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MUNDO

Cinco lições sobre as eleições britânicas – vistas de dentro

Resistir ao governo Boris Johnson. Unir a esquerda por um Labour antiausteridade e anticapitalista

Márcio Musse, Londres (UK)*
Number 10

1 – É preciso encarar a realidade: sofremos uma dura derrota.

Foi uma derrota dura e significativa. Quando a imprensa divulgou os resultados das pesquisas de boca de urna, às 22hs (horário de Londres) do dia 12 de dezembro – as projeções da configuração do novo Parlamento britânico surpreenderam a todos e caíram como uma bomba na cabeça de todos os ativistas envolvidos neste importante e polarizado processo eleitoral. Com a abertura das urnas – e a confirmação da tendência apontada nas pesquisas, começou a cair a ficha de que estávamos diante não de um simples revés eleitoral, mas de uma importante derrota da esquerda e dos trabalhadores, não apenas na Grã-Bretanha, mas com repercussão em nível internacional.

Em 2017, a então Primeira Ministra (PM) Theresa May chamou eleições antecipadas para – prometendo “estabilidade e força” – montar um Parlamento onde tivesse maioria confortável para seguir implementando seu Brexit (na época tendendo mais a uma saída hard). Naquela ocasião, o Labour apresentou um Manifesto considerado bastante à esquerda e, contrariando todas as expectativas, obteve um resultado eleitoral que derrotou a estratégia de May, e praticamente deixou seu governo imobilizado até seu melancólico fim, cerca de dois anos depois.

Conseguimos polarizar a sociedade, em particular a juventude, contrapondo o combate às políticas de austeridade e apontando o rumo de uma perspectiva anticapitalista. Esta agenda, representada no Manifesto For the Many not the Few, superou as propagandas neoliberais e do Brexit nacionalista e xenófobo. Reconquistamos o espaço em amplos setores da classe trabalhadora, especialmente nas regiões mais devastadas por décadas de desindustrialização e austeridade neoliberal, patrocinadas pelos governos Conservadores (e Blairistas – a direita tradicional do Labour – simbolizada pelo ex-Primeiro Ministro Tony Blair). Esta mesma base social, localizada especialmente no norte da Inglaterra – teve seu desespero e falta de perspectivas capitalizadas pela extrema-direita no referendo de 2016 (que definiu o Brexit em termos bastante reacionários).

Desgraçadamente, não conseguimos repetir esses resultados nestas Eleições. Foi justamente na mesma região, o norte da Inglaterra – um tradicional e histórico reduto trabalhista (conhecido como “muralha vermelha”, na terminologia política britânica), onde nossa mensagem teve mais dificuldade de entrar e tivemos as maiores perdas – o que acabou desequilibrando as eleições e nos impondo esta importante derrota. Ao final das urnas apuradas, o Partido Conservador, de Boris Johnson, conquistou um aumento de 47 cadeiras, chegando a 365 (onde 326 definem maioria absoluta), e o Labour perdeu 59 cadeiras, ficando com apenas 203 – dando a Boris Johnson uma confortável maioria parlamentar para o início de 2020.

2 – Na disputa Brexit vs Austeridade – a “neutralidade” de Corbyn impediu que a polarização viesse para o nosso lado.

O tema central da eleição foi o Brexit, principalmente nas regiões que em 2016 votaram majoritariamente pela saída da EU. O slogan dos Conservadores era bastante direto: Get Brexit Done (algo como Resolver o Brexit de Vez). Buscaram se apoiar no cansaço da população com a indefinição sobre o tema e apresentando essa solução como condição inicial e necessária para que qualquer outro assunto pudesse ser resolvido no país.

O Labour, corretamente, apresentou um programa antiausteridade (bastante avançado, mais ainda que em 2017) como pauta central. Porém, ao responder “o que fazer com o Brexit”, colocou que “buscaria um novo acordo com a UE que protegesse empregos e direitos sociais e o submeteria a um novo referendo, e se posicionando com neutralidade na nova votação”. E era nisso – mais que no avançado Manifesto ou em qualquer outro ponto da campanha – que os Tories (e grande parte da mídia, diga-se de passagem) batiam para fazer sua propaganda prevalecer. Não por acaso, foram nas regiões, que em 2016 mais votaram pelo Brexit, onde os Conservadores e a extrema-direita mais ganharam espaço do Labour nesse processo eleitoral.

