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Nesse 20 de novembro, um salve à geração de 1978: vida longa ao Movimento Negro Unificado

Jean Montezuma, da Bahia

Nós, entidades negras, reunidas no Centro de Cultura e Arte Negra no dia 18 de junho, resolvemos criar um Movimento no sentido de defender a Comunidade Afro-brasileira contra a secular exploração racial e desrespeito humano a que a Comunidade é submetida. Não podemos mais calar. A discriminação racial é um fato marcante na sociedade brasileira, que barra o desenvolvimento da Comunidade Afrobrasileira, destrói a alma do homem negro e sua capacidade de realização como ser humano. O Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial foi criado para que os direitos dos homens negros sejam respeitados. Como primeira atividade, este movimento realizará um Ato Público contra o Racismo, no dia 07 de julho às 18:30hs, no viaduto do chá. (…) Fazemos um convite especial a todas as entidades negras do país, a ampliarem nosso movimento. As entidades negras devem desempenhar o seu papel histórico em defesa da Comunidade Afro-brasileira; e, lembramos, quem silencia consente.  Não podemos mais aceitar as condições em que vivem o homem negro, sendo discriminado da vida social do país, vivendo no desemprego, subemprego e nas favelas. Não podemos mais consentir que o negro sofra as perseguições constantes da polícia, sem dar uma resposta. 

TODOS AO ATO PÚBLICO CONTRA O RACISMO   

CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL 

CONTRA A OPRESSÃO POLICIAL 

PELO FORTALECIMENTO E UNIÃO DAS ENTIDADES AFROBRASILEIRAS 

(Carta Convocatória para o primeiro ato público do MUCDR – Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial)

E assim aconteceu. Pouco mais de duas semanas após essa convocatória, lá estavam algumas centenas de homens e mulheres de pele preta, numa tarde-noite de um 07 de julho, desafiando corajosamente a Ditadura militar em praça pública, no Centro da maior cidade brasileira. Foram para dar um basta, para denunciar a violência policial e a tortura, foram para dizer ao mundo que o Brasil era um país racista, sim! É importante registrar que, em 1978, sob o julgo do AI-5 que seguia em vigor, denunciar o racismo era uma subversão, um crime que, sob a ótica dos militares, ameaçava a unidade e a segurança nacional.

Ainda naquele mês de julho, em uma nova reunião daquela militância negra, seria acrescentado o termo negro ao nome do movimento que passaria a se chamar MNUCDR (Movimento Negro Unificado Contra Discriminação Racial). Em setembro daquele ano, também em São Paulo, a I Assembléia, com 200 participantes, deliberou sobre o Estatuto do movimento. Dois meses depois, ocorreria, em novembro, a II Assembleia do MNUCDR, dessa vez em Salvador. Marcada para o dia 04 de novembro, a Assembleia sofreu dura perseguição da polícia federal e do exército, sendo impedida de ocorrer no local inicialmente marcado, a Associação dos servidores públicos Municipais. Tentou-se, sem sucesso, em seguida, realizá-la no Teatro Vila Velha, e, por fim, foi finalmente ocorrer no ICBA (Instituto Cultural Brasil Alemanha) graças ao apoio dessa Instituição que impediu a entrada da policia e do exercito que estavam determinados a reprimir o movimento e prender suas lideranças.

E foi ali, justamente nessa assembleia, marcada na cidade mais negra fora da África, porém realizada em “território alemão”, que o nascente Movimento Negro Contemporâneo aprovou a criação do 20 de novembro como dia da consciência negra. Bandeira essa que ocupa destaque no manifesto aprovado naquele evento:

“AO POVO BRASILEIRO MANIFESTO NACIONAL DO MNUCDR – MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO CONTRA DISCRIMINAÇÃO RACIAL A ZUMBI 20 DE NOVEMBRO: DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA 

Nós, negros brasileiros, orgulhosos descendentes de ZUMBI, líder da República Negra de Palmares, que existiu no Estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para declarar a todo povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de novembro, DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA!”  (trecho do Manifesto do MNUCDR, aprovado em 04/11/1978)

Foi Florestan Fernandes quem disse uma vez: ” O brasileiro tem uma espécie de preconceito reativo: O preconceito contra o preconceito”. Por isso que o 20 de novembro é tão importante. E também por isso, não nos foi concedido, foi conquistado. O nascente MNU sabia bem da importância dessa batalha, tinha a convicção que a afirmação do 20 de novembro era parte da luta pela desconstrução do mito da democracia racial.  Desconstrução do mito da democracia racial e afirmação da consciência negra eram exercícios que se combinavam dialeticamente. Atacar o mito da democracia racial e desconstruí-lo com o recurso à denúncia da realidade concreta de discriminação imposta aos negros, e em contraposição afirmar a identidade negra e consciência racial, esse era o cerne da propaganda ideológica do MNU.

A geração que fundou o MNU e reorganizou o protesto negro no Brasil é responsável pelo que os pesquisadores chamam de criação do Movimento Negro Contemporâneo, ou a terceira fase do Movimento Negro pós-1888. A primeira fase do movimento negro atravessou toda a primeira república, a revolução de 30, e foi até o golpe do Estado Novo. Já a segunda fase foi do final do Estado Novo até a ditadura militar. A terceira fase, a da geração de 78, nasceu diretamente vinculada com as lutas contra a ditadura, pela redemocratização, e a constituição da nova república. No plano externo, refletiu a influência das lutas por direitos civis nos EUA, os Panteras Negras, a luta contra o Apartheid na África do Sul e as lutas por independências que libertaram Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, e Guiné-Bissau do julgo colonial português.

Outro aspecto inovador foi a associação feita entre raça e classe, entre opressão e exploração. A convergência de parte da militância negra que havia constituído o MNU ao projeto de fundação do Partido dos Trabalhadores em 1979, tem raízes intimamente ligadas à concepção que essa militância tinha da luta contra o racismo. Para essa vanguarda negra a politização da questão racial era acessada por uma chave que ligava raça e classe. Uma ideia de luta contra o racismo que por um lado não negava as especificidades vivenciadas pela população negra submetida a opressão racial, mas que por outro, não se dissociava da questão da exploração de classe.

Lá se vão 41 anos daqueles meses de 1978, onde aquela geração nos deu, com sua coragem, o melhor dos presentes: Autoestima, afirmação, consciência de raça e classe, e a certeza de que só a nossa luta é capaz de derrubar mitos, correntes e grilhões. Nós somos o seu legado, vida longa ao Movimento Negro Unificado!

“Se quer ir depressa, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado.”

Provérbio Africano.