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BRASIL

Brasil teve mais de um quarto das mortes mundiais nos últimos 5 dias

Gilberto Calil

O quadro reúne os dados dos 15 países com maior número de mortes registradas. Tomamos como referência principal o ritmo de crescimento do número de mortos, tendo em vista que o patamar de subnotificação dos casos no Brasil inviabiliza qualquer comparação da evolução do número total de casos. Entendemos que o cálculo do ritmo de crescimento é mais revelador do a simples comparação dos números absolutos ou dos índices de mortes por milhão de habitantes, tendo em vista que a expansão do Covid-19 se iniciou em momentos diferentes e a pandemia encontra-se em estágios totalmente distintos.

O ritmo de crescimento mundial do número de mortes vem diminuindo de forma consistente. Sempre calculado para os 14 dias anteriores, há 30 dias o crescimento era 67%, há 20 dias era 40%, há 10 dias era 24% e agora está em 16%, uma redução progressiva que é efeito das medidas de contenção e políticas de isolamento social adotadas de forma rigorosa em muitos países. 

Nos últimos cinco dias, o Brasil teve 4.701 mortes, o que representa 26.2% das 17.946 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.8% da população mundial), superando os Estados Unidos, que somou 4.652 mortes. Juntos, ambos os países tiveram mais da metade das mortes registradas em todo o mundo. No dia de ontem, o Brasil teve mais mortes (1.067) que todos os 105 países da Europa, África e Oceania somados (1.042).

 Além disso, o resultado da pesquisa nacional Epicovid-19BR indica que temos 7 vezes mais contaminados do que indicam os dados oficiais, mas que ainda assim isto abarca 1.4% da população, e portanto se não houver medidas muito mais efetivas de contenção, o número de mortos poderia crescer ao menos 50 vezes mais, até chegarmos aos 70% que supostamente garantiriam estancamento da pandemia, sem considerar o acréscimo de mortes decorrentes do iminente colapso do sistema de saúde. Além de ter o terceiro maior ritmo de expansão das mortes entre os quinze países (depois de México e Índia, que tem números absolutos mais baixos), temos também o maior ritmo de expansão do número de casos, que teve um crescimento extraordinário de 116% em 14 dias, com a pior marca no dia de ontem (26.417 segundo o Ministério da Saúde, um crescimento absurdo de 6.5% em 24 horas) – o que indica uma forte tendência de que o número de óbitos seguirá crescendo nas próximas semanas.. Há 40 dias, 0,5% dos mortos eram do Brasil, e hoje este índice já chega a 7.4% e continua crescendo de forma acelerada. Temos 126 mortes por milhão de habitantes, quase três vezes a média mundial (46).

O Brasil chega a um ritmo de crescimento que é quase seis vezes superior à média mundial em 14 dias, tendo crescido 91%, abaixo apenas do México (104%) e da Índia (95%). Os países que vêm na sequência têm ritmo de crescimento bastante inferior: o Canadá tem 26%, os Estados Unidos 19% e todos os demais tem abaixo de 13% e em tendência clara de diminuição. Os Estados Unidos seguem diminuindo diariamente o ritmo de expansão e pela primeira vez desde o final de março deixam de ser o país com mais mortes diárias (ultrapassado pelo Brasil). Exceto Brasil, México e Índia, todos os demais países vêm tendo um crescimento de novos casos suficientemente baixo para produzir uma diminuição do número de casos ativos, embora o Reino Unido venha observando uma retomada do número de novos casos em decorrência de sua reabertura prematura. A China registra apenas uma morte nos últimos 29 dias e teve apenas 28 novos casos nos últimos 7 dias.

Brasil, México e Índia são, também, disparadamente os três países com menor número de testes. O número de testes por milhão de habitantes que Brasil (4.104), México (1.901) e Índia (2.439) é absolutamente inexpressivo e várias vezes inferior aos demais países com números análogos de mortes e casos (ainda que no caso da Índia o número absoluto de testes já seja expressivo, a relação por milhão de habitantes é baixa). É um patamar de testagem que torna absolutamente inviável qualquer planejamento de reabertura. Na relação entre testes realizados e resultados positivos, o Brasil tem os piores números do mundo, inferior a 2 testes realizados por resultado positivo.  