Logo após o resultado das eleições, vieram os balanços (principal, mas não exclusivamente, das alas à direita no Labour), de que Corbyn perdeu pois deveria se pautar por esta polarização e adotar centralmente um perfil de defesa – ou de negação – do Brexit. Os setores Blairistas mais ligados ao capital e a setores médios liberais urbanos diziam que Corbyn deveria encabeçar a luta contra o Brexit – e ter se colocado na luta por um novo referendo desde o início do processo. Já setores ligados às burocracias partidárias no norte inglês (e nas regiões mais diretamente ligadas a essa questão) dizem que Corbyn “virou as costas à classe trabalhadora e capitulou aos setores liberais” e que deveria ter se colocado na defesa do resultado do Referendo de 2016 desde o primeiro dia. Até mesmo correntes de esquerda, obviamente de forma mais honesta e com outros argumentos, reproduzem essas polêmicas em ambas as posições.

Porém, estes balanços incorrem em erros simetricamente opostos. Colocar-se desde o início em defesa de “qualquer Brexit” – mesmo que taticamente pudesse vir a reter votos nas regiões do centro-norte da Inglaterra – alimentaria um modelo de saída do Bloco que aponta uma direitização do país e, consequentemente, piora ainda mais o já castigado nível de vida da população naquelas regiões. Além disso, colocaria a bandeira da luta contra o racismo, xenofobia e nacionalismo reacionário no colo de setores liberais como os LibDem – que estão umbilicalmente ligados a toda a política de austeridade dos governos anteriores (e da própria União Europeia). E que foram, mesmo que de forma minoritária, responsáveis pela situação que estamos enfrentando.

Por outro lado, colocar-se na linha de “novo referendo do Brexit” desde o início, além do erro político de entrar em uma campanha pró-UE dirigida por setores da grande burguesia e do capital financeiro , não teria qualquer impacto positivo no ponto de vista eleitoral. Basta comparar os resultados destas eleições com os do referendo de 2016. Os partidos que centraram sua atuação no “combate ao Brexit” não foram bem: os LibDem perderam um assento em relação às eleições passadas e sua líder Jo Swinson sequer conseguiu se eleger. Os Verdes, que também haviam ido muito bem nas eleições europeias, e junto com os LibDem compunham a “Aliança pelo Remain” (Remain Alliance) mantiveram a mesma votação minoritária das eleições anteriores.

Era uma polarização muito difícil – e precisávamos de uma resposta mais efetiva ao Brexit para desmontar a armadilha de Johnson e trazer o jogo para o nosso campo, o Manifesto. Ao invés de pontos vagos como “vamos buscar um acordo que garanta isso ou aquilo”, precisávamos já ter as linhas centrais do tipo de acordo que apresentaríamos, e passos concretos de como conquista-lo e as alternativas. Um projeto de acordo alternativo ao dos Tories, articulado internacionalmente com a esquerda europeia e internacional. Com isso, teríamos melhores condições de trazer a polarização para o nosso campo: qual o tipo de Brexit vamos implementar, a ser referendado pelo voto popular, e o programa para o país sair da crise.

3 – Johnson 2.0: Trump ou Merkel / Macron? Hard Brexit a caminho?

  1. a) Boris Johnson: do Referendo de 2016 até as Eleições de 2019

O Referendo de 2016, que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), se deu de forma inesperada e por uma margem muito pequena (52% a 48%). Um dos elementos que garantiu esse resultado foi a grande diferença de votos a favor do Brexit nessa mesma região de centro-norte da Inglaterra, pelos motivos já descritos anteriormente.

Em termos de disputa social, representou a vitória de frações burguesas não hegemônicas, que viam mais vantagens tanto no mercado interno quanto internacional, em romper de fato com o bloco europeu e constituir um “imperialismo solo”, com uma economia mais protecionista e autárquica em relação aos concorrentes do bloco continental hegemonizado pelo capital franco-alemão. Foi o evento inaugural deste fenômeno recente na geopolítica mundial, que veio em seguida a gerar Donald Trump nos EUA, também se baseando em uma ideologia reacionária, de culpar imigrantes e a “globalização” pelos efeitos da austeridade, fortalecendo esse discurso de caráter mais nacionalista e muitas vezes racista, misógino e xenófobo.

