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Virginia Prince, pioneira no debate sobre transgeneridade

Este é o segundo de sete textos desta coluna no Especial Stonewall 50.

University of Victory

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Apesar de pouco conhecida, Virginia Prince fez contribuições fundamentais para a compreensão atual do movimento trans em relação à identidade de gênero. Contraditoriamente, sua produção teórica foi distorcida em teorias médicas que transformaram a transgeneridade em uma doença, particularmente através de Harry Benjamin. Através da revista “Transvestia”, ela atraiu atenção para o fato que a transgeneridade não depende da orientação sexual nem da disforia em relação à genitália.

As primeiras pessoas transexuais que ganharam “fama”

Virginia Prince em 1948.

Enquanto o casamento de Virginia já estava em ruínas por ela ser uma “transvestite” (termo usado na época, hoje considerado inadequado), algumas pessoas transexuais ganhavam fama em alguns países da Europa.

No Reino Unido Michael Dillon escreveu uma autobiografia em 1946 após começar as cirurgias em seu processo de transgenitalização – ao todo, seriam 13. Assim, tornou-se o primeiro homem trans que se tem notícia a passar pelo processo. A também britânica Roberta Cowell conheceria Michael quatro anos depois. Contradizendo os preconceitos da época, Roberta havia sido piloto de um caça Spitfire durante a segunda guerra e fundado uma equipe de corrida automobilística em 1946.

No mesmo ano, 1951, a estadunidense Christine Jorgensen estava na Dinamarca para receber uma orquiectomia (remoção dos testículos). Ela ganhou fama em 1952, após passar pela penectomia já nos EUA pelo médico Harry Benjamin, que havia acompanhado sua cirurgia na Europa. Jorgensen tornou-se capa do New York Daily News com a matéria “Ex-soldado torna-se uma beldade loira” (“Ex-GI Becomes Blonde Beauty”).

Tudo isso certamente impactou a vida de Virginia Prince. Apesar dela ter um “feminino interior”, como ela costumava dizer, em um aspecto ela se sentia diferente das histórias contadas na imprensa: ela não sentia disforia com sua genitália.

Nem homossexual, nem transexual: transgênera

Após estudar farmacologia, Prince leu os livros de Magnus Hirschfeld, “Die Transvestiten”, e o livro de Simone de Beauvoir “O segundo sexo”, entre outros. A separação dos conceitos de sexo e gênero pelas teóricas feministas a inspirou a pensar que seu “feminino interior” não tinha nada a ver com o sexo, ou seja, com o aparelho reprodutor, mas sim com o gênero, ao contrário do que a imprensa e a medicina diziam. Também não era, como também se acreditava, algo vinculado à sexualidade, afinal, Virginia era lésbica.

Mais tarde, pessoas transexuais passariam a compreender que a identidade de gênero é o conceito central também para a transexualidade. Assim, o enfoque que Virginia dava inicialmente na separação entre mulheres transexuais e “transvestites” (que mais tarde seriam conhecidas como mulheres transgêneras) era exagerado. Entretanto, tal separação faz sentido quando confrontada com o exagerado enfoque na genitália que era o centro das notícias e dos estudos médicos. Aliás, apesar do avanço das elaborações teóricas, ainda hoje a genitália é quase sempre o grande assunto da nossa sociedade falocêntrica.

A revista Transvestia e as mulheres trans

Revista Transvestia, junho de 1961.

Ao mesmo tempo em que produziu artigos científicos na área de sexologia, Virginia também fundou uma revista dedicada a pessoas que, como ela, tinham uma identidade feminina, na maioria das vezes secreta. Muitos “homens casados” nos EUA e em outros países compravam ou assinavam a revista Transvestia entre 1960 e 1980. A revista pequena poderia ser escondida no bolso e era assinada por várias LGBTQIs, de diversas identidades.

Tudo isso contrasta com a vida das mulheres trans e as travestis na periferia. Na verdade, sem qualquer acesso ao debate sobre identidade de gênero, “transvestism” ou transexualidade, nas ruas elas se conheciam como drag queens. Na maioria negras ou latinas, moradoras de rua e trabalhadoras do sexo, elas eram frequentemente chantageadas, presas, agredidas física e sexualmente por policiais. Uma realidade que, infelizmente, está longe de acabar.

Virginia Prince não era apática às drag queens da periferia. Embora assinantes da revista não passavam por agressões da polícia, a ativista escrevia: se hoje acontece com elas, amanhã será com a gente.

Reprodução
Revista Transvestia, março de 1961. “Não fique tão chocada. Você se surpreenderia com quantos homens usam sutiãs!”

Curiosamente, hoje, na América Latina, há uma imagem praticamente oposta entre as travestis da periferia e as mulheres transexuais de renda média. Falsa. Entre as travestis, há aquelas que sempre “quiseram ser” mulheres e aquelas que sentiam desconforto com a genitália, mas se acostumaram; entre as mulheres trans, há quem não sente tal desconforto e quem já se acostumou. Essa separação esconde a realidade: cada agressão da polícia contra uma mulher trans trabalhadora do sexo na periferia também machuca a travesti que se esconde por trás de “um homem de família”.

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stonewall 50 anos