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MUNDO

Eleições britânicas: Por um governo Corbyn, com uma agenda anticapitalista

Reino Unido vai às urnas nesta quinta, 12. Candidatura de Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, tem o seguinte slogan: “é hora de mudança de verdade!!”

M. Musse*, direto de Londres

Nesta quinta-feira, 12, haverá Eleições Gerais em todo o Reino Unido. Mais de 630 constituencies (distritos) em toda a Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte terão eleições majoritárias, elegendo um MP (Parlamentar) para a composição do novo Parlamento Britânico em Westminster, Londres.

Neste processo, o partido que obtiver a maioria das cadeiras – absoluta ou relativa (a partir de composições com outros partidos) – tem seu líder eleito o Primeiro Ministro (PM) do país. Os dois principais candidatos são o atual PM, do Partido Conservador (Tories), Boris Johnson e o líder do Labour (Trabalhista), Jeremy Corbyn.

A eleição foi chamada há pouco menos de dois meses, a partir de sucessivas derrotas do recém empossado governo Boris Johnson – a partir de renúncias e disputas dentro do Partido Conservador – no Parlamento Britânico. Johnson assumiu prometendo um hard Brexit – ou seja, uma saída sem acordo (ou com poucos acordos) da União Europeia, mas perdeu todas as votações sobre o tema na casa legislativa.

Ao final, reeditou a proposta de acordo que sua antecessora Theresa May havia firmado com o Bloco Europeu – e que também fora derrotada várias vezes em Westminster, inclusive com os votos de Johnson e seu grupo dentro dos Tories, o ERG. Com pequenas alterações, a principal delas acerca de uma cláusula que deixava a Irlanda do Norte fora do espaço alfandegário britânico (e que deixou furiosos os aliados unionistas dos Conservadores, o reacionário DUP). Johnson conseguiu unificar a grande maioria dos Conservadores (os que apoiavam o acordo de May e os que estavam aliados ao novo governo) – e obteve votos de parlamentares de outros partidos (inclusive da oposição – 19 do Labour). Aprovou o texto mas perdeu os encaminhamentos – o que na prática o esvaziou completamente e levou à antecipação das eleições.

BREXIT vs AUSTERIDADE

A tônica da campanha eleitoral, dentre todos os partidos, foi o de disputar qual seria o tema central desta eleição. O Partido Conservador, principal responsável pela crise social que assola o país fruto de décadas de planos neoliberais e políticas de “austeridade”, tentou fazer da eleição um novo referendo sobre o Brexit. Com o slogan de “Get Brexit Done” (algo do tipo “Concluir o Brexit de vez”), se apoia em um discurso onde é preciso resolver o quanto antes a questão da saída da EU, negociada (em base ao acordo que eles mesmos haviam recusado meses antes por ser muito “soft”) – e que não fazer isso seria trair a vontade popular expressa no Referendo de 2016.

A seu favor, busca em primeiro lugar incidir sobre os 52% do eleitorado que votou pela saída no Referendo. Mesmo que capitalizado por um discurso majoritariamente populista de direita (xenófobo e anti-integração), grande parte deste eleitorado dentre a classe trabalhadora) seguiu este caminho por desilusão e repúdio aos governos neoliberais pró-EU e suas políticas de austeridade. Além disso, se apóia no cansaço que existe no país acerca da indefinição do processo de Brexit. Uma parte da grande burguesia imperialista e capital financeiro, que são majoritariamente contra o Brexit (ou um hard Brexit) já prefere claramente uma saída controlada e negociada (um soft Brexit) do que seguir na incerteza sobre o processo ou – mais ainda – do que a perspectiva de um governo Corbyn e seu novo Manifesto.

MANIFESTO DE CORBYN, EMBORA COM LIMITAÇÕES, AVANÇA MAIS EM RELAÇÃO AO ANTERIOR

Nas Eleições de 2017, um dos fatores que impulsionaram a arrancada de Corbyn que frustou (e derrotou) os planos de Theresa May e seu Partido Conservador foi o Manifesto For the Many not the Few (Para a maioria e não a minoria). Tal manifesto, embora apresentasse limitações em torno ao alcance das estatizações e outros aspectos – apresentava inúmeros pontos progressivos e era o mais avançado do Labour em décadas. Provavelmente, era também o mais avançado dentre as correntes de esquerda com bom posicionamento eleitoral – mais avançado que o de Bernie Sanders nos EUA, do governo do Partido Socialista (Geringonça) em Portugal e outros movimentos de esquerda formados em várias partes do mundo. A versão apresentada para estas Eleições avançou ainda mais em relação ao de 2017.