Boris Johnson é um político de carreira, notadamente oportunista. Á época do Referendo era um quadro do Partido Conservador que, embora tivesse destaque, não estava na linha de frente do governo Cameron. Até então, nunca tinha manifestado qualquer oposição à União Europeia ou se alinhado com os setores que defendiam a saída. Enxergou no Referendo uma oportunidade de catapultar seu nome no tabuleiro político britânico passando a defender a saída do Bloco e disputando com o líder do UKIP Nigel Farage e outras figuras Conservadoras de menor expressão, a liderança da campanha pelo Leave (saída). Quando adotou essa posição, foi publicamente criticado pelo então Primeiro Ministro David Cameron por sua “manobra oportunista”, que chegou a prever que, ao se juntar a figuras obscuras da política nacional em uma campanha “fadada ao fracasso, Boris estava dando um final melancólico a sua carreira política”.

Com a vitória do Brexit no Referendo e a renúncia de Cameron no dia seguinte à votação, Boris era considerado o nome natural para suceder o derrotado Primeiro Ministro, mas foi excluído pelo restante da cúpula da ala vitoriosa dos Conservadores. Foi publicamente criticado por um de seus principais líderes, Michael Gove – por ter uma postura “dúbia” e não ser um Brexiteer de confiança. Com a saída de Boris do páreo e a derrota do próprio Gove, Theresa May veio a ser escolhida como sucessora de Cameron, tornando-se a Primeira Ministra do país.

Com a crise no governo May, Boris voltou aos holofotes ao se aliar a uma ala do Partido Conservador que busca um hard Brexit, o ERG. Johnson e o ERG cumpriram um importante papel em arruinar o acordo que May havia firmado com Bruxelas – acusando o mesmo de ser demasiadamente soft e que não significava um “Brexit de verdade”. Com o fim do governo May, depois de sucessivas derrotas e desmoralização, Johnson (apoiado pelo ERG e com um discurso de No-Deal), finalmente chegou ao governo no segundo semestre de 2019.

Ao assumir seu mandato, começou a todo vapor cuspindo fogo contra a União Europeia. Foi imediatamente comparado, até por suas características pessoais um tanto burlescas, a uma “versão britânica de Donald Trump”. Tentou uma manobra regimentar para suspender o Parlamento e com isso forçar um hard Brexit no final de outubro e foi derrotado na Justiça. Tentou encaminhar diversas votações que apontassem uma saída sem acordo ou mesmo de enfrentamento à UE, e obteve a impressionante marca de 100% de derrotas. Era abertamente criticado pelos principais setores da burguesia imperialista e do capital financeiro britânico, com notas públicas da CBI (Confederação das Indústrias Britânicas) o repreendendo abertamente.

Em uma de suas derrotas, expulsou ou suspendeu quadros históricos do Partido Conservador que haviam votado contra ele, como o ex-chanceler Phillip Hammond e até o neto de Winston Churchill. Quando já não conseguia sequer ganhar votações de encaminhamento, Johnson foi a Bruxelas e voltou com uma versão requentada – com pouquíssimas alterações de conteúdo – do projeto de acordo fechado por May meses antes, o mesmo que ele ajudou a afundar. Uma das principais mudanças foi a criação de uma “fronteira alfandegária” no Mar da Irlanda – na prática deixando a Irlanda do Norte de fora do espaço alfandegário britânico, deixando furiosos seus aliados unionistas do período anterior.

Com essa re-localização, Johnson conseguiu unificar o Partido Conservador e, contando até com votos de setores da direita trabalhista (e aplausos dos agentes do “mercado” e da grande burguesia), conseguiu aprovar o texto do acordo. Porém, perdeu os encaminhamentos que o permitiriam disparar o Brexit na data desejada – e daí chamou a antecipação das eleições.

  1. b) O segundo governo Johnson e o que esperar dos encaminhamentos do Brexit

O segundo governo de Boris Johnson não será uma continuação fortalecida de seu curto governo anterior. É outro Governo, e temos de ter isso bem claro. Boris, em um debate de TV durante a campanha, foi perguntado sobre um político atual que o inspirasse: deu como resposta “toda a cúpula da UE”. No discurso de vitória, falou em “unificar o país e curar as feridas”.

Análises políticas publicadas após o resultado das eleições, como comunicados de empresas multinacionais e até um artigo do The Economist diziam: “esta vitória significa que o acordo de Brexit de Johnson será facilmente aprovado no Parlamento e a Grã-Bretanha estará em curso de sair da UE no dia 31/Jan em um processo controlado. Nada de essencial mudará na relação da GB com a UE até Jan/21. As chances de um No-Deal Brexit são agora, extremamente baixas” e completa: “um potencial efeito de Johnson ter obtido larga maioria é que ele não estará mais submetido à pressão da direita de seu partido. Ele terá mais liberdade para negociar uma extensão do período de transição se necessário, assim como mais flexibilidade para negociar os termos da relação UK-UE”.

