A guerra do Iêmen já deixou mais de dez mil mortos por conta do conflito. Porém, seus desdobramentos geraram naquele que já era o país mais pobre do Oriente Médio, aquilo que foi definido pela ONU como a maior crise humanitária de nosso tempo. Os números de mortos por decorrência do conflito, como fome e doenças, ultrapassam cem mil pessoas.
São mais de 3,5 milhões de pessoas sem casa. A população do país que é de 22 milhões de habitantes, está em situação de extrema-vulnerabilidade. No total, oito milhões passam fome diariamente e não têm sequer um prato de comida. São 400 mil crianças que podem morrer de desnutrição. Uma terrível epidemia de cólera já deixou mais de dois mil mortos. Metade da população não tem acesso a cuidados básicos de saúde. Foram 600 postos de saúde fechados por conta do conflito, e uma nova declaração do Ministro da Saúde Houthi, Youssef Hadiri, feito no fim de maio, colocou que 375 hospitais e instalações médicas destruídas por bombardeios da Aliança liderada pelos sauditas, e apoiados por outros nove países (Bahrein, Emirados Árabes, Marrocos, Senegal, Egito, Jordânia, França, Reino Unido e Estados Unidos).
O Banco Mundial afirma que a destruição da infraestrutura do país, por conta do conflito armado, supera os 14 bilhões de dólares. Os ataques aéreos liderados pela monarquia saudita assassinaram centenas de civis. Nessa guerra que já dura quatro anos, nos dois primeiros anos foram realizados 3.158 bombardeios pelos aliados, que atingiram escolas, hospitais, casas ou mesquitas. Apesar de todo esse terror da guerra, algumas empresas estão tendo lucros gigantescos, em especial as empresas armamentistas da França e do Reino Unido. A ONG inglesa, War Child UK, apontou que as empresas britânicas, como a BAE Systems, lucraram mais de seis bilhões com a compra de armas, aviões e bombas que são usados pelos sauditas para matar milhares de pessoas inocentes no Iêmen. Para se ter uma ideia, a Arábia Saudita compra 42% de todas as armas produzidas no Reino Unido.
Foi justamente contra esse mercado assassino e contra essa matança de civis que os trabalhadores de diversos portos da Europa se levantaram, em um emocionante exemplo de solidariedade internacional. Primeiro em Le Havre, na França, depois em Gênova na Itália, e depois novamente na França, mas dessa vez em Marselha, foram vistas ações que não aparecem nos grandes jornais.
No dia 10 de maio, o navio saudita, Bahri Tabük, deveria atracar após o alarme lançado pelos estivadores do porto de Le Havre. Porém, no cais, estavam diversos trabalhadores, sindicalistas e ativistas dos direitos humanos, que após a denúncia que o navio iria sair carregado de armas francesas, examinaram quais seriam os carregamentos que entrariam no navio. A justiça francesa não permitiu a vistoria, e assim, os trabalhadores do porto cruzaram os braços e não fizeram o carregamento para o navio saudita, que partiu vazio.
O destino do Bahri Yanbu foi navegar até a cidade italiana de Gênova buscando o carregamento do equipamento militar que seria utilizado no Iêmen. No dia 20 do mês passado, ao se aproximar do porto da cidade, os trabalhadores do local abriram uma faixa “Parem o tráfico de armas, guerra à guerra”. Seria mais uma parada nada amistosa para o navio da monarquia saudita.
Os estivadores de Gênova são um dos setores mais organizados dos trabalhadores italianos. Chamados popularmente de Camalli, e organizados na Compagnia Unica fra i Lavoratori, os estivadores genoveses estiveram na linha de frente contra o fascismo de Mussolini, foram parte fundamental das manifestações conhecidas como Outono Quente, no saudoso ano de 1968, e nas grandes greves italianas da década de 70. Nos ultimos 30 anos, a partir de 1987, o número de trabalhadores no local caiu de 8 mil para apenas 1.000. Apesar disso eles carregam a herança e a tradição de luta. Em comunicado, os Camalli declararam: “Durante a Guerra do Vietnã, bloqueamos o atracamento de navios estadunidenses, e, em 1971, organizamos um navio para ajudar a população vietnamita. (…) Esses valores e essa herança de conhecimento foram transmitidos de pai para filho. Mesmo que hoje sejamos muito menos em números e que queiramos defender nossos empregos, não queremos fazer isto a qualquer custo: a guerra no Iêmen é uma das maiores catástrofes humanitárias dos últimos anos”.
Após a assembleia da categoria, a importante central italiana, CGIL, declarou a greve dos estivadores em todos os portos do país para impedir que a carga armamentista entrasse no navio rumo à Arábia Saudita.
Os estivadores genoveses viam o Bahri Yanbu indo embora e gritavam “porto fechado para armas, porto aberto para os imigrantes”. Uma palavra de ordem que inspira o movimento dos trabalhadores a nível internacional e com certeza incomodou o rei saudita Salman, assim como o vice-primeiro ministro e ministro do exterior italiano Matteo Salvini, além de toda a extrema-direita europeia.
A última parada do navio saudita em mar europeu foi no porto de Marselha, onde, no dia 28 de maio, mais uma vez os trabalhadores portuários se recusaram a embarcar as cargas para o navio. A seção dos estivadores da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores, a mais antiga central francesa e que existe desde 1895) na cidade declarou que “nunca enviará armas destinadas a matar civis”. Em 1950, neste mesmo porto, os estivadores tinham cruzado seus braços para impedir o envio de armas americanas para a Indochina.
O comunicado da União Local do porto de Saint Louis afirmou que os trabalhadores do porto não irão contribuir com as guerras, com o imperialismo e contra a desestabilização de países. Além de acusar o regime saudita de cometer crimes de guerra contra o povo iemenita.
Os exemplos dos estivadores de Le Havre, Gênova e Marselha, mostram que a classe trabalhadora organizada tem potencial de agir de forma efetiva contra as guerras imperialistas. A solidariedade internacional não pode ser um anúncio da boca para fora, é preciso que sejamos cada vez mais internacionalistas.
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