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MUNDO

Boris Johnson eleito primeiro-ministro: triunfo da extrema-direita ou novo capítulo na crise política britânica?

Marcio Musse, de Londres, UK
Jean-Marc Ferré / ONU / Via Fotos Públicas

Boris Johnson, em junho de 2018.

Nos últimos dias, jornais de todo o mundo anunciavam a nomeação do Conservador Boris Johnson (ou BoJo, como também é chamado) como Primeiro Ministro da Grã-Bretanha. A nomeação de Boris não foi fruto de uma eleição ou nova composição do Parlamento. Com a renúncia de Theresa May, coube ao Partido Conservador – em um processo interno de escolha que envolveu seus Parlamentares e, na reta final, filiados – apontar um novo líder para assumir automaticamente o cargo de Chefe de Governo do país.

Boris é um político controverso, conhecido por seu perfil oportunista e sua coleção de gafes e declarações desastradas. Ex-prefeito de Londres é atualmente membro do Parlamento (MP) pelo subúrbio londrino de Uxbridge – onde foi eleito por uma pequena margem de votos. BoJo se afastou do então Primeiro Ministro David Cameron no processo de Referendo do Brexit (2016), onde assumiu um papel chave na campanha pela saída do bloco. Ao final, com a renúncia de Cameron e escolha de um novo líder Conservador (e, assim como agora, automaticamente novo Primeiro Ministro), foi descartado por seus pares em um processo ainda não totalmente esclarecido. Nos últimos anos, Boris vem se colocando como expoente da ala mais à direita do Partido Conservador (ERG), alinhando-se internacionalmente a figuras como Trump, e advogando por um hard Brexit e uma saída da UE mesmo sem acordo – o chamado No Deal.

Dessa forma, a primeira pergunta que deve ser respondida é: o governo Boris Johnson é o triunfo da extrema-direita na GB ou mais um passo no aprofundamento da crise política britânica?

Derrota no Parlamento antes mesmo de assumir

A campanha interna de Boris, para os Parlamentares e posteriormente para os filiados do Partido Conservador, teve dois eixos centrais: sair a qualquer custo (na prática, com um No-Deal Brexit) da União Européia e barrar o avanço do líder do Labour, Jeremy Corbyn, com seu Manifesto “For the Many, not the Few”. Apoiou-se na crise do Partido, que vem aceleradamente perdendo espaço (e cadeiras) nas últimas eleições locais e regionais – e no colapso do governo Theresa May. Com isso, consolidou a vitória da ala direita neste Partido – o que não significa que tenha resolvido sua crise no Parlamento, na opinião pública e principalmente na base social fundamental e histórica do Partido Conservador: as frações burguesas e imperialistas britânicas.

Se, de um lado, a tarefa de barrar um eventual governo Corbyn unifica toda a burguesia – o mesmo não acontece com a agenda de No-Deal ou Hard-Brexit. Desde o final da corrida interna Tory pela nova liderança, quando já estava claro que Boris seria o escolhido, aumentou consideravelmente a quantidade de “alertas” de órgãos oficiais, empresariais e dos diversos analistas da imprensa burguesa sobre a catástrofe que tal política significaria para a economia do país – que traria recessão, desemprego, inflação etc. Como resposta, e percebendo que não teria no Parlamento – que é o mesmo do governo anterior – o apoio necessário para sua agenda, anunciou que poderia recorrer a uma manobra para garantir o Brexit no final de outubro (data pré-acordada com Bruxelas). Tal manobra consistia em determinar um recesso parlamentar excepcional nos meses de setembro e outubro, a fim de impedir que o Parlamento definisse uma nova postergação – o que o Parlamento Europeu já havia sinalizado como opção.

Uma semana antes de Boris ser anunciado como novo líder Conservador, foi apresentada uma Moção ao Parlamento a fim de impedir que tal recesso fosse convocado. Apesar da orientação unificada do grupo de Boris (ERG) com o governo May para derrubar a Moção, a mesma foi aprovada por uma larga margem de votos (mais de 40). Mais que a aprovação da Moção, o que em si já seria relevante, a ampla margem e a defecção de vários parlamentares Tories de uma orientação dos velho e novo governo foram um sinal bastante significativo. Além disso, importantes ministros do governo May renunciaram ou anunciaram intenção de renúncia, como o chanceler Philip Hammond e o Ministro da Justiça David Clarke. Tudo isso sugere que Boris Johnson não terá um início de governo “Forte e Estável”, para parafrasear o slogan do Partido Conservador nas últimas eleições gerais.

