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EDITORIAL

Combater o racismo, avançar na democracia

Editorial Esquerda Online
Fernando Frazão/Agência Brasil

O governo Bolsonaro e a resistência negra

Nos últimos anos, durante o governo de Bolsonaro, as ideias racistas foram base das políticas mais reacionárias. A violência racial é base do discurso da extrema direita brasileira a partir  da defesa de uma segurança pública ainda mais bélica, que defende as operações policiais e chacinas como se fosse algo positivo de heroísmo no combate à criminalidade. O discurso do “bandido bom é bandido morto”, “CPF cancelado”, e que colocam um conflito entre “pessoas de bem” “bandidos” e a “esquerda defensora dos criminosos”, é um discurso racista que coloca corpos negros como criminosos, buscando legitimar e normalizar o assassinato de pessoas negras. 

Foi o movimento negro que convocou  os primeiros atos na pandemia, contra o genocídio, foi linha de frente no combate a fome por meio de ações de solidariedade nas periferias (…)

As políticas econômicas, as privatizações, o descaso na pandemia atingiu com força a parcela negra da população brasileira. Não por acaso ao longo dos últimos quatro anos,  a população negra, em especial as mulheres negras, permaneceram sempre em maioria absoluta contra Bolsonaro, de acordo com as pesquisas de opinião. Foi o movimento negro que convocou  os primeiros atos na pandemia, contra o genocídio, foi linha de frente no combate a fome por meio de ações de solidariedade nas periferias, e consequentemente esteve no combate contra o governo Bolsonaro.

Segurança público no centro do jogo

Hoje, o bolsonarismo continua vivo na sociedade, é impossível vencê-lo sem fazer um duro combate ideológico e também sem ter um avanço concreto no mundo real nas condições que permitiram o crescimento de ideias reacionária. Usaremos o tema da segurança pública como exemplo. Um terreno dominado pelo discurso da extrema direita, e que foi um problema central dos primeiros mandatos do PT. As UPPs, a utilização da Força Nacional, o encarceramento em massa da população negra, a lei de drogas, foram erros que serviram por alimentar a ideia de militarização da sociedade, e ao falharem, serviu de fortalecimento ideológico para a extrema direita. 

é preciso fazer o combate a ideia do bandido bom é bandido morto, mostrando que pena de morte, maior letalidade policial e políticas extensivas não resolvem o problema da falta de segurança

Nesse novo mandato, é preciso que Lula e o ministro Dino, tratem o tema da segurança pública com um outro olhar, pois, o problema é cada vez mais complexo. Ao mesmo tempo onde se é preciso fazer o combate a ideia do bandido bom é bandido morto, mostrando que pena de morte, maior letalidade policial e políticas extensivas não resolvem o problema da falta de segurança, é necessário também ter uma política de segurança pública efetiva no mundo real, que busque diminuir a força do crime organizado, das milícias, assim como diminuir os números de assassinado e sentimento de insegurança, e por fim diminuir também o encarceramento em massa.

O governo Lula e a população negra

O novo governo Lula que em breve completará um ano de mandato é recheado de muita expectativa por parte da população negra, setor social que mais demonstra apoio ao governo. 

Esse apoio e expectativa é justificado ao ser visto algumas medidas durante os primeiros mandatos do PT, em especial do próprio presidente Lula. Programas de transferência de renda, como o bolsa família, além de programas sociais como fome zero, minha casa minha vida, luz para todos, entre outros, atingiram em suma maioria famílias negras no país, isso sem falar do desenvolvimento econômico e de renda, e das leis de acesso a educação, em especial a lei de cotas, que foi fundamental para modificar a consciência racial em nosso país. Porém, ao mesmo tempo, os governos do PT cometeram erros no tema de segurança pública, que precisam ser superados. 

Para o governo sair vitorioso da batalha de reconstrução nacional, precisa combater o racismo e a desigualdade racial, e isso só será possível rompendo com a lógica de ceder ao Centrão e à burguesia nacional.

Para o governo sair vitorioso da batalha de reconstrução nacional, precisa combater o racismo e a desigualdade racial, e isso só será possível rompendo com a lógica de ceder ao Centrão e à burguesia nacional. Sem a implementação do programa eleitoral vitorioso nas urnas, sem melhorias qualitativas na economia, sem mudanças estruturais, o governo Lula ficará cada vez mais fraco no combate à extrema direita, e se distancia da população negra. Sem medidas concretas de combate ao racismo e a violência racial, sem políticas de enfrentamento a classe dominante, não é possível uma verdadeira construção da democracia no país.

Um novo momento no protesto negro

Vivemos um novo momento na luta contra as desigualdades raciais, ou como diria Florestan Fernandes, no protesto negro brasileiro. Apesar da situação política nacional ainda ser defensiva para a classe trabalhadora no país, vemos um significativo ascenso na luta antirracista. Existe, de fato, um reposicionamento estrutural do lugar do antirracismo na luta de classes brasileira. Isso não se deu por acaso, mas foi um processo construído ao longo das últimas cinco décadas de movimento negro, que  ampliou qualitativamente o questionamento ao mito da democracia racial, que funcionou, ao longo do século XX, como uma ideologia fundamental da dominação burguesa ao amenizar os conflitos de classe e raça. 

Essa nova etapa do protetor negro brasileiro, segue estimulando reações nas ruas, novas formas de organização política, fenômenos eleitorais, movimentos culturais e principalmente disputas ideológicas sobre os rumos do movimento negro, algo ainda em aberto. 

A burguesia por meio de empresas e da grande mídia busca capitanear o sentimento de identidade negra que existe na sociedade e utilizá-lo de forma exclusivamente identitária. Como se a diminuição da desigualdade racial se desse apenas pela inclusão de sujeitos negros em espaços e instituições que promovem essa mesma desigualdade racial. É a política de representação pela representação, ou uma identidade vazia. Ao mesmo tempo vemos também setores da burguesia e da extrema direita que avançam em seu discurso abertamente racista contra a população negra, enquanto outros desse mesmo grupo buscam reabilitar o tema da democracia racial sobre a bandeira do “somos todos brasileiros”. O fato é que nada será como era antes e o movimento negro brasileiro precisa se relocalizar nessa disputa. Verdadeiramente denunciando o centro da desigualdade racial, elaborando políticas públicas efetivas para combater o racismo e buscar construir um projeto político de país para o povo negro e conjunto da população brasileira.

Nesse dia 20 é dia de sair às ruas em marcha contra a desigualdade racial e o racismo. Denunciando a violência racial, aumentando a voz por uma ministra negra progressiva no STF, levantando a pauta do combate a privatização dos presídios e afirmando que com racismo, não existe democracia.