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BRASIL

Um ano sem o Museu Nacional num país de um governo incendiário

Tatianny Araújo
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Um incêndio de proporções ainda incalculáveis atingiu, no começo da noite de um domingo, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na zona norte da capital fluminense

Há um ano, no dia 2 de setembro, um incêndio nos tirava o sono. Junto com ele, perdíamos também um patrimônio da humanidade. Um grande acervo, com peças, cultura e histórias de nossos ancestrais, dos povos originários da terra do “muito além do pau-brasil” e de tantos outros povos, se esvaía em chamas. Ia junto toda pesquisa e dedicação de muitos.

O grande museu, de salas espaçosas, belas, arejadas, escondia fios desencapados, fissuras e muita falta de verba! E toda aquela beleza (à primeira vista e a segunda), todas aquelas relíquias… ardiam em chamas, junto com narrativas e reconhecimentos –  como o de Bertha Lutz, bióloga cheia de anotações que podia ter sido transformada em uma grande ‘Bertha da ciência’, para além da Bertha feminista e política, não menos importante.

Na carne que respingava suor e tentava conter um pouco da barbárie, queimava nossa alma. Foram mãos, braços e corpos que, em meio ao fogo, só viam água de seus próprios poros e olhos. Nem uma gota dos hidrantes, dos governos, dos de cima. O poder, os barões, os mandatários da sociedade de consumo não cuidam do bem comum. Eles esmagam –  seja pela falta de verbas, seja pela devastação do meio ambiente, povos e culturas. Ali, definhava, ardia em chamas, o público. Mas era mais que isso – era o popular, o acessível suburbano. Talvez isso me doa mais…

O Museu nacional queimou terrivelmente no governo da “ponte para o abismo” do temeroso Temer, o golpista. Foi-se com junto com várias cifras que não mais vieram depois da canetada da Emenda Constitucional 95 – a PEC do congelamento de gastos. Cortes brutais na saúde e educação. Mas o valor necessário já não vinha desde antes. Mesmo no governo de conciliação petista, faltavam verbas e sobravam crises. Não foi o primeiro incêndio, apesar de ser o de maior perda histórica e em peças variadas. Assistimos, em 3 de outubro de 2016, o terrível incêndio da FAU/EBA e Reitoria; no dia 2 de agosto de 2017, duas alas do alojamento de estudantes pegaram fogo; sem falar de outro terrível incêndio da Capela São Pedro, no campus da Praia Vermelha em 2011. A falta de verbas e o descuido com o patrimônio público, leva a chamas irreparáveis, a ruínas.

Um ano depois e segue a busca pela reconstrução. O crânio de Luzia, o fóssil mais antigo do Brasil, foi encontrado, fragmentado, mas com pelo menos 80% das partes já identificadas. Isso foi um acalanto! São 12 mil anos de história que revelam que os primeiros habitantes do nosso continente eram negros, parecidos com aborígenes da Austrália. Obras seguem, mas ainda é muito pouco para um museu tão completo, que se perdeu. E bem na Zona Norte! Frequentado por tantos estudantes de escolas públicas, pelos nossos, pelos moradores da região, por algumas famílias das andanças de domingo na Quinta da Boa Vista. Não era o Louvre… isso dói.

Mas a história não é feita só de quadro, fósseis, múmias, arcos… ela é feita de gente. Ela não é linear, ela é movimento, ela é luta e resistência. E este ano eu vi o museu. Vi no Centro Cultural do Banco do Brasil, vi nas atividades do #MuseuNacionalVive com suas tendas espalhadas na área externa do Museu. Eu vejo o Museu todo dia, quando olho seus trabalhadores resistindo e lutando para catalogar achados, para seguir com projetos e aulas, ao resgatarem peças que já são outras, agora com marcas, como cicatrizes que carregamos pelo corpo. Vejo o Museu na hora que meu filho olha o microscópio ou segura o gelado filhote de tubarão, ali, no meio da Quinta.

Um ano se passou. E o novo governo tem cortado ainda mais verbas. Tem guerreado brutalmente contra a educação, contra a pesquisa, contra a ciência. Um governo racista e que odeia os povos cujas histórias eram parte do Museu e estão enraizada na maioria de nós! Um governo incendiário, que arrasta para a cova a Amazônia e várias etnias.

Nada temos a esperar, a não ser nós mesmos, numa grande rede de resistência e luta! São os que lutam contra o “future-se” pelo futuro do Museu Nacional, da ciência, da história, da pesquisa, da educação –  do país.

*Tatianny Araújo é Feminista, servidora da saúde federal, estudante da UFRJ e da direção estadual do PSOL/RJ e nacional da Resistência/PSOL

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