundo o Ministério da Saúde, um crescimento absurdo de 7.1% em 24 horas) – o que indica uma forte tendência de que o número de óbitos seguirá crescendo nas próximas semanas. Em quatro dias, passou de 392.360 para 498.440, um aumento de 106.080 casos. Há 45 dias, 0,5% dos mortos eram do Brasil, e hoje este índice já chega a 7.8% e continua crescendo de forma acelerada. Temos 136 mortes por milhão de habitantes, quase três vezes a média mundial (47).

O Brasil mantém um ritmo de crescimento (85%) muitas vezes superior à média mundial em 14 dias (18%), abaixo apenas do México (97%) e seguido pela Índia (81%). Os países que vêm na sequência têm ritmo de crescimento bastante inferior: o Canadá tem 25%, os Estados Unidos 17% e todos os demais tem abaixo de 11% e em tendência clara de diminuição. Os Estados Unidos seguem diminuindo diariamente o ritmo de expansão e pela primeira vez desde o final de março chegaram a deixar de ser o país com mais mortes diárias (ultrapassado pelo Brasil). Exceto Brasil, México e Índia, todos os demais países vêm tendo um crescimento de novos casos suficientemente baixo para produzir uma diminuição do número de casos ativos, embora o Reino Unido venha observando uma retomada do número de novos casos em decorrência de sua reabertura prematura. A China registra apenas uma morte nos últimos 30 dias e teve apenas 27 novos casos nos últimos 7 dias.

Brasil, México e Índia são, também, disparadamente os três países com menor número de testes. O número de testes por milhão de habitantes que Brasil (4.378), México (1.901) e Índia (2.619) é absolutamente inexpressivo e várias vezes inferior aos demais países com números análogos de mortes e casos (ainda que a Índia já tenha feito quase quatro milhões de testes). É um patamar de testagem que torna absolutamente inviável qualquer planejamento de reabertura. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, o Brasil tem os piores números do mundo, inferior a 2 testes realizados por resultado positivo.  

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil contraria a tendência internacional de melhora da situação e indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já tendo passado de 28.800 mortes oficializadas, o país deveria ter já há muito tempo um ritmo de crescimento diário de novos casos abaixo de 1% para ao menos ter a expectativa de começar a reduzir o ritmo de crescimento das mortes em duas a três semanas. No entanto, o ritmo de crescimento de casos vem aumentando dia a dia. Tornam-se cada dia mais urgentes políticas efetivas de isolamento social e inclusive de lockdown em várias regiões. Medidas deste tipo foram adotadas por todos demais os países muito antes de chegarem no trágico patamar em que estamos no momento. Por exemplo, no dia em que a Itália chegou à marca de 28.800 mortes, registrou 174 mortes e 1.384, enquanto que no dia em que Brasil atingiu a mesma marca, tivemos 956 mortes e 33.274 novos casos. Nosso isolamento social continua sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de subnotificação generalizada. No país, os números de mortes estão aumentando a cada 15,5 dias e o número de casos a cada 14 dias, enquanto no mundo o tempo de duplicação das mortes é de 39 dias e o dos casos é de 33 dias. Além de sermos o país com mais mortes diárias, também já somos o país com mais novos casos diários (ultrapassando os EUA, que realizam dezenas de vezes mais testes), o terceiro país com o maior ritmo de crescimento de mortes (depois do México e Índia, mas sobre uma base numérica 3.5 e 5 vezes maior) e o país com maior ritmo de novos casos diários. Certamente também somos o país com mais pacientes em estado grave, mas este dado não é atualizado há um mês.

Os Estados Unidos vêm conseguindo reduzir o ritmo de aumento das mortes, que há 20 dias era 37%, há 10 dias era 24% e agora está em 17% para o período de 14 dias. Itália, Espanha, França, Bélgica e Alemanha conseguiram reduzir a expansão dos novos casos para percentuais próximos a 0,2% ao dia (índice 30 vezes menor que o Brasil). Ontem a soma do número de mortes dos 48 países europeus, que reúnem uma população de 750 milhões, foi de 749 mortes e 17.357 novos casos.

Outros países, situados na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio, embora com número ainda menos expressivo de casos ou de mortes, vêm tendo crescimento bastante superior à média mundial, com perspectiva de rápido agravamento da situação. Dentre estes, tiveram crescimento do número de casos superior a 100% nos últimos 14 dias: Haiti (4.42), Tajdiquistão (2.88x), Guatemala (2.8x), Bolívia (2.44x), Chile (2.36x), Afeganistão (2.27x), África do Sul (2,16x), Bangladesh (2.12x), Sudão (2.1x), Armênia (2.08x), Omã (2.07x). Outros, com crescimento abaixo de 100% no período, estão já entre os 20 com maior número de mortos: Peru (1.76x), e Equador (1.18x oficialmente, mas com inúmeras denúncias de manipulação dos dados). A Suécia, 16º em número de mortes, segue como país da Europa Ocidental com maiores índices de crescimento de casos, com 1.25x e país continental da Europa Ocidental com mais mortes na última semana (403).

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que praticamente não tem tido novos casos, como Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Vietnã, Nova Zelândia, Eslovênia, Suíça, Áustria, Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bósnia, Costa Rica, Cuba, Uruguai e Paraguai, todos eles com expressiva redução do número de casos ativos. Dentre 213 países considerados, 22 não tem registrado nenhum caso ativo.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de casos e do número de mortes no Brasil, pois a manutenção destes índices projeta um cenário cada vez mais terrível. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 85% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 53.370 em 13/6, 98.735 em 25/6 e 182,261 em 7/7. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais precarizados. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas protetivas.