Indefinição gerou perda de espaço: Labour e a Esquerda Socialista frente ao Brexit

Nos suspiros finais do Governo May, havia uma polêmica permeando não apenas o Partido Trabalhista (Labour), mas a esquerda socialista de conjunto na GB: a postura perante o Brexit. Este não é um tema simples, pois ao mesmo tempo que é equivocado que se faça uma defesa da União Européia, é um desvio no sentido oposto o de fazer coro com as frações burguesas e setores sociais mais à direita e com uma agenda reacionária, xenófoba e antipopular. É verdade que, em caso de permanência na UE, esta seria um dos principais obstáculos à aplicação do Manifesto (Programa) do Labour – basta recordar o que houve na Grécia em 2015 e o preço pago pelo Syriza (e, em última instância, por toda a esquerda), pela capitulação deste à Troika europeia. Mas também é fato que a agenda da direita mantém os mesmos pilares neoliberais nas políticas sociais, agravados por um discurso de ódio a mulheres, minorias étnico-culturais e aos mais pobres em geral.

Desta forma, mesmo com o governo em colapso e com a burguesia “batendo cabeça” sobre o que colocar em seu lugar – a esquerda ainda se dispersava no debate sobre uma política unificada para o Brexit. Como exemplo, no dia que May anunciou sua renúncia, algumas correntes lançavam como política central “Bloquear o Brexit” – ao invés de unir a esquerda e os movimento sociais por um governo Corbyn, antiausteridade e com um programa anticapitalista.

Essa indefinição – e a falta de unidade na resposta ao momento – fez com que o Labour perdesse espaço nesse debate nos últimos meses. Um partido neoliberal clássico, o LibDem (que participou do governo Cameron), e tem sua política central na defesa da UE cresceu e ocupou parte desse espaço. O apoio dos setores populares ao Brexit, em especial nas áreas mais empobrecidas do país, ocorre por identificar a permanência na UE com as políticas de austeridade e desindustrialização que vem rebaixando a qualidade de vida da classe trabalhadora. Qualquer resposta que não passe por uma saída anticapitalista não encontrará qualquer eco nestas camadas, jogando setores inteiros da classe trabalhadora no colo da agenda reacionária da extrema-direita.

O Labour reajustou sua política perante o Brexit para responder a essa situação. Não defende um novo referendo que “vire a mesa” do ocorrido em 2016 – mas que qualquer acordo de saída (ou uma saída sem acordo – No Deal) sejam submetidos a um Referendo, seja qual for o Governo. Em caso de um No-Deal ou se o acordo for ruim para os trabalhadores, como o apresentado por Theresa May (e rejeitado três vezes), o Labour fará campanha contra o acordo, defendendo a permanência na EU.

Direita do Labour joga contra

Além disso, é preciso ter claro que a velha estrutura Blairista do Labour Party segue atuando, conscientemente e de forma desleal, contra Corbyn. Sua estratégia é que as frações burguesas e imperialistas, descontentes com o rumo de sua representação tradicional – o Partido Conservador – porém ainda mais refratárias a políticas antiausteridade, os abracem como alternativa. 

Para isso, precisam voltar o perfil do Labour ao que vinha sendo até então, simbolizado pelos governos do ex-Primeiro Ministro Tony Blair. Esse perfil, embora tenha tornado o partido mais palatável ao grande capital britânico e internacional, afastou o partido de suas bases e promoveu décadas de ajuste fiscal e austeridade (em níveis local e nacional), abrindo espaço para o crescimento da extrema-direita. Basta ver que em vários conselhos locais (“municipais”) controlados por esses setores, uma política similar de cortes sociais e privatizações segue aplicada da mesma maneira.

Desta forma, precisam derrotar Corbyn, toda a esquerda e a base do partido – e não hesitam em fazê-lo. Nos últimos meses, voltaram as campanhas na imprensa com todo o tipo de ataques, incluindo calúnias que acusam lideranças de esquerda de antissemitismo (por críticas a política do Estado de Israel), incompetência, e todo tipo de falseamentos.

A política da esquerda e de Corbyn, principalmente em um eventual governo, não pode confiar nestes setores para levar a frente sua estratégia – pois serão os primeiros a sabotar qualquer iniciativa nesse sentido.

Boris não. Eleições gerais já! Jeremy Corbyn Primeiro-Ministro sem a direita blairista – for the many not the few!!!

Dado esse quadro, a luta para que Boris não consiga construir uma governabilidade que o permita se estabilizar no governo é viável, possível e necessária. As próprias crises internas, a burguesia e o Partido Conservador tendem a cumprir um papel nessa situação. Mas só as “crises nas alturas” não serão capazes de reverter esse quadro, principalmente enquanto a alternativa mais provável de governo for Jeremy Corbyn.

É necessária uma unidade de toda a esquerda, dentro e fora do Labour, com os movimentos sociais, sindicatos, juventude, imigrantes e o conjunto dos explorados para que o som das ruas tenha mais decibéis que as badaladas do Big Ben. E que Boris tenha o mesmo destino, e ainda mais rápido, que o de sua antecessora Theresa May. É preciso que a tarefa central de todos os ativistas e correntes de esquerda seja o fim deste governo e a antecipação das Eleições Gerais – para que seja pavimentado o caminho de um Governo Corbyn, baseado nas políticas do Manifesto “For the Many not the Few”, e ainda além. E que esta mobilização se mantenha, mesmo após a vitória eleitoral, para garantir que tais medidas serão efetuadas, pois as pressões internas e externas serão colossais.