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BRASIL

O coronavírus e a questão agrária

Francisco Ianzer Machado, de Florianópolis, SC
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

O isolamento social frente à crise do COVID-19 coloca didaticamente em foco a luta de classes. De um lado, a burguesia prega pela retomada à normalidade, em defesa de seus lucros, e por outro, a classe trabalhadora tenta proteger sua própria existência. Circulam por nossos celulares falas de expoentes da classe burguesa, como Roberto Justos, Júnior Durski e Luciano Hang, em que estes colocam como irrelevante a “morte de cinco mil, sete mil pessoas”, quando comparada com suas perdas financeiras. Começa a ficar claro para as massas que os grandes apoiadores do governo Bolsonaro, que caso contraiam o vírus serão tratados nos mais caros e sofisticados hospitais da rede privada, não se importam com as vidas pobres. Em seus carros, com janelas fechadas e ar condicionado ligado, os ricos foram às ruas exigir que seus funcionários retornassem ao transporte público lotado, se expondo à contaminação e colocando em risco sua vida e a de sua família, para que a conta bancária das camadas privilegiadas da sociedade não parasse de engordar.

Toda a classe trabalhadora está sendo brutalmente prejudicada com a pandemia, mas em especial suas camadas mais precarizadas. As duas primeiras mortes pelo Corona vírus, que foi trazido ao Brasil pelos setores mais ricos vindos de suas viagens internacionais, não por acaso foram de uma empregada doméstica e um porteiro. A política genocida do governo Bolsonaro, com a flexibilização dos direitos trabalhistas e redução salarial, vai na contramão das reais demandas dos trabalhadores. É evidente a necessidade de auxílio da população mais pobre pelo Estado, com garantia do emprego e renda mínima, o que não está na agenda de Bolsonaro e Guedes, que estão mais preocupados em salvar os lucros do grande empresariado. Além do proletariado dos centros urbanos, uma camada que não está nas notícias e que passa por gigantescas dificuldades em meio à crise, é a do campesinato.

Mais de 70% do alimento que chega à mesa do brasileiro provém da agricultura familiar. Os pequenos produtores encontram em mercados, CEASAs e programas de fornecimento de merendas escolares, importantes destinos de escoamento de suas produções. Com o isolamento social, aqueles que não comercializam diretamente com grandes redes de supermercados, e dependem de feiras para vender seus produtos, acabam por sofrer perdas irreversíveis.

A cidade come o que o campo produz.

A cidade come o que o campo produz. É preciso incluir o campesinato nas reivindicações de direitos da classe trabalhadora. Deve ser garantido o adiantamento do benefício Garantia Safra. São necessárias políticas públicas, como a retomada e ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos, para compra dos produtos de pequenas e médias propriedades e distribuição à população em situação de vulnerabilidade. Também se faz urgente a adequação do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a aquisição e distribuição regular de cestas básicas para as famílias dos estudantes. As populações do campo necessitam de atenção especial em relação aos serviços de saúde, já muito precarizados, sendo urgente, então, a revogação imediata da EC-95 e injeção de grandes investimentos na infraestrutura de atendimento médico rural.

O desmonte estrutural das políticas públicas, aprofundado no governo Bolsonaro, como a paralisia quase que total da reforma agrária, agrava o quadro, já bastante precário, da vida no campo. A população de acampados e assentados enfrenta dificuldade de acesso a recursos básicos e à informação, que em meio à crise do COVID-19  pode ter consequências gravíssimas para essa parcela cujo papel essencial nos processos de fornecimento de alimento e preservação de recursos naturais afeta a todos.

Mesmo com toda a precarização e cientes de seus limites, indo em sentido contrário aos capitalistas, que não veem a hora de retomar o pleno funcionamento de seus negócios, não importando ao custo de quantas vidas trabalhadoras, os movimentos sociais do campo vêm demonstrando profunda solidariedade para com o proletariado urbano. No mesmo dia em que a rede de restaurantes Madero demitiu 600 funcionários, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra doou 12 toneladas de arroz orgânico para a população vulnerável no Rio Grande do Sul. O MST ainda tem produzido álcool para distribuir à rede pública de saúde, além de diversas ações de distribuição de alimentos para comunidades carentes e pessoas em situação de rua, como a campanha Marmita Solidária. O movimento disponibilizou estruturas, a exemplo o Centro Paulo Freire em Caruaru, para servirem de hospitais de campanha para o combate à pandemia.

 Fica claro quem é o verdadeiro Agro do Brasil. O Agro que se importa com a soberania alimentar do povo e continua a derramar suor e sangue para que o país possa comer. O Agro que demonstra o verdadeiro sentido de coletividade, repartindo o que produz com aqueles que necessitam. O Agro que abre mão dos seus ínfimos lucros, quando comparados com o grande agronegócio, em defesa do povo. O Agro que, mesmo com a constante precarização das condições de trabalho e criminalização de seus movimentos sociais, luta arduamente pela sobrevivência de toda a classe trabalhadora. O verdadeiro Agro é aquele que alimenta a população, e não o grande capital.