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BRASIL

É possível vencer o EaD: reflexões sobre as vitórias na Unesp

Gabriela Souza, Isabela Otani e Otávio Lemes

Um dos efeitos da pandemia do Covid-19 foi escancarar processos que já vinham em curso, mas que muitas vezes, passavam despercebidos. Na saúde, ponto central da pandemia, tornou-se evidente o desfinanciamento que tem sofrido o Sistema Único de Saúde e as cruéis consequências desse descaso. No caso da educação, não é diferente: a pandemia mostra os reflexos mais vergonhosos do desmonte da educação pública.

Desde as salas de educação básica, até as turmas de graduação e pós-graduação, o distanciamento social vem exigindo de nós ponderar entre as mais variadas estratégias para enfrentar momento tão incerto. As saídas com maior adesão atualmente são duas:  a suspensão dos semestres, e a adoção do ensino à distância durante a quarentena.

Nas universidades públicas do Estado de SP, tem sido muito considerado o EAD, não só pelo anseio em manter a produtividade durante a quarentena, mas também por pressões do governo Dória, que busca implementá-la verticalmente a qualquer custo, como fez na educação básica. Contudo, além de excludente e limitada, esta opção revela-se ainda mais penosa em meio a pandemia, aos estudantes sem condições materiais, psicológicas e físicas para se dedicar às provas e trabalhos. E para piorar, tem sido apresentadas como a única opção pelos reitores. Não é surpresa, pensando a quem eles deploravelmente se subordinam.

Por mais desvantajosa que pareça, a experiência nos mostrou que é possível vencer. A prima pobre, como é comumente chamada a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, tem mostrado o caminho.

Na UNESP Franca, a implementação integral do EAD foi derrubada em todos cursos, graças a um esforço conjunto de docentes, discentes e servidores, que construíram e divulgaram amplos manifestos pela suspensão do calendário letivo. Neste processo, vale destacar o massivo envolvimento dos primeiro-anistas, que apoiaram as iniciativas em número surpreendente. Para ilustrar, no manifesto construído pelo coletivo Afronte!, quase 300 ingressantes assinaram. Isso conferiu uma enorme representatividade aos documentos contrários ao EAD que, para além de articular os CAs e representantes discentes, movimentaram centenas de estudantes dos cursos.

Mas não apenas em Franca, os ingressantes mostraram determinação na luta contra o EAD. Na UNESP Bauru, desde a semana passada, o primeiro ano de Pedagogia tem se recusado a realizar toda e qualquer atividade remota obrigatória, sob o argumento de solidariedade aos estudantes mais vulneráveis e  defesa de uma educação de qualidade e acessível. Essa coragem não é à toa: aos que acabaram de entrar, o anseio de vivenciar a universidade pública como sonharam, muitas vezes supera o receio de interromper o semestre. Há inúmeros sonhos que não cabem em telas de celular. E não podemos desistir deles.

Outro exemplo de mobilização aconteceu no Campus Experimental de Rosana, onde estudantes e professores do curso de Turismo decidiram pela aplicação de Cursos Livres, que valem apenas como horas em Atividades Acadêmico-Científicas Complementares (AACC). Apesar de ser uma atividade à distância, foi considerada uma vitória, pois venceu a proposta de ensino à distância sem porcentagem mínima de conteúdo a ser dado. Os cursos não são obrigatórios, não valem presença e nem nota em disciplinas que são lecionadas pelos professores que estão ministrando os cursos. Essa é uma alternativa sem a obrigatoriedade e cobrança para com os alunos que não possuem acesso.

Eventos como esse mostram que a vitória é possível, mas não está dada. É preciso vontade e organização coletiva.

O que nos leva a uma discussão importante: o papel dos Centros e Diretórios Acadêmicos. Hoje em dia, muitas dessas entidades se encontram engessadas em debates técnico-burocráticos. Em busca de uma suposta “neutralidade”, limitam-se a divulgação de portarias, gráficos e tabelas fornecidas pela reitoria, que certamente não é neutra e muito menos leviana, o que acaba impulsionando a ideia de que o congelamento de contratação docente, o EAD e outras imposições “de cima” são inevitáveis. Para não cair nessa armadilha, defender o interesse dos estudantes e incentivar a mobilização estudantil, é essencial que as entidades politizem seus debates. E como fazer isso?

Antes de tudo, é necessário mostrar que nós, estudantes, temos poder.

 E por isso, não precisamos aceitar todas canetadas da reitoria. Podemos e devemos contrapô-las, se não for do nosso interesse. Afinal, somos a vasta maioria da comunidade acadêmica e, por tabela, aqueles que mais contribuem no seu financiamento, através do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), presente em cada pão, quilo de arroz e litro de leite que compramos. Todo mês, parte da arrecadação desse imposto reverte-se em salários de professores, contas de luz e água, dentre outros gastos da UNESP.

Nos últimos anos, contudo, o repasse desse imposto tem se mostrado absolutamente insuficiente. Contratações foram suspensas, salários foram congelados e bolsas foram cortadas, mas ironicamente, o repasse nunca foi aumentado. A história mostra que quem paga a conta, no final, são sempre os estudantes, professores e servidores. Enquanto isso, ricos e poderosos saem ilesos, a exemplo das renúncias fiscais de empresas que chegaram a R$ 16 bilhões em 2019, atingindo diretamente as verbas que seriam repassadas para as universidades.

Levando tudo isso em consideração, vale para nós, estudantes, percebermos a força que temos quando unidos. Ainda que estejamos fisicamente distantes, a tentativa de implementar o ensino remoto nos atingiu de maneira geral, o que impulsionou uma luta contra essa medida em todos os campi da UNESP. Campanhas capitaneadas por entidades estudantis, movimentos autônomos e coletivos de juventude, como o Afronte!, tem gerado repercussões positivas e frutos importantes, na medida do possível. Em tempos de negacionismo científico, desprezo às instituições democráticas e banalização da vida dos grupos marginalizados, cada passo em defesa da universidade pública, democrática, gratuita e de qualidade deve ser celebrado e impulsionado. E por isso dizemos: a UNESP vale a luta! É possível vencer o EAD!