A Libra Esterlina, que entrava em turbulência a cada movimento de Johnson por um hard (ou No Deal) Brexit no primeiro mandato, subiu consideravelmente com o anúncio das pesquisas de boca de urna indicando sua vitória. A City (mercado financeiro de Londres) comemorou. Johnson caminha para um governo com perfil neoliberal tradicional, garantindo um Brexit controlado e negociado (soft), e não o de um Trump ávido em redesenhar todas as relações a partir de um eixo autárquico-nacionalista.

E isso vai gerar novas crises e instabilidades. O acordo de Johnson abre um período de transição de Brexit a partir do dia 31/Jan, e com ele toda a pirotecnia de ter enfim, “saído da União Europeia”. Na verdade, esta data abre um “período de transição”, com duração prevista de um ano, mas que pode ser estendida até que se chegue a um acordo de fato. Enquanto isso, tudo segue praticamente como está, até que o modelo seja (ou não) redefinido.

Toda essa negociação pode durar muito tempo, ou mesmo não se concluir. A disputa entre as frações burguesas pelo desenho do modelo de relações comerciais do país não se resolveu. Ela apenas mudou para um novo campo de batalha. Setores de extrema-direita como o UKIP, se preparam para “lutar para garantir que o Brexit de fato aconteça”. Esse foi o mote de sua campanha nestas Eleições (onde não elegeram nenhum Parlamentar). Uma linha quase que de “exigências e denúncias” a Johnson e o Partido Conservador. Enfim, ainda há muito que se definir neste terreno.

Além disso, Johnson “prometeu” por fim às políticas de austeridade, como forma de responder e fechar o espaço para as propostas de Jeremy Corbyn na campanha. Não entregar esta promessa também será um grande elemento de desgaste do novo Governo.

Por outro lado, Johnson deve utilizar o impulso obtido por essa vitória política para atacar o movimento social organizado, como anunciou com um projeto de lei que criminaliza as greves no transporte ferroviário, atacando diretamente um dos principais e mais combativos sindicatos do país, o RMT. Não podemos falar em “fechamento de regime”, mas certamente em um governo com mais disposição em atacar os movimentos sociais e suas organizações.

Ter a precisa caracterização do que será o segundo governo Boris, seu perfil e suas contradições, é uma tarefa de fundamental importância para a esquerda britânica na preparação de como enfrentaremos esse novo momento colocado no país.

4 – A questão das nacionalidades: erro político de Corbyn e um barril de pólvora no próximo período

A questão nacional, conectada com as incertezas abertas desde a vitória do Brexit, deu a tônica da campanha na Escócia e na Irlanda do Norte. E os resultados nestas duas nações mostram claramente que podemos estar próximos de uma crise na relação destes com o governo central de Londres, nos moldes do que vemos na Catalunha em relação ao Estado Espanhol.

Na Escócia, o SNP (Partido Nacionalista Escocês, de esquerda/centro-esquerda) obteve um desempenho arrasador e conquistou 48 dos 59 assentos escoceses no Parlamento Britânico. O centro de sua política é Independência em relação ao Reino Unido, enfrentando diretamente a disposição do governo Johnson em não considerar esta hipótese.

Em 2015, a Escócia fez um referendo reconhecido pelo governo central, onde a proposta de independência foi derrotada por 55% a 45% dos votos. Porém, isso só ocorreu devido à União Europeia afirmar, de forma bastante categórica, que não aceitaria a Escócia como estado-membro, caso esta se separasse de um membro existente (não havia Brexit até então, o que só veio há ocorrer um ano mais tarde).

No Referendo do Brexit, a Escócia votou majoritariamente por permanecer no Bloco Europeu, e as perspectivas de saída, principalmente de um hard Brexit, colocaram novamente a questão da independência na ordem do dia. Em caso de um Brexit controlado e soft, a UE mais uma vez tende a não apoiá-los e o processo pode arrefecer. Mas esse tema certamente voltará com mais força à agenda e será mais um elemento de instabilidade do novo governo de Boris Johnson.

