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MUNDO

Inquietante crescimento da extrema direita nas eleições europeias

Na França, Itália, Polônia e Hungria, a extrema-direita ficou na liderança.

Joana Benário, de São Paulo, SP

Marine Le Pen, presidente do RN, Tomio Okamura, fundador do SPD, e o líder holandês Geert Wilders

No fim de maio, 427 milhões de cidadãos dos 28 países membros da União Europeia (UE) foram chamados a eleger os 751 deputados do Parlamento Europeu, para um mandato de cinco anos. Geralmente baixa, a taxa de participação atingiu este ano 51% – em Portugal a abstenção foi de 75%. A eleição é proporcional, e as pessoas votam em candidatos do seu país (segundo listas apresentadas pelos diferentes partidos), que integrarão o Parlamento Europeu, em diferentes blocos políticos.

Nestas eleições, podemos dizer que quatro tendências foram apontadas: o recuo dos partidos tradicionais,  a ascensão da extrema direita, um avanço moderado dos ecologistas e também dos liberais, a queda da esquerda. O agravamento da crise econômica e social na UE (26 milhões de desempregados) constitui certamente um fator importante na escolha dos eleitores europeus. Em tempos difíceis, a classe trabalhadora vota com o bolso.

O equilíbrio anterior deixou de existir. Pela primeira vez em 40 anos, os dois principais blocos políticos, o Partido Popular Europeu (PPE, que reúne os vários partidos de direita do continente) e os socialdemocratas (S&D), em coligação, perderam a maioria. O PPE continua a ser o maior grupo do Parlamento Europeu, com 180 membros eleitos (em comparação com os 217 da legislação anterior) e o S&D ainda é o segundo, com 150 lugares (contra 186 eleitos em 2014). Mas deixaram de ter uma maioria absoluta no Parlamento e, portanto, perdem a oportunidade de impor os seus candidatos a posições-chave na UE. Este é um revés importante para a França e a Alemanha, que historicamente lideraram a UE.

A extrema direita, grande vencedora das eleições

A Europa continua a virar à direita. Na França, Itália, Polônia e Hungria, a extrema-direita ficou na liderança.

Na França, o partido Reseemblement National (RN), de Marine Le Pen, obteve 23,5% do votos, a frente da aliança “A República em marcha-MoDem”, do presidente Macron, com apenas 21,5%, ou 2 pontos de diferença. O presidente Macron perdeu sua aposta, pois estava pessoalmente envolvido nesta eleição europeia, para tentar se recuperar politicamente, após o longo conflito com os coletes amarelos. Marine Le Pen capitalizou não apenas o voto anti-europeu, mas também o voto útil contra Macron. Seu grupo parlamentar “Europa das nações e liberdades” passa de 36 para 58 deputados.

Na Itália, “a Liga”, um partido de extrema-direita liderado por Matteo Salvini, fez um progresso espetacular, subindo de 6% para mais de 33% (28 deputados), na frente do “Movimento das 5 Estrelas”. O tradicional aliado da Liga, Forza Italia, o partido de Silvio Berlusconi faz 8,8%.

Na Polônia, os nacionalistas ultraconservadores do partido “Lei e Justiça” (PIS) ganharam com 42,4% dos votos contra 39,1% para a Coalizão Européia, (Plataforma Cívica do Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk). E surgiu um partido ultraliberal anti-UE, Nova Direita, com 7%.

Na Bélgica, na região norte do país, os separatistas flamengos da extrema direita, NVA chega a 27% e passa de 1 para 4 eurodeputados e o Vlaams Belang (fascista), com mais de 18% dos votos na região, triplicou sua pontuação em relação a 2014.

No Reino Unido, seis meses após a sua criação, o UKIP, Partido do Brexit, venceu as eleições com 32%. O partido de extrema-direita britânico defende uma ruptura clara com a União Europeia.

Na Hungria, o partido nacionalista e conservador “Fidesz” do primeiro-ministro Viktor Orban teve 52,14% dos votos. O partido de extrema-direita Jobbik está com 6,4%.  

