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Dez motivos para não aceitar as MPs 850 e 851, dos museus

Fernanda Castro

Fernanda Castro é educadora no Museu da Chácara do Céu – IBRAM/RJ e no Museu Histórico Nacional. Doutora pela UFF em políticas públicas de educação museal.
Possui graduação em Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2005), Especialização Lato sensu em Ensino de História e Cultura da África e do Negro no Brasil pela UCAM (2007), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, na linha de Políticas e Instituições Educacionais e Doutorado em Educação pelo PPG-Educação da Universidade Federal Fluminense. Foi professora de história no Ensino Fundamental- Secretaria Municipal de Educação de Teresópolis e professora de história nos Ensinos Fundamental e Médio e também na Educação de Jovens e Adultos- Secretaria de Estado de Educação-RJ. É educadora no Museu da Chácara do Céu – IBRAM/RJ e no Museu Histórico Nacional. Coordenou o Curso de Especialização em Educação Museal, da parceria feita entre os Museus Castro Maya, o Museu da República e o Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro/ FAETEC. Realiza pesquisas nesta área, trabalhando com pesquisa de público, avaliação, formação de educadores, elaboração de programas, projetos e ações educativas dos Museus em que trabalha. Coordena as atividades da linha de pesquisa "Educação Museal: conceitos, história e políticas", vinculada ao grupo "Escritas da história em museus: objetos, narrativas e temporalidades". Membro do Comitê Gestor da Rede de Educadores em Museus e Centros Culturais do Rio de Janeiro e editora do blog da mesma rede. Coordenou o GT de Redes e Parcerias do Programa Nacional de Educação Museal do Ibram. Interessa-se por pesquisas na área de políticas públicas para educação e cultura.

As duas Medidas Provisórias, publicadas por Temer no dia 11 de setembro, possuem inúmeros problemas, desde problemas jurídicos de inconstitucionalidade. Mas também por questões políticas e democráticas, que demonstram a imposição de um projeto de sociedade que acirra a exploração e desigualdade. Veja dez motivos para não aceitar esta imposição:

1. A Medida Provisória subverte a lógica do funcionamento do Poder Legislativo, apresentando um conteúdo com força de lei proposto pelo Poder Executivo e não pelo Congresso Nacional, que deveria elaborar as leis.

A Medida Provisória é um subterfúgio do Poder Executivo para pôr em prática ações e transformações legais que tenham caráter URGENTE E RELEVANTE.

A MP não demonstra a relevância de extinguir o Ibram, uma autarquia federal, criada por lei, após ter sido discutida amplamente junto à sociedade.

Para justificar a sua urgência, recorre ao incêndio do Museu Nacional e a atual situação dos museus brasileiros, vinculados ao Ibram. Mas, se o Museu Nacional não é e nunca foi administrado ou gerido pelo Ibram, por que seu incêndio deveria ser usado para justificar a extinção do órgão? Além disso, como é possível constatar a situação atual dos museus do Ibram, se não há um diagnóstico produzido ou sequer solicitado pelo Ministério da Cultura, durante os nove anos de existência do Instituto?

2. A imposição de que as obras de reconstrução do Museu Nacional devem ser estar sob a gestão de uma nova agência (Abram), que é na realidade é uma instituição privada, fere a autonomia universitária prevista na Constituição Federal. É ilegal.

3. O Ibram é responsável direto pela administração de pessoal, de recursos e de bens que pertencem ao conjunto do patrimônio histórico e artístico nacional, exercendo funções de fiscalização, elaboração de políticas públicas, de sua implementação e avaliação. Estas funções, exclusivas do Estado, não podem ser exercidas por instituições privadas, como a Agência prevista pela MP 850.

4. Da mesma forma, o trabalho exercido pelos servidores não pode ser avaliado por instituições privadas, conforme previsto pela MP 850.

5. O funcionamento de instituições privadas do modelo de serviço social autônomo prevê orçamento oriundo de recolhimento de impostos dos trabalhadores de seus ramos específicos, recolhidos por confederações próprias desses setores, todos ligados ao ramo da indústria e comércio. O patrimônio museológico não compreende nenhuma dessas ações e não possui uma confederação nacional.

Um paliativo apontado pela MP 850 foi o uso de parte do orçamento da Sebrae, o que não tem previsão legal, e já gerou inclusive questionamento por parte desta instituição.

6. A criação de uma instituição privada nos moldes da Abram acabaria com a exigência de concursos públicos para pessoal especializado, de licitações para compras e obras, deixando para o mercado a disputa pela implementação de políticas públicas na área dos museus. Isso implicaria em má qualidade de serviços oferecidos no e para o serviço público, em especial para o patrimônio, e na descontinuidade de políticas, programas, projetos e ações, que seriam pensados e financiados de forma fragmentada, sem criação de legados institucionais e garantia da participação da sociedade civil.

7. A MP 850 prevê a criação de uma ferramenta de implementação da proposta de financiamento privado dos serviços públicos prevista na MP 851, que autoriza a realização de contratos entre instituições públicas e organizações gestoras e executoras dos programas, projetos e ações dessas instituições. Isso faz do Ibram uma cobaia para estudo e aperfeiçoamento de uma nova forma de financiamento do serviço público que atingirá também as áreas da educação, saúde, desporto, meio ambiente, assistência social, ciência, pesquisa, inovação e da cultura de maneira geral.

8. A MP 851 tem a pretensão de inaugurar uma nova forma de financiamento do conjunto dos serviços públicos, tendo como finalidade constituir fonte de recursos DE LONGO PRAZO para o fomento das instituições apoiadas, ou seja eximindo a longo prazo o Estado de financiar os serviços públicos, deixando para as próprias instituições, geridas por instituições privadas, a captação de recursos para seu funcionamento.

9. A MP 851 estabelece três tipos de doação e em dois deles os doadores definem onde os recursos serão aplicados, desrespeitando o interesse público geral e priorizando o interesse dos patrocinadores.

10. As MPS fazem parte de um pacote de desmonte do serviço público, que a longo prazo compromete o patrimônio histórico e artístico nacional, nossa memória, nossa cultura e nossa identidade, comprometendo também nossa capacidade de luta e resistência. O pacote inclui a Emenda Constitucional 95, os decretos que liberam a terceirização e que prejudicam a aposentadoria dos servidores, além da Instrução Normativa que aplica a reforma da Previdência no serviço público, deixando-o pouco atrativo para futuros profissionais,

Por todos esses motivos é necessário reconhecer que o momento atual é de unidade de categorias e de toda a sociedade em torno dos museus, dos serviços públicos e seus trabalhadores, de combate à privatização dos museus e do financiamento do serviço público. A palavra LUTO ainda é verbo.

#MuseuNacionalVive
#Ibramresiste

*Fernanda Castro é Técnica em Assuntos Educacionais do Instituto Brasileiro de Museus

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