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BRASIL

A soberania farmacêutica e sanitária é uma necessidade

Bernardo Pilotto*, do Rio de Janeiro, RJ
Rovena Rosa/Agência Brasil

Em meados de 2012, os trabalhadores do serviço público federal fizeram uma grande greve em todo o Brasil. Ela começou nas universidades e foi se ampliando para outros órgãos: INCRA, IBGE, Ministério da Saúde, FUNAI, DNPM, algumas agências reguladoras e também outros órgãos.

A greve vinha sendo praticamente ignorada pela mídia até o momento que os trabalhadores da Anvisa entraram no movimento paredista. Com a paralisação desses trabalhadores, começaram a faltar vários tipos de medicamento e outros insumos médicos no país. Isso porque a greve fez parar a fiscalização de vários produtos que chegavam via portos e aeroportos, fazendo com que esses se acumulassem nos pátios.

Hoje, durante a crise do coronavírus, e com a notícia de que os EUA enviaram navios e aviões para a China e interceptaram a compra que outros iam fazer de máscaras e outros EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), a conclusão parece óbvia: o Brasil não tem soberania farmacêutica e sanitária.

Mas, na época, essa conclusão não era óbvia. Ainda que os sindicatos, até como forma de defender o seu direito a greve, tenham colocado isso na pauta, dizendo que a culpa da falta de medicamentos e EPIs no sistema de saúde não era sua, as instituições (mídia, judiciário, parlamentares, poder executivo, etc.) não deram bola a esse debate. Para “resolver” a crise de desabastecimento daquele momento, houve decreto do governo federal que permitia uso de servidores estaduais para as funções da ANVISA e uma perseguição da greve por parte da mídia.

Mesmo por parte dos sindicatos e dos parlamentares mais comprometidos com as pautas levantadas por aquela greve (basicamente a bancada do PSOL e alguns mandatos do PT, PDT e do PCdoB), a defesa da soberania farmacêutica e sanitária parecia algo mais estratégico, ideológico, do que concreto. Até porque ninguém avaliava que o Brasil estava em vias de entrar em guerra com outro país, o que faria com essa demanda se concretizasse.

Pois bem… de 2012 para cá, as coisas só pioraram. A pauta ultraliberal se fortaleceu ainda mais, a indústria nacional só refluiu, os serviços públicos ficaram cada vez com menos verbas e mais precários, não houve a estatização da indústria farmacêutica aprovada na 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986 nem nada que chegasse perto disso.

Agora, com a emergência que temos em nosso país, esses debates ficam à tona de novo. Necessitamos, além da intervenção estatal para redirecionar o parque industrial brasileiro, de que isso não seja esquecido e que “no dia seguinte” da crise a gente consiga cumprir demandas um tanto básicas que o Brasil ainda não alcançou!

 

* Sociólogo, trabalhador da UFRJ e membro do comando local de greve em 2012

 

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