Na Áustria, a extrema direita (FPÖ) mantém-se em 17,5%; os conservadores do ÖVP dominam com 27%. Na Espanha, o partido de extrema-direita Vox faz 6,2%. Em vários países do norte da Europa também, a extrema direita está aumentando sua votação (Suécia 15,4%, Dinamarca 10,7%, Finlândia 13,87%).  Grupos fascistas vão entrar com uma representação parlamentar como Aurora Dourada da Grécia (três eleitos), do NPD alemão (um eleito).

Em Portugal vimos uma exceção, com a “Geringonça”, governo do PS, apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, conseguiram a maioria dos votos e dos eurodeputados.

Com tudo isso, a extrema-direita totaliza 171 deputados no Parlamento europeu e se constitui como a segunda força. Mas estão divididos em três grupos políticos: ELN, ECR, EFDD.  Agora dependerá de sua capacidade de se unir para formar um grupo coeso, o que não foi o caso no Parlamento precedente.

Esta ascensão da extrema direita não apareceu de repente, é consequência do aprofundamento das políticas antissociais, da banalização do racismo no mais alto nível do estado, da escandalosa política de migração aplicada pela UE, e da proliferação de medidas repressivas e sexistas implementadas em muitos países europeus. O impasse da Europa do Capital está alimentando o surgimento de propostas cada vez mais antidemocráticas e autoritárias.

Em ascensão, o voto dos ambientalistas, os verdes

Os partidos verdes estão claramente crescendo em vários Estados. Na Alemanha, eles conquistaram o segundo lugar, com mais de 20% dos votos, atrás apenas da conservadora Angela Merkel (CDU). Eles também estão progredindo na Bélgica, com dois deputados. Na França, o partido Europa Ecologia-Verdes (EELV) ficou em terceiro lugar com 13,47% dos votos. Na Finlândia, os verdes ganharam um segundo lugar histórico. No total, eles vão de 52 a 69 eurodeputados e tornaram-se a quarta formação do Parlamento.

Os Verdes têm sido particularmente populares entre os jovens. Estamos falando da “onda verde” ou do “efeito Greta Thunberg”, a jovem sueca que motivou os protestos climáticos de centenas de milhares de jovens estudantes, em vários países europeus. Segundo a BBC, na Alemanha, cerca de um em cada três eleitores com menos de 30 anos votou nos Verdes. Um voto verde predominantemente jovem, representando a politização dos jovens da classe média.

Por outro lado, aumenta sua representatividade o bloco liberal (ALDE), no qual o partido de Emmanuel Macron “A República em marcha” quer integrar. Com 109 eurodeputados, eles conquistam o terceiro lugar e estarão no centro das futuras negociações da próxima coligação.

Os principais cargos de direção em jogo

As eleições de 26 de maio abrem uma longa rodada de negociações em Bruxelas para renovar os quatro altos cargos à frente das principais instituições da UE. Além da presidência da Comissão Europeia (governo executivo), a do Conselho Europeu (reúne os chefes de Estado dos 28 países), a Presidência do Parlamento Europeu e o líder da diplomacia europeia. Somam-se a isso as negociações paralelas decisivas para a presidência do Banco Central Europeu (BCE), na medida em que Mario Draghi deixará o cargo em novembro de 2019.

A batalha pela presidência da Comissão Europeia já está em pleno andamento. Tendo em conta a nova composição do Parlamento, será necessário encontrar um compromisso entre vários grupos políticos, para garantir uma maioria no Parlamento Europeu. Existe um impasse diplomático entre Paris e Berlim para que apoiem os mesmos candidatos. Vários nomes circulam para liderar a Comissão: o candidato do EPP, o alemão Manfred Weber, líder do PPE e apoiado pela chanceler alemã; Michel Barnier, chefe da Comissão de Negociações do Brexit, e a dinamarquesa Margrethe Vestager, chefe da Comissão de Concorrência.