Ainda mais tenso é o processo na Irlanda do Norte. Primeiramente, porque o enclave está virtualmente fora da área alfandegária britânica no acordo de Johnson, e qualquer configuração de fronteira naquela região tem grande chance de alterar o “equilíbrio” alcançado desde o “Acordo da Sexta-Feira Santa”. Nas eleições desta semana, uma coalizão republicana entre o Sinn Fein (antigo IRA) e o social democrata SDLP ganhou a maioria das cadeiras, com um discurso centrado na reunificação das duas Irlandas. Vale lembrar que o SF disputa as vagas no Parlamento para deixar os assentos vagos – eles não tomam posse – pois não reconhecem o parlamento Britânico como autoridade no país. Deixaram de fora o principal articulador do DUP, partido unionista de extrema-direita. que sustentou a coalizão de Theresa May em 2017.

Na questão das nacionalidades, Corbyn e o Labour cometeram o grave erro de não assumir em seu Manifesto as posições dos nacionalistas irlandeses e escoceses. Isso custou votos e um importante espaço político do Labour nestas regiões.

5 – A disputa dentro do Labour: uma amostra dos desafios da esquerda socialista nesta conjuntura internacional

Apesar dos distintos balanços em relação ao Brexit, os setores Blairistas e de direita no partido Trabalhista convergem em uma acusação (amplamente impulsionada pela grande mídia): o Manifesto apresentado nestas eleições era “avançado demais, muito à esquerda”. Vale chamar a atenção que essa alegação não se dá apenas na Grã-Bretanha. Já começam a usa-la nos EUA contra a campanha de Bernie Sanders, e tenderá a aparecer em todos os lugares onde se busca apresentar alternativas de esquerda. Provavelmente aparecerá também no Brasil.

Primeiramente, é bom que fique claro: não foi apresentada qualquer evidência que o Manifesto tenha sido “amplamente rejeitado” pelos trabalhadores britânicos, pelo contrário. Todos os números eleitorais reforçam a tese de que o Brexit foi o fator determinante da eleição. A burguesia entrou em pânico com as propostas de nacionalização e taxação progressiva contidas no Manifesto – mas a massa não os rejeitou. Basta uma comparação dos mapas de 2019 com o Referendo de 2016.

Uma análise mais detalhada dos mapas eleitorais também mostra como a campanha do Labour foi amplamente majoritária na Juventude (exceto na Escócia e Irlanda do Norte, pelos motivos descritos no ponto anterior). Além disso, caso o parlamentarismo britânico se baseasse em representação proporcional, estaria colocada a possibilidade de uma Geringonça no estilo espanhol, com um governo minoritário do Labour em composição com Verdes e LibDem.

Finalmente, além da discussão tática, está colocada a de que tipo de governo apoiamos e esperamos construir. Um governo “de centro-esquerda” nos moldes Blairistas não é capaz de resolver os problemas que levam a classe trabalhadora a depositar neles sua confiança. Pelo contrário, tende a aplicar os planos de austeridade e privatizações, mesmo que de forma mais atenuada, não conseguindo endereçar uma saída à crise sob a ótica dos trabalhadores e das camadas populares, e terminando por preparar o terreno para uma contra ofensiva ainda mais forte e radicalizada da direita ou extrema-direita.

Uma coisa é um segundo turno ou plebiscito, votar criticamente nestas candidaturas contra os governos ou neofascistas de plantão, de forma independente e crítica. Outra bastante diferente é defender que a esquerda socialista apresente isso como alternativa aos governos neoliberais ou de extrema-direita, no Reino Unido ou em qualquer outra parte do mundo.

Por tudo isso, a tarefa do momento é resistir à pressão da burocracia partidária e da direita Blairista em se livrar de Corbyn e da esquerda no comando do Labour. Se Corbyn deve renunciar ou não – e quando – tem que ser encarado como uma tática a serviço da estratégia de manter a liderança do Labour com este perfil. O Labour tem uma estrutura de escolha de Líder bastante democrática. Votam todos os membros e trabalhadores sindicalizados, e por isso conseguimos manter Corbyn apesar de toda a pressão. Nenhum passo atrás. É preciso unificar toda a esquerda, dentro e fora do Labour, nos movimentos sociais e na Juventude, para manter o Labour com o perfil de esquerda e aproveitar as oportunidades que nos aguardam na luta de classes.

 

*O texto reflete a opinião do autor e, não necessariamente, a linha editorial do Esquerda Online.

Marcado como:
corbyn / reino unido