O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil contraria a tendência internacional de melhora da situação e indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já tendo passado de 26.500 mortes oficializadas, o país deveria ter já há muito tempo um ritmo de crescimento diário de novos casos abaixo de 1% para ao menos ter a expectativa de começar a reduzir o ritmo de crescimento das mortes em duas a três semanas. No entanto, o crescimento de casos segue aumentando em torno de 5% ao dia (chegando a 6.5% ontem). Tornam-se cada dia mais urgentes políticas efetivas de isolamento social e inclusive de lockdown em várias regiões. Medidas deste tipo foram adotadas por todos demais os países muito antes de chegarem no trágico patamar em que estamos no momento. Nosso isolamento social continua sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de subnotificação generalizada. No país, os números de mortes estão aumentando a cada 14,5 dias e o número de casos a cada 13 dias, enquanto no mundo o tempo de duplicação das mortes é de 37 dias e o dos casos é de 33,5 dias. Além de sermos o país com mais mortes diárias, também já somos o país com mais novos casos diários (ultrapassando os EUA, que realizam dezenas de vezes mais testes), o terceiro país com o maior ritmo de crescimento de mortes (depois do México e Índia, mas sobre uma base numérica 3.5 e 5 vezes maior) e o país com maior ritmo de novos casos diários. Certamente também somos o país com mais pacientes em estado grave, mas este dado não é atualizado há um mês.

Os Estados Unidos vêm conseguindo reduzir o ritmo de aumento das mortes, que há 20 dias era 51%, há 10 dias era 32% e agora está em 19% para o período de 14 dias. Itália, Espanha, França, Bélgica e Alemanha conseguiram reduzir a expansão dos novos casos para percentuais próximos a 0,2% ao dia (índice 30 vezes menor que o Brasil). Ontem a soma do número de mortes dos 48 países europeus, que reúnem uma população de 750 milhões, foi de 937 mortes e 19.816 novos casos.

Outros países, situados na América Latina, África, Ásia e Oriente Médio, embora com número ainda menos expressivo de casos ou de mortes, vêm tendo crescimento bastante superior à média mundial, com perspectiva de rápido agravamento da situação. Dentre estes, tiveram crescimento do número de casos superior a 100% nos últimos 14 dias: Haiti (5.64), Tajdiquistão (2.53x), Guatemala (3.09), Chile (2.35x), Sudão (2.39x), Afeganistão (2.31x), Bolívia (2.47x), Bangladesh (2.14x), Kuwait (2.01x), Omã (2.08x), África do Sul (2,15x), Armênia (2.13x), Honduras (2.06). Outros, com crescimento abaixo de 100% no período, estão já entre os 20 com maior número de mortos: Peru (1.76x), Rússia (1.5x) e Equador (1.26x, mas com inúmeras denúncias de manipulação dos dados). A Suécia, 16º em número de mortes, segue como país da Europa Ocidental com maiores índices de crescimento de casos, com 1.25x e país continental da Europa Ocidental com mais mortes na última semana (395).

De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que praticamente não tem tido novos casos, como Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Vietnã, Nova Zelândia, Eslovênia, Suíça, Áustria, Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bósnia, Costa Rica, Cuba, Uruguai e Paraguai, todos eles com expressiva redução do número de casos ativos. Dentre 213 países considerados, 21 não tem registrado nenhum caso ativo.

É imprescindível e urgente reduzir o ritmo de crescimento do número de casos e do número de mortes no Brasil, pois a manutenção destes índices projeta um cenário cada vez mais terrível. Se por hipótese considerarmos que este ritmo se mantenha o mesmo (crescimento de 91% a cada 14 dias), o número de mortes no Brasil atingiria 51.100 em 11/6, 97.601 em 23/6 e 186,418 em 7/7. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do que pode ocorrer caso não sejamos capazes de diminuir o atual ritmo de forma muito mais vigorosa. Para isto, são inadiáveis medidas para ampliação do nível de isolamento individual, associadas à garantia de efetivas condições de sobrevivência ao conjunto dos trabalhadores, em especial aos mais precarizados. Um pequeno aumento ou uma pequena diminuição no percentual produz um grande efeito em cascata nos números em dois ou três ciclos, o que reforça a urgência do reforço das medidas protetivas.