Ter a direção da Comissão Europeia (CE) é muito importante porque funciona como um governo executivo da UE e desempenha um papel de liderança na definição e implementação de políticas europeias. Em aliança com o Banco Central Europeu, o FMI e a CE formam o órgão da “Troika” que impôs as políticas de austeridade e os planos de resgate dos países endividados, como foi o caso da Grécia ou a escandalosa política de fechamento das fronteiras aos migrantes não europeus.

O recuo da esquerda

Há cinco anos, a esquerda europeia, sob o rótulo do GUE (Grupo Confederal da Esquerda Europeia), era chefiada pelo grego Alexis Tsipras. Com as políticas aplicadas na Grécia, de submissão à “Troica”, como primeiro-ministro grego, ao não respeitar os resultados do referendo e aceitar cumprir as medidas de austeridade impostas pela UE, perdeu a confiança daqueles que colocaram a sua esperança na esquerda grega.

O grupo da esquerda tinha 52 deputados (7% do Parlamento Europeu), hoje, em 2019, elegeu 38, uma perda de mais de um quarto. O partido de Melenchon, na França, conseguiu 6,5% dos votos (6 deputados), mas antes tinha feito 19% nas eleições presidenciais e 11% nas eleições de 2017. Um declínio importante.

Os motivos da queda da esquerda, segundo Sean Gallup, de Jacobin, podem se resumir assim: a) ausência total de uma estratégia política anticapitalista realista, ou pelo menos antineoliberal, de esquerda; b) europeísmo: numa posição  defensiva, votar junto com os socialdemocratas “pela Europa”, contra a nova direita nacionalista euro-séptica; c) a esquerda não tinha ideia de como lidar com a questão da mudança climática, que surgiu com predominância nos últimos meses e voltou a ser jogada nas mãos dos Verdes. 

Neste contexto, a temática da Europa mobiliza pouco a população. Por exemplo, no movimento dos coletes amarelos, a principal instrução era votar contra Macron. As discussões sobre os principais Tratados da União Europeia, que estão agitando a esquerda não interessam a maioria das pessoas. No entanto, iniciativas estão surgindo, como a Coalizão Contra a Extrema Direita e o Fascismo, Stand-Up, na Bélgica. Reúne pessoas e organizações do movimento social em toda a sua diversidade. Eles estão lançando um chamado à ação, enfrentando a ascensão da extrema direita.

Este agrupamento belga defende:

A extrema direita no poder é um salto para o horror. Representam os ataques neoliberais, homofóbicos, contra as populações indígenas e contra os direitos humanos em geral, do governo neofascista de Jair Bolsonaro no Brasil. Eles promovem os assassinatos racistas, a LGBTIfobia e são contra os ativistas progressistas, como na Grécia, com os gorilas da Aurora Dourada. Eles são os que atacam o direito ao aborto e os direitos das mulheres em geral, como no Alabama, na Polônia ou na Andaluzia. É a criminalização dos sem-teto, dos migrantes, dos ciganos e da “lei da escravidão” que permite a sobre-exploração dos trabalhadores, como na Hungria.

Nós fazemos um chamado para sairmos às ruas e fazê-lo novamente enquanto for necessário. Nós chamamos a população para a máxima vigilância e para enfrentar a extrema direita onde quer que ela esteja (…) Recuse-se a deixar o campo livre para a extrema direita e o fascismo, nos nossos bairros, nos nossos locais de trabalho, estudo e lazer (…)

Defendemos uma alternativa solidária, com unidade e inclusão das classes populares, seja qual for o gênero, a cor da pele, as convicções, a orientação sexual, a saúde ou a deficiência, contra todos os racismos, por justiça social, direitos e liberdades democráticas e igualdade real de direitos (…)

Afirmamos que a extrema direita não tem lugar nos parlamentos e governos, nem nas nossas ruas, e que a nossa frente única se mobilizará, conforme necessário e por todos os meios possíveis, para impedir que ela cause danos. Eles não passarão!”