O Manifesto deste ano tem o nome It´s Time for Real Change (É hora de mudar de verdade), foi apresentado como uma proposta ambiciosa e radical de transformação” e tem dentre seus principais pontos:

  • Re-estatização das principais empresas em vários segmentos – como telecomunicações (internet banda larga), transportes públicos (trens), correios, energia, água
  • Fim das privatizações e terceirizações
  • Defesa do NHS (sistema público de saúde). Fim das “PPP” e terceirizações no setor. 
  • Fim dos cortes e das políticas de austeridade neoliberal, e investimentos massivos em saúde, educação, habitação popular e seguridade social
  • Taxação das fortunas. Reforma tributária reduzindo a taxação dos segmentos de menor renda e aumentando o das faixas mais elevadas
  • Fim dos contratos “zero hora” e outras formas de precarização trabalhista
  • Fim das reformas previdenciárias levadas a cabo pelos governos Conservadores
  • Redução drástica das emissões de carbono, e prioridade à questão da emergência climática
  • Construção de um novo acordo de Brexit com a União Europeia, garantindo direitos sociais e trabalhistas – que será submetido a referendo popular em um prazo de seis meses.

É um Manifesto que tem limitações significativas – como a ausência de um maior controle sobre o sistema financeiro (fora do escopo das privatizações), garantia a livre movimentação de pessoas – com o governo impedindo que as empresas utilizem isso para reduzir os salários e ausências sobre as questões nacionais (principalmente Escócia e Irlanda do Norte). Tais medidas são importantes para que se resolva de fato o problema da pobreza e desigualdade no país – que, mesmo sendo a quinta maior economia do mundo, tem problemas sociais como fome, pessoas sem teto, desemprego (e subemprego) e falta de perspectiva crescendo a cada dia. Mas é sem a menor sombra de dúvida um Manifesto bastante progressivo – e que deve ser visto como um ponto de partida para que se vá além em uma transformação estrutural e consequente não apenas da sociedade britânica, como em nível internacional.

DIREITA DO LABOUR – SABOTAGEM E BOICOTE À CAMPANHA

Além de todas estas dificuldades, há também as que vem de dentro das próprias fileiras do Laboiur Party. Mais precisamente, de suas estruturas tradicionais, que foram derrotadas e removidas do comando do partido desde a ascensão do fenômeno Corbynista. Figuras como Tom Watson, ex líder parlamentar do Labour que dedicou seus últimos anos no posto para tentar, a todo custo (e sem sucesso), derrubar Jeremy Corbyn e as correntes de esquerda. O próprio ex-PM (e aliado de Bush em suas guerras criminosas no Oriente Médio e um dos ícones da “centro-esquerda neoliberal”) Tony Blair declarou que não gostaria de ver um governo de maioria Trabalhista sobre o comando (e o programa) de Corbyn.

Acusações frequentes de anti-semitismo municiam os ataques da mídia conservadora a Corbyn, tentando colocar um sinal de igual com o racismo anti-islâmico presente em várias figuras dos Tories. Vale ressaltar que anti-semitismo, assim como qualquer manifestação de racismo, é algo totalmente inaceitável – sobretudo nos partidos de esquerda e movimentos sociais. Mas o fato é que a grande maioria, se não a totalidade destas acusações não se referem a manifestações anti-semitas – mas sim a denúncias do apartheid e racismo cometidos pelo Estado de Israel contra a população de origem palestina.

Outro movimento – que infelizmente vem também de setores de esquerda -se dedica a acusar Corbyn e o Labour por não terem se colocado centralmente na defesa da permanência do Reino Unido na União Europeia. Esta posição, além de taticamente equivocada, seria um erro político importante. Do ponto de vista tático, afastaria um grande número de trabalhadores nas áreas mais devastadas pela austeridade (especialmente no norte da Inglaterra) e os jogaria de vez no colo da extrema-direita (o Tory Brexit, Nigel Farage ou mesmo o neo-fascista UKIP). Do ponto de vista político e estratégico, se colocaria (na prática) na defesa da União Europeia – que não representa multi-culturalismo ou integração entre povos, mas austeridade, opressão e aumento da pobreza e desigualdade dentro e fora de suas fronteiras. Não custa nada lembrar o massacre que a Troika impôs ao povo grego e a vergonhosa capitulação do Syriza – por tentar fazer muito menos do que o proposto no Manifesto do Labour para essas eleições. E o preço pago pela esquerda europeia e internacional pelo processo de capitulação a essa mesma EU ocorrido naquele país.

VOTAR EM CORBYN E PREPARAR AS LUTAS, SEJA QUAL FOR O RESULTADO ELEITORAL 

Estas eleições são absolutamente imprevisíveis. As pesquisas de opinião apontam uma vantagem do Partido Conservador – mas até pelo método eleitoral – é difícil transformar isso em projeção de assentos conquistados por cada partido. Além disso, a campanha do Labour obteve um impulso espetacular nos últimos dias, perceptível nas ruas de todo o país. Na véspera da campanha, por exemplo, enquanto Corbyn fazia um comício em um subúrbio do nordeste de Londres com uma grande participação (apesar do frio de quase zero graus), Johnson fugia dos repórteres e ativistas em Bristol e chegou a se esconder em um frigorífico, o que foi amplamente noticiado (e ridicularizado) em todo o país. 

Um ponto crucial será a votação da juventude – majoritariamente pró Corbyn (o voto aqui não é obrigatório). As semanas anteriores à votação tiveram um recorde na quantidade de novos registros eleitorais – em sua grande maioria de jovens. Caso haja um novo youthquake (como em 2017), isso pode ser o fiel da balança.

As principais possibilidades de resultado são:

Hung Parliament com governo Boris Hung Parliament é o nome dado à configuração do  parlamento onde não existe nenhum partido com maioria absoluta. Nesse caso, mesmo que os Tories obtenham o maior número de assentos, teriam que fazer coalizões complicadas para montar um governo (o DUP, que garantiu o governo de Theresa May em 2017 e rifado no acordo de Boris com a EU, já disse que não fecha de novo). Ou seja, um governo que já nasceria frágil. Nesse caso, a tarefa da esquerda e dos movimentos sociais é de lutar incansavelmente contra o Governo no intuito de inviabilizá-lo (como os dois anteriores, May e o próprio Johnson) e garantir novas eleições em breve.

Conservadores com maioria absoluta dependendo do grau de maioria obtida, eles teriam maior ou menor capacidade de imprimir seu ritmo no Parlamento. Nesse caso, a tarefa da esquerda e dos movimentos sociais é organizar a resistência e lutar para enfraquecer o eventual governo e seu projeto

Hung Parliament sem condições de montagem de um governo o que ocorreria sem que ninguém tivesse maioria absoluta e o Labour depender dos LibDem para montar um gabinete. Isso é muito improvável pois, se é verdade que o LibDem representa um setor da burguesia britânica que é oposto ao Brexit – eles são “opostos ao quadrado” ao programa apresentado por Corbyn. Nesse caso, haverá uma pressão enorme para que o Labour rebaixe seu programa ou até mesmo substitua seu líder por um nome “mais ao centro”. Nesse caso, a tarefa da esquerda e dos movimentos sociais é de impedir que isso aconteça, derrotando mais uma vez a direita do Partido (que estará apoiada na pressão da mídia, da burguesia, da EU etc), garantir (e exigir) a permanência de Corbyn e do Manifesto e chamar novas eleições.

Hung Parliament com governo Corbyn essa é a hipótese menos provável dentre as elencadas, mas para nada podemos dizer que não esteja colocada. Isso acontecerá caso a arrancada nestes últimos dias garanta a vitória em alguns distritos tradicionalmente Conservadores, e que a quantidade de assentos do Labour com outros partidos menores (SNP escocês e Verdes) chegue perto da maioria absoluta. Um desses casos é o distrito do próprio Boris Johnson (Uxbridge), que periga ficar de fora do Parlamento se perder a eleição para o candidato do Momentum, Ali Milani – um jovem iraniano de família pobre que imigrou aos 5 anos de idade para a Inglaterra, e  que até o início deste ano era uma liderança do Movimento Estudantil. Nesta hipótese, a tarefa da esquerda e dos movimentos sociais é a de lutar ainda mais, mantendo a independência do governo, e exigir nas ruas que Corbyn governe sem a direita Blairista ou ministros burgueses e, partindo das políticas listadas no Manifesto, promova as medidas necessárias para garantir a transformação social na Grã-Bretanha e, pela importância do país no cenário mundial, levar esses ventos para todo o mundo e virar o jogo no cenário geopolítico internacional.

 

* M. Musse é Membro do Momentum e do Labour Party.
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