Há pouco mais de um ano comecei a trabalhar no escritório da Uber. Éramos quase 30 pessoas passeando pelas salas, auditórios, pelo famoso “all hands”. Tudo nos foi apresentado durante uma semana de treinamento. Era um escritório colorido, vivo, divertido.
Meus colegas eram gays, mães solteiras, negros e negras, seus cabelos eram coloridos
Na copa: máquina de café, cappuccino e chocolate ilimitado para o nosso consumo. Várias TVs espalhadas. Olhávamos pro lado e tinha sofás a vontade, vídeo-games, sinuca e outros jogos ali para jogarmos a qualquer hora. Pra gente tudo isso era novo, gerava espanto e até incredulidade. Como pode uma empresa tratar tão bem seus funcionários?
Durante todo o treinamento nos era repetido os valores, “Nós respeitamos as diferenças” talvez fosse o mais reivindicado. Meus colegas eram gays, mães solteiras, negros e negras, seus cabelos eram coloridos, seus corpos completos de tatuagens e piercings. Todos ali dedicados a retribuir tudo que a Uber estava nos dando.
Sede da Uber em São Paulo. Divulgação / glassdoor.com.br
Passado o treinamento e a postos pro trabalho conhecemos nossas equipes, nossos coordenadores e também as cobranças. As semanas foram passando e as idas ao banheiro que nunca foram questionadas passaram a ser investigadas. O acesso livre à internet que tínhamos enquanto trabalhávamos, foi suspenso. E o que chamávamos de métricas (medidas de desempenho individual) foi justificativa para muitas demissões (o que não foi dito era que os acionistas não aceitavam redução dos lucros em virtude de manter “tantas regalias” pra os funcionários).
O amor incondicional por esta empresa já não era tão incondicional assim. Chegamos em março e na segunda quinzena recebemos a notícia do home office. Foi nos emprestado computador e outros equipamentos para garantir o trabalho. Para a gente tudo caminhava normalmente, apesar da pandemia.
Enquanto trabalhávamos, nossos acessos, logins iam sendo bloqueados inusitadamente.
As reuniões online aconteciam periodicamente com a equipe e coordenadores. Tudo normal. Até que anteontem* fomos desligados. Isso, desligados. Enquanto trabalhávamos, nossos acessos, logins iam sendo bloqueados inusitadamente. Em seguida, vinha o e-mail formalizando a demissão.
Somos agora mais de 3.700 pessoas demitidas em todo o mundo. A justificativa? Diminuir os custos.
A notícia veio no mesmo dia em que foi noticiado o avanço para mais de 8 mil mortes por Covid-19 no Brasil. Que o mesmo vírus já infectou mais de 3,7 milhões de pessoas deixando mais de 264 mil mortos em todo o mundo.
Eu, meus colegas, meus antigos chefes estamos agora desempregados, no momento que o país passa pela maior crise de saúde. A Uber nos vendeu a ideia de que éramos insubstituíveis e fomos descartados de forma fria.”
* 06 de maio.
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