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MOVIMENTO

Que a bandeira das reformas volte às nossas mãos

Ricardo Souza*, de Pernambuco

Aqueles que experimentaram as lutas até a década de 80 certamente lembram que bandeiras como Reforma Agrária e Urbana povoavam a pauta da esquerda e dos movimentos sociais.

A partir da década de 90, no Brasil (e não apenas no Brasil), foi o neoliberalismo que passou a empunhar a bandeira das reformas. Reforma da previdência, da administração pública, trabalhista, fiscal etc., enquanto o nosso lado, na defensiva, apenas lutava para tentar manter direitos que estavam na Constituição. Não que fosse nossa, esta Constituição, mas que os poucos direitos que foram nela inscritos passaram a ser, sucessiva e insaciavelmente, atacados pelo ímpeto reformador liberal.

Nestes dias, o tema é a reforma tributária. A notícia, que será fatiada: a primeira tratando do consumo, e a segunda, da renda.

Nós, que nas lutas e nas eleições elegemos Lula, temos uma responsabilidade de entrar em campo e assumir as bandeiras reformadoras, trazendo uma mensagem bem clara: as reformas liberais, após décadas de implementação, fracassaram. É hora das reformas populares.

Neste sentido, o caminho que proponho é inverso ao fatiamento da reforma tributária, é pensar como um todo as reformas tributária, previdenciária e trabalhista. A discussão separada desses temas interligados esconde os problemas centrais e favorece um falso tecnicismo (que não passa do velho discurso do establishment).

Para entender a finalidade dessas reformas, é necessário compreender a disputa que encerram. São coisas diferentes, mas iguais. No Orçamento da União, a elite quer abocanhar os juros da dívida e o povo precisa dos direitos sociais. Fora do Estado, a luta é pela mais-valia (ou mais-valor para os mais modernos), a burguesia quer impor um novo e mais dramático nível de exploração, enquanto o povo trabalhador precisa de dignidade.

Exemplificando a disputa acima, vejamos o tema da uberização e da inteligência artificial. É justo que o Estado brasileiro assista a uma brutal precarização do trabalho e (o pior ainda vem) o extermínio de vários postos de trabalho substituídos por robôs – tudo isso a serviço de lucros cada vez maiores? Ou deve, o Estado, intervir para que uma parte da mais-valia seja revertida em direitos (saúde, moradia, renda básica) ou que os ganhos de produtividade promovam a redução da jornada de trabalho?

Perceba, leitora/leitor, que o exemplo acima envolve tributação, trabalho e previdência. Sendo mais explícito, uma medida que tribute os aplicativos e toda forma de precarização do trabalho e reverta o fruto desse tributo para a garantia de direitos (auxílio-doença, maternidade, pensão, aposentadoria) envolve tributação e previdência. Uma medida que relacione o uso da inteligência artificial/robotização à tributação previdenciária e à redução da jornada de trabalho envolve todas as 3 áreas em comento.

Em suma, a conjuntura atual demanda que o governo Lula, e com o mesmo nível de responsabilidade os partidos de esquerda e movimentos sociais, coloque na pauta medidas como a tributação das grandes fortunas, direcionamento de recursos para o SUS e educação pública, criação de encargos sociais para as empresas de aplicativos, direcionamento do uso da inteligência artificial para que seus avanços sejam revertidos em mais qualidade de vida para os trabalhadores…

Não podemos, então, ficar assistindo. Precisamos entrar no debate sobre as reformas. Por reformas populares da tributação, previdência e do trabalho!

* Ricardo Souza é Advogado Previdenciário e Analista do Tribunal de Contas de